quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Pássaros Feridos


Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a Terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro, e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e solta um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro pára para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento... Pelo menos é o que diz a lenda.
[...]
O pássaro com o espinho cravado no peito segue uma lei imutável; impelido por ela, não sabe o que é empalar-se, e morre cantando. No instante em que o espinho penetra, não há nele consciência do morrer futuro; limita-se a cantar e canta até que não lhe sobra vida para emitir uma única nota. Mas nós, quando enfiamos os espinhos no peito, nós sabemos, compreendemos. E assim mesmo fazemo-lo.

Os dois excertos que transcrevi acima, retirados do livro "Pássaros Feridos", da escritora australiana Colleen McCullough, marcam o seu início e o seu fim, respectivamente. Pelo meio, pude desfrutar de um dos melhores livros que já li.

Esta autêntico épico conta a história da família Cleary entre 1915 e 1969, permitindo-nos acompanhar personagens de três gerações diferentes. Apesar de o início decorrer na Nova Zelândia, os acontecimentos principais terão lugar na Austrália, na imensa propriedade de Drogheda. As personagens centrais são Meggie Cleary e o padre Ralph de Bricassart e o seu amor é a pedra basilar do livro; contudo, este é também povoado de inúmeras personagens, que emprestam à história uma riqueza que não se pode desprezar. A própria Austrália é, em si mesma, uma personagem essencial, com a sua abundância de fauna e flora e com a sua implacabilidade meteorológica, que governa a vida dos seus habitantes. Acima de tudo, o leitor sente sempre que as personagens e os seus dilemas são reais. Quanto ao enredo, apesar de uma das principais mensagens ser a inevitabilidade, raramente é previsível.

Muito satisfatório é também o entrelaçar da história-base com os acontecimentos da época (ou das várias épocas que o livro abarca): a Grande Depressão de 1929, a Segunda Guerra Mundial e vários acontecimentos que pontuaram a história australiana e mundial.

A escrita da Colleen McCullough é extraordinária... Seja em descrições ou em diálogos, ela consegue cativar o leitor com a riqueza das imagens e sentimentos que transmite. Apesar de não ser o primeiro livro que li dela (já tinha lido "O Toque de Midas"), desta vez fiquei completamente rendida e é uma autora para continuar a ler - inclusive já tinho o 1.º volume da sua famosa saga "O Primeiro Homem de Roma".

A título de curiosidade, este livro foi adaptado para a televisão com uma mini-série que data de 1983, com Richard Chamberlain e Rachel Ward nos papéis principais.

10/10

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