Não sei bem como, veio parar-me às mãos, há 36 anos atrás, Giovanni’s Room, de James Baldwin (autor negro, americano e homossexual, lutador incansável pelos direitos humanos, que morreu em 1987). Muito sucintamente: David é a personagem central do romance. Americano, branco, troca os EUA por Paris, e enquanto a namorada viaja por Espanha envolve-se com um barman italiano, Giovanni. Este relacionamento põe em causa toda a identidade sexual de David, ainda que este nunca assuma explicitamente ser bissexual. Quando Hella regressa a Paris (embora mais tarde a abandone, preferindo relações diversas, sobretudo com marinheiros), o relacionamento com Giovanni acaba com consequências dramáticas para os vários personagens que Baldwin nos revela ao longo do romance. A intensidade narrativa, a construção da trama, as emoções contraditórias, os sentimentos de culpa, a abordagem de (um) tema(s) ainda hoje passível(eis) de tantos preconceitos e incompreensões (imagine-se então há 36 anos atrás), o portentoso núcleo de personagens, marcaram-me profundamente. De tal modo, que (éramos tão jovens) ofereci o livro a alguém que se sentia perdido, discriminado, perseguido, devassado na sua privacidade e magoado pelo ostracismo a que a sociedade o votava. Este alguém era negro, homossexual, e uma das melhores pessoas que conheci até hoje. Este alguém disse-me, depois de ler o livro: «Que paz eu senti. A solidão já não me assusta. Acho que posso começar a viver.» Nunca mais consegui encontrar o livro, para o ter comigo de novo. Mas tenho muitas vezes o eco das palavras deste alguém, que nunca esqueci e que poucos mais anos viveu, mas a quem, pela minha mão, James Baldwin e o seu Giovanni’s Room mudou, qualitativa e quantitativamente, a vida.
Rita Pais
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