sábado, 16 de dezembro de 2006

Leituras


O Livro do Meio
Maria Velho da Costa e Armando Silva Carvalho
Caminho, 2006

Acabei na noite passada este 'romance epistolar'. Tal como me aconteceu com a Odisseia, fiquei com aquela sensação de vazio, que se tem quando entramos na narrativa, nas personagens, nos espaços.
A correspondência entre os dois escritores relata a infância de ambos, entre comentários e apontamentos sobre o quotidiano. Mas o que este livro tem de especial é um mistério, uma alma que não se desvenda, mas sempre se vislumbra, na leitura. A intenção do livro, bem como a sua metodologia é desvendada pelos narradores, por isso não se trata de um recurso oculto de organização do texto. Tudo é revelado. Com o tempo de leitura, distinguimos as personagens, distinguimos os estilos dos narradores, entramos e imaginamos o universo rural da infância de Silva Carvalho ou o ambiente citadino burguês de Velho da Costa. Fica porém um silêncio, um véu entre o que se diz e não diz, e a minha condição de leitora resvala entre a cumplicidade permitida e os seus limites. E disso também falam os autores.
Quando Mega Ferreira e Isabel Allegro apresentaram o livro, ambos falaram em 'tom', e na sua importância. Agora identifico o sentido deste ritmo: o romance epistolar cria duas personagens cuja vida nasce e se alimenta em diálogo. Não são as memórias de dois escritores, não são duas infâncias em oposição, são um romance no sentido em que as partes, sozinhas, não existem. Aqui reside o tom, aqui reside o mistério, aqui reside o limite da palavra para a alma.
«Sangue e tinta, em transfusão mais perpétua que nós.» (última frase)

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