segunda-feira, 19 de maio de 2008

As caixas de Hermes

A primeira vez que encontrei o Planeta Caiqueria (Hermes Bernardi Jr., ilustrações de André Neves, Projeto) foi numa livraria em Brasília numa tarde onde só tinha a grana para o café e muita curiosidade por novos livros. Fiquei numa convulsão para levá-lo para casa. Primeiro pela criação primorosa das ilustrações do André Neves – que me fez tirá-lo da estante num primeiro momento. Depois, pela força da história-quase-fábula de Hermes. O livro, com sua força de recortes, texturas e cores, é um presente para os olhos... coisas de André. O texto, por sua vez, acarinha o coração. Fala da solidão, da responsabilidade, do amor e das surpresas que a vida apronta. Sei lá... Acho até que fala de um tempo remoto e gostoso quando a vida era só ouvir histórias... depois vieram as contas a pagar, os filhos a educar, horas de trabalho mais que horas livres... Abrindo o Caiqueria, volto àqueles tempos de descompromissos com a realidade. Então, no meu mundo só resta a fantasia. É maravilhoso recordar estes momentos ao simples despetalar de folhas deste livro.
Passaram-se alguns dias e o livro finalmente veio morar aqui em casa. Vez em quando, como agora, vou correndo até a estante fazer companhia à estranha Criatura – este é o seu nome - que tem por ofício guardar e manter fechadas as caixas que guardam as histórias que guardam as palavras. Nas minhas andanças por aí, descobri que o nome Caiqueria surgiu da mistura de CAIxa, brinQUEdo e HistóRIA. Uma colagem criativa para descrever o que acontecia naquele planeta. Criatura cultivava frases num jardim, colhia e as guardava em caixas diversas, aprisionadas em histórias distintas. Cada história em sua caixa e Criatura com tudo aquilo para si. Um dia, durante um cochilo de Criatura, um Big Bang abriu as caixas e espalhou as histórias pelo mundo. Ao acordar, Criatura descobre a liberdade. Sua e das histórias. Eu fiquei assim, mais livre e mais encantado com a literatura infantil.
A primeira vez que encontrei o E um rinoceronte dobrado (Hermes Bernardi Jr., com imagens de Guto Lins, Projeto) foi inusitada. Ele chegou em casa sem nem eu saber. Além de dobrado, veio espremido com outros livros num “lote” de “cortesia da editora”. Era um time de ótimos livros e eu saí roendo pra todo lado. De repente, já empanturrado do “lanche”, pesquei o tal rinoceronte da sacola e comecei a ler, sem dar muita atenção ao autor ou ao ilustrador. Na terceira página eu já estava apaixonado pelo texto. Na quarta, quando o autor resolve colocar numa caixa de sapatos dois quilos de quando ele era contente eu parei a leitura. Voltei à capa e descobri o autor. Caixas... Hermes... é claro que ali estava uma ligação com o Planeta Caiqueria. Arrepiei com a descoberta. Para os mais atentos, a ligação nem precisava estar escrita no final do livro como, de fato, está.
O texto nasce da resposta do autor à pergunta: O que eu colocaria numa caixa de sapatos? Daí surge a fantasia que passa por todos os sabores de picolé, um momento de chuva, um saquinho de beleza, meias fedidas, pensamentos embalados em mel, rimas, absurdos e outros sabores. O projeto gráfico de Guto e Adriana Lins dá vida aos “objetos” que vão compondo a tal caixa como os quindins (sim, eu os vi), uma zebra fantasiada de cacho de uva, um jacaré de paletó, entre outras criações poéticas. Tudo com muita criatividade embora, às vezes, deixe a impressão de que tantas imagens na página ocupem o espaço que o texto oferece para a imaginação do leitor voar ainda mais alto. O livro encerra com a mesma pergunta do início. Desta vez, dirigida ao leitor que, inserido na brincadeira poética de Hermes, se vê apto a colocar suas mais loucas criações e memórias eletivas na caixa de sapatos. Talvez um balanço de rede, ou uma camiseta amarelo-petróleo... quem sabe o arco-íris que eu vi na voz da Maria Bethânia ou a risada do Pedro, o calor da Ana... De uma coisa estou certo: ficarei mais atento ao que sair da caixola de Hermes. Espero que ele continue a me surpreender com ótimas histórias.

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