Portugal, Hoje: O Medo de Existir, é uma obra que desconhecia e que me foi aqui apresentada neste nosso cantinho livriano pela mui estimada colega livriana Lisa.
Escrito pelo filósofo José Gil, tido como um dos 25 grandes pensadores mundiais da actualidade, logo e obrigatoriamente uma figura ou um intelectual de relevo da nossa cultura.
O autor neste livro procura analisar a alma lusitana e toda a actual e antiga conjuntura que levaram o nosso país e as nossas gentes ao actual e miserável estado de pessimismo em que o país está atolado (para não dizer outra coisa). Uma análise também ela extremamente pessimista que ressalva apenas os traços mais negativos da nossa forma de ser e da forma como a democracia foi erigida e mantida.
Embora José Gil tenha dificuldade em classificar o género deste livro, classificando-o mesmo como “indefinido”, eu não tenho quaisquer dúvidas em o classificar como um Ensaio, porque simplesmente este é um Ensaio ou, na pior das hipóteses, uma espécie de Ensaio sobre os males e os vícios que dominam os portugueses, a sua herança cultural e a forma como essa herança foi aproveitada e consagrada pelo regime salazarista, e são precisamente estes dois últimos pontos que, quanto a mim, destroem toda a abordagem de José Gil. Mas vamos por partes. J
osé Gil desde o início refere as más características dos portugueses e a forma como se identifica essa forma de ser: irresponsável; invejoso; dado à inércia; medroso, quase cobarde; sem motivação e auto-estima; resistente à lei; com a mania que é “chico-esperto”, levando essa faceta directa e indirectamente à corrupção.
Correcto, digo eu e dirão muitos, no entanto e tendo o cuidado de analisar o livro como um todo, no final do mesmo constatei que o discurso de Gil assenta essencialmente apenas e só nisso, num desenvolver de características tão conhecidas, sem contudo dar qualquer tipo de respostas nem apresentar alternativas para que seja possível uma mudança. Esta é a minha maior crítica. O que o autor faz é essencialmente o seguinte: "os portugueses são uns preguiçosos, não fazem nenhum, são uns despreocupados, estão-se a borrifar para os outros, etc". E porquê que os portugueses são assim? "Ah coisa e tal, salazarismo práqui, salazarismo práli...". Ou seja, ele não dá nenhuma explicação plausível.
A única tentativa de explicação e por acaso essa tentativa desapontou-me muito, é dada mediante uma excessiva colagem do Portugal de hoje ao Portugal de 1974 acabado de sair da ditadura, afirmando vezes sem conta ou deixando perceber claramente que nada mudou desde esses tempos, nada se ”inscreveu”, que inclusive os portugueses continuam a viver com um medo herdado do salazarismo...
Não concordo! Discordo em absoluto!
Não querendo entrar aqui em dissertações ou em discursos que contraponham o que José Gil escreve, penso que e ao contrário do que ele afirma, os portugueses não são como são devido aos 45 anos de ditadura, pese embora que também tenham tido influência. Ele passa praticamente todo o livro a “bater na mesma tecla”, a sublinhar o papel negativo do regime salazarista como principal e único culpado deste actual estado de coisas. Não concordo! Admito que ainda existem muitos vícios que sobreviveram desse regime, mas não concordo que os portugueses são amorfos, medrosos, cobardes, invejosos e irresponsáveis devido apenas a esse regime. É Histórico e Gil esqueceu-se de analisar a História, não faltam relatos desses comportamentos fatalistas, invejosos, brejeiros, “chico-esperto” em vários dos nossos escritores do séc. XVIII e XIX. Camões narra um pouco desses comportamentos no “Lusíadas” e as obras de Eça e Camilo são também um óptimo mostruário.
Salazar de facto aproveitou essas características para implantar o medo e a repressão, mas e passados mais de 30 anos da Revolução dos Cravos, nós não somos como somos devido apenas a esse regime, nós sempre fomos assim. Célebre a frase de Júlio César no ano 100 A.C. quando dizia: “nos confins da península existe um povo (lusitanos) que não se governa nem se deixa governar...”
