Os tempos vão pouco de feição para as filosofias. Certo é que, desde sempre, isso de um sujeito se entregar a artes de pensar, e mais nada, foi tido como pouco interessante. Mas era uma forma de as pessoas pensarem sobre o lado prático da vida. Ou seja, para pensar, é preciso tirar um curso superior? Aprender a pensar.Este domínio comum do pensamento sobre a filosofia está a ter agora eco no senhores pensantes, ou melhor, nos que decidem, e para tal atendem ao lado prático da vida: um engenheiro é um técnico, portanto tem de “engenheirar”. Um médico cura, e por aí adiante. Não bastasse isso, e, dizem, os ventos de Bolonha vieram semear mais transgénicos. Isto é, diz-se para aí que mesmo os estudos filosóficos elementares proporcionados no secundário são luxo a que o exausto sistema de ensino português não pode dar-se. Para pensar há um governo cheio e outros tantos com candidatos em permanência. Que não pensam em muito mais do que nesse futuro que também implica poderem decidir sobre filosofia, filósofos e “filosofices”. É distracção claro, tal querer acabar com pensamentos a mais. Qual Bolonha, qual quê?, do que se trata é de adequar os conhecimentos dos candidatos ao desemprego ao trabalho que um dia poderão ter. Até lá, não pensem mais nisso, naquilo ou naqueloutro. Mas os que fazem ciência, por exemplo – leia-se: os cientistas – desde os primeiros lampejos da descoberta do mundo que se preocupam com o que descobrem, como descobrem, o que podiam descobrir e não conseguem, os limites da descoberta. E pensam nisso porque têm consciência de que é através do pensamento que se chega lá: ao mundo disponível para aceder a novos dados, a novas ligações, a novas teorias – e a novas práticas. E é conhecido do que é a própria ciência que lhes permite duvidar dela, pô-la de lado, ir por novos caminhos.«Faltam obras não comprometidas, directa ou indirectamente, com dogmas religiosos, políticos, sectários, empresariais, ou de outras origens. Presentemente, assiste-se a um assalto sistemático à ciência por estas forças, mais ou menos ocultas”, escrevem José R. Croca e Rui N. Moreira, autores de “Diálogos sobre Física Quântica, dos paradoxos à não-linearidade».O que os autores querem com esta obra é desmistificar o entendimento comum sobre a física quântica, partindo de «uma necessidade que se faz sentir no domínio da divulgação científica». Ou seja, propõem-se fazer chegar aos interessados a «evidência experimental, mostrando claramente que o velho paradigma ortodoxo está esgotado». Os autores escolheram, com esse objectivo, a forma de diálogo entre dois cientistas, um editor e um técnico superior, que se vão reunindo e debatendo a história da ciência, e da física quântica, o que implica a visita a grandes polémicas. As teorias, por exemplo. Mas Liberius, para o caso deste livro, descansa-nos: «Quando uma teoria permite que construamos novas ferramentas, ferramentas que não poderiam ser concebidas sem ela, quando essa teoria aumenta a nossa capacidade de acção no mundo, jamais poderá ser considerada errada.»Errado, ou não, este é um ponto de partida indispensável para uma discussão tão longa e proveitosa. Por vezes, certamente, menos inteligível, para quem não estiver no segredo de muitos conceitos físicos e matemáticos. E também filosóficos, claro. Por exemplo, as eternas questões ontológica e epistemológica que presidem ao próprio valor da informação – toda ela.Depois, ainda sobre a filosofia e a ferramenta que ela é para fazer ciência: «A ciência nada mais é do que a procura humilde, mas persistente, do profundo significado do livro da Natureza. Um significado que estamos todos longe de ter decifrado, porque apenas tivemos acesso às suas páginas iniciais. Mas (…) a ciência é já um hino à razão humana.»Os autores, tomem nota: José R. Croca é doutorado em física teórica, professor e investigador na universidade de Lisboa; Rui N. Moreira licenciou-se em engenharia mecânica, mas porque quis conhecer melhor os fundamentos da engenharia foi fazer física na Faculdade de Ciências de Lisboa. Depois, para o doutoramento, escolheu a área da História e Filosofia das Ciências.
___________José R. Croca/Rui N. Moreira
Diálogos sobre Física Quântica – dos paradoxos à não-linearidade
Esfera do Caos, 19,90€
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