Editora: Gailivro
Páginas: 279
ISBN: 9789895576760
Sinopse
O primeiro contacto com a prosa eficiente e económica, directa, de Telmo Marçal introduz-nos de, forma imediata, nas regras do mundo em que viemos cair: Estamos realmente na jaula da fera encurralada, mas eis que, afinal, somos nós essa fera.
(…) Há, no entanto, um motivo legítimo para entrarmos assim incautos: não temos por hábito encontrar este tipo de prosa esta forma de pensarmos o mundo, na nossa literatura portuguesa.
(…) Somos perfeitos na caricatura mordaz. Mas quando se trata de construir mundos racionais, ainda que fechados e claustrofóbicos como os que aqui encontrarão, de imaginar uma alternativa ao nosso presente ou mesmo ao passado histórico idolatrado por este povo (ainda que não passe de uma versão expurgada dos pecados cometidos), quando, afinal, nos negam o romance das coisas não temos grande experiência… A nossa ficção científica, quando se manifesta, apropria-se normalmente de universos alheios que encontrara nas leituras dos romances estrangeiros; quando em raras ocasiões se aventura no caminho da especulação social, fá-lo timidamente ou assente em abordagens subjectivas ou puramente pessoais.
(…) em Telmo Marçal a opressão é total, implacável, e não há forma de escapar à intensidade ao que o momento presente nos impede de olhar para o futuro e nos força a sobreviver, a não ser pela ocasional ironia.
Opinião
As Atribulações de Jacques Bonhomme é um livro de contos dentro de um ambiente de ficção científica, escritos por um autor português que escreve sob o pseudónimo de Telmo Marçal. Com várias histórias publicadas em fanzines, webzines, antologias ou mesmo na revista online BANG!, esta é a sua estreia a solo em livros.
Os contos deste livro transpõem os Jacques "de todos os tamanhos, cores e feitios" que existem no nosso mundo, para os Jacques que existem em mundos imaginários, "naqueles que lembram o nosso, em mundos que nos ficam distantes, e até em alguns que ainda não aconteceram". O ponto comum e transversal a todos os contos é o conjunto de indivíduos peculiares que os protagonizam, que vão tentando sobreviver nos mundos caóticos e asfixiantes que habitam.
Vários dos contos têm um tom e contexto marcadamente distópico, decorrendo em sociedades futuristas (ou nem por isso) em que a opressão de quem tem o poder parece comprometer a "normal" vivência dos seres humanos. Esta opressão é um tema recorrente ao longo destas histórias, frequentemente pontuadas por momentos de humor (negro) que funcionam mais ou menos como falsos balões de oxigénio, uma vez que os ambientes dark que o autor descreve tomam conta do leitor, independentemente de tudo o resto.
Gostei praticamente de todos os contos, mas os meus preferidos foram "Os Virtuosos", "O Pico de Hubert" (já publicado na antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados), "A Amizade", "Os Cofres de Kalvbard" e "Eu Sou um Carrasco" - podem ler este último na BANG! n.º 5.
Não é normal ver a publicação de livros de contos em Portugal, de autores portugueses, muito menos no género de ficção científica. E, melhor ainda, com qualidade. Para mim, foram várias viagens por um género que normalmente não leio, cada uma delas com um sabor especial. Não é um livro fácil de ler ou que possa ser lido por qualquer pessoa em qualquer estado de espírito. Mas, se têm vontade de experimentar uma coisa diferente e original, aqui fica esta sugestão. Espero que se continuem a fazer apostas em livros deste género por cá.
8/10 - Muito Bom
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