No dia 17 de Setembro de 1939, o exército da URSS invadiu a Polónia. Cerca de um mês antes, mais propriamente no dia 23 de Agosto, a Alemanha nazi, através de Hitler, firma um acordo de Não-Agressão com a URSS de Joseph Estalin. Esse acordo previa a divisão da Polónia entre a Alemanha e a URSS no final da guerra. No dia 1 de Setembro, os alemães invadem a Polónia pelo Ocidente, enquanto que a 17, a URSS invade o país através das suas fronteiras do Oriente. Nessa invasão muitos inocentes perecem às mãos das tropas nazis e russas, no entanto, são as acusações de traição e espionagem que são hoje alvo de relatos e investigações. E é precisamente por uma acusação de ser espião, que o tenente da cavalaria do exército polaco, Slavomir Rawicz, se vê no meio do inferno.
Esta é uma história real. Narrada pelo próprio e escrita pela primeira vez em 1956, este é um relato pungente de homens que se viram acusados e privados da liberdade sem que nada tenham feito. O único mal que fizeram foi de terem estado no local errado aquando da passagem da maré fascista, numa autêntica "caça às bruxas" na União Soviética. Este é um relato, um grito de alerta ao mundo contra os malefícios do comunismo, da fanatismo político, do fascismo e, principalmente um grito a favor da liberdade e da vida, pois e conforme o próprio Rawicz afirma: "A liberdade é como o oxigénio".
Mas Slavomir Rawicz vê-se, sem saber porquê, aprisionado pelos russos que, sob enormes e variadas torturas, insistem para que ela assine um papel onde admite a sua culpabilidade. Recusando-se sempre a assinar tal documento, acaba por ir a julgamento sendo então condenado a 25 anos de trabalhos forçados num campo de trabalho na Sibéria. Já nesse campo (campo 303), Rawicz narra todas as privações e principalmente a forma como os próprios presos se organizavam. Até que derivado de alguns acontecimentos, toma consciência que a fuga é possível, no entanto ele sabe que a percentagem de êxito é baixa, mas ela existe.
Juntando-se a um grupo de 7 homens, no qual se inclui um engenheiro americano que se irá revelar um elo fundamental, estes homens iniciam uma fuga de 8.000 km, atravessando toda a Sibéria, Mongólia, Tibete, Himalaias, chegando por fim à Índia, onde são acolhidos pelo exército britânico.
Essa travessia dura cerca de um ano e é inimaginável o que aqueles homens sofrem.
Como devem supor, atravessar a Sibéria torna-se um tormento, ainda mais não tendo praticamente quaisquer víveres, dormindo de dia escondidos pelo gelo e caminhando de noite. Agora imaginem atravessar o deserto de Gobi (Mongólia) em pleno Verão e sem água. As descrições são tão reais e fortes, damos connosco a sentir o sufoco do calor, a lingua inchada, as pernas inchadas e os pés em chagas de tanto andarem.
Toda esta jornada se desenrola a pé. Trata-se de uma fuga e mesmo fora dos territórios da URSS, eles não estão seguros, pois os países que atravessam mantém laços de amizade com a URSS, logo, é sempre possível serem capturados.
Rawicz escreve este livro muitos anos depois. A edição actual é de 2000, revisada pelo próprio. Há muitos acontecimentos que o próprio afirma não se lembrar ou de ter uma ténue lembrança, no entanto e é talvez onde encontre algo a apontar a este relato, nota-se, aliás, sente-se e até se pode ler nas entrelinhas, que muita coisa ficou por contar. Embora ele afirme variadas vezes que não se recorda ou que não sabe bem como aconteceu, fiquei com a clara sensação, para não dizer a certeza, que ele omite propositadamente certos factos. A história da mulher do comandante do campo que o ajuda na fuga, está muito mal contada e claramente inacabada. Não sei se se passou algo entre eles, sinceramente não me pereceu, mas sente-se que ele a menciona porque ela foi importante na História, mas há algo que ele omite.
Depois também achei, e continuo-o a achar, muito estranho que, depois daquela fuga, não se terem iniciado buscas ou perseguições para capturar os fugitivos. Eles fogem e jamais relatam qualquer visão de qualquer perseguição. Mesmo com aquelas temperaturas, a nevar toda a noite, o que apagaria qualquer rasto que eles tivessem deixado, achei no mínimo estranho. Depois é também a aparente "facilidade" com que eles vão caminhando. Encontram sempre gente acolhedora que raramente lhes fazem perguntas. Enfim, não ponho em causa nada do relato, mas apercebi-me que existiram acontecimentos que Rawicz achou por bem não mencionar ao mundo.
Mas e mesmo com estes pequenos pormenores, esta é de facto uma viagem fantástica. Eles percorrem sítios recônditos de países longínquos, vêm gentes e seres estranhos (achei fabuloso o estranho encontro que ele têm em pleno Himalaias com duas estranhas criaturas que, segundo opinião de Rawicz, só podiam ser esse ser chamado Abominável Homem das Neves), passam fome, frio, sempre agarrados à esperança de alcançar a liberdade, sempre apoiados uns nos outros, todos como sendo um único corpo. Este é um relato comovente de amizade, coragem, dor, solidão, solidariedade, amor e fraternidade. Uma história que de certo incomoda todas aqueles que defendem e fomentam o comunismo e o fascismo e até para a própria História da Rússia, uma história que merece ser divulgada pelo mundo inteiro.
A todos que gostam de ler bons livros, a todos aqueles que gostam de fazer parte desta "família" chamada ser-humano, a todos aqueles que fomentam o amor e a solidariedade ao próximo, apenas posso aconselhar a leitura urgente deste magnífico livro. No entanto, para aquele que me incentivou a ler esta obra, deixo aqui o meu obrigado, assim como à restante comunidade livriana pelas suas excelentes dicas.
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