Ele refere também e não são poucas as vezes que o faz, das não “inscrições” em Portugal. Tudo é constantemente adiado.
É verdade, pelo menos o do constantemente adiado, o de deixar andar, no entanto e no contexto onde ele coloca a expressão “inscrição”, para mim é aberrante essa análise.
Será que em mais de 30 anos de democracia nada mudou?
Obviamente que essa democracia foi mal construída, análise que Gil efectua, tocando nalgumas feridas, mas que diabo, estamos nas mesmas condições que estávamos em 1974? Nada mudou?
Penso que bem ou mal, muita coisa se fez nesse país que merece ficar ”inscrito” na nossa sociedade e na nossa História, mesmo afirmando ele que ”Portugal conhece uma democracia com baixo grau de cidadania e liberdade”, afirmação essa que deriva, mais uma vez de uma atribuição de culpas ao antigo regime, eu questiono: Mas isso só acontece em Portugal? Esse alheamento da vida política, esse afastamento só se verifica em Portugal? Nos outros países também não se verifica o mesmo? E o mais decepcionante é que José Gil faz essas declarações, mas nunca efectua nenhuma análise profunda do porquê, dos factores e razões que levaram a esse alheamento e afastamento. J
osé Gil vai assim colocando tudo numa condição extremamente pessimista. Embora concorde com parte dessas constatações, não concordo com maior parte delas, sobretudo o modo alarmista como ele as coloca e por serem meras constatações.
Considero de facto que ele tem razão em muitas criticas que efectua, no entanto ele coloca as “coisas” como incontornáveis, como se fosse impossível a alteração dessas situações. Mas não será legítimo exigir mais a um pensador desta craveira do que constatações tão simplistas?
Para além de tudo o que refiro atrás, ele entra em profundas contradições, pois é célere a criticar o povo pela não ”inscrição” e ele, com este livro, faz exactamente isso (queixa-se, queixa-se), demonstrando também ser um mau conhecedor da História Universal dos povos e com pouca visão e perspectiva do futuro.
Por outro lado e ligado ao que afirmei no parágrafo atrás, é arrepiante a forma como ele se esquece de analisar e de incluir a nossa História, afirmando mesmo sermos um povo saudosista mas com poucas referências ou lembranças da História, algo que ele próprio demonstra no livro, pois para ele existe uma massa de gentes encravada num pequeno território à beira de um precipício.
Portugal é apenas isso?
Não teria ele arranjado melhor explicação (praticamente não dá nenhuma) para a nossa forma de ser, se, por exemplo se desse ao trabalho de analisar os Descobrimentos e o facto de ter sido Portugal uma potência europeia e mundial durante séculos?
Em suma: José Gil efectua uma análise ao não desenvolvimento democrático, social, mental e cultural do país e das fracas capacidades dos portugueses.
No entanto é uma análise vazia, sem conteúdo, pouco ou nada profunda, pessimista, onde ele se limita ao simples desfilar de defeitos sem nunca evidenciar as virtudes e onde jamais apresenta soluções ou alternativas. Caí assim ele próprio em contradição com as críticas que realiza, pois parece tomar a atitude de um iluminado, quando e depois de tudo exprimido, este livro é extremamente populista, acabando assim por ele próprio se ”inscrever” num grupo que poderemos denominar de ”Vencidos da Vida” (a frase não é minha), grupo esse que me recuso a pertencer.
Conceitos abstractos, não explicados e por vezes demasiados densos, acabam por dominar grande parte do livro, tornando-o de ora fácil, ora de difícil leitura, caindo também em blocos extremamente filósofos e de sentido dúbio.
A mim decepcionou-me porque estava à espera de uma análise mais cuidada de alguém tão respeitado e tido em todo o mundo, uma análise às razões históricas e sociais que levaram os portugueses a serem realmente um povo tão amorfo. no entanto recomendo, porque José Gil foca alguns dos nossos problemas e defeitos, o que para muitos pode ser um despertar proveitoso para esses mesmos problemas e defeitos, talvez uma tomada de consciência ou um inteirar dos reais problemas deste país.