sexta-feira, 8 de agosto de 2008

E se a natureza falhar?


Publicado nos primeiros meses de 2007, este livro assume-se como uma biografia escrita por duas jornalistas, e mantém a actualidade porque o caso “Apito Dourado”, de uma ou outra forma, parece longe de ser encerrado. Aqui se oferece ao leitor o curso de uma vida, das desditas, infortúnios e (já) dotes de menino ao talento do dirigente desportivo com aquele ponto fraco da sensibilidade aos encantos femininos.
Algumas frases das autoras ajudam a compreender o espírito da obra, cujo tom geralmente entre o laudatório e o elegíaco é reforçado com uma razoável “fotobiografia”. “Jorge Nuno Pinto da Costa, com três quilos e duzentos gramas e um grito que era mais um alerta a soçobrar da goela, decide nascer”. (pág. 18) Assim nos é apresentado o obstinado.
A vocação insofismável para tomar em mãos os destinos do clube que é seu desde menino fica assim consagrada, numa curiosa disputa metafísica: “Os desaires do FC Porto marcam o dia-a-dia do adolescente que se tenta aliviar nos rituais católicos.” (pág. 45) Quando, mais tarde, o dirigente tem caminho aberto nessa inevitabilidade que é dirigir o clube, a coisa fica assim: “A sorte estava lançada, já nada podia parar a ascensão do rapaz que preparara o coração para empreendimentos mais arrojados.” (pág. 81)
Apanhado pelos acontecimentos, neste caso o 25 de Abril, assenta no timoneiro um estranho estado de alma: “A revolução faz o seu caminho e Jorge Nuno inquieta-se com os maus resultados do Porto.” (pág. 88) O que tem explicação no já reiterado: “Jorge Nuno treinara o seu coração para voos maiores.” (pág. 105), até porque, sabe-se mais à frente, “o fado empurra-o para a glória e ele tem voz para o acorde.” (pág. 127)
Inimigos, ele sabe que tem, há-de ter sabido sempre, uma vez que “o seu talento é feito da perspicácia e do conhecimento das fraquezas humanas”. (pág. 147). O que não basta para evitar e/ou tornear algumas dificuldades, como a que lhe surgiria através da relação com Carolina Salgado. Mas está tudo explicado: “Uma noite, entre as incandescências do álcool e o speed da cocaína, Carolina é inspirada por outra ideia” (p. 163), aqui já na senda da vingança que, segundo a biografia, lhe orienta os passos no pós-separação, quando “a Evita de Gaia prepara o seu pé-de-meia”. (pág. 173)
Mas já antes as coisas no futebol tinham passado a suspeições graúdas, que não passaram da fase dos tradicionais inquéritos judiciários. Coisa sem grande peso, esse caso Calheiros de 1996, ano “digno de arremedo policial”. Porque, vai-se a ver, “à Justiça, o caso é apresentado como não mais do que um chorrilho de enganos”. (p. 128)
O problema foi quando mais tarde, a ex-amada Carolina o acusa de ter patrocinado o espancamento de um vereador socialista da Câmara de Gondomar (pág. 156). Atoarda que só teve pés para andar porque Maria José Morgado e a sua equipa “promete uma cruzada contra a corrupção no futebol”. (pág. 175)
Em resumo, tudo resultado da prosa de Carolina, que “é uma caixinha de surpresas”, como quando “com uma pele cor de papa de aveia, uns olhos encovados e cansados, é a figura que abre os telejornais”. (pág. 173).
Mas o mal a Pinto de Costa está feito, porque “numa corrida desleal, Jorge Nuno vê o seu nome enlameado em praça pública”, (pág. 176). Só que, desdenham as autoras, “os portugueses têm a prosa que merecem”, (pág. 174), e a Pinto da Costa “apenas a natureza o poderá derrubar” (pág. 180).

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Felícia Cabrita e Ana Sofia Fonseca
Pinto da Costa – Luzes e sombras de um dragão

A Esfera dos Livros, €19,00

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