quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Visão de contexto, precisa-se

A propósito do debate que a denominada sociedade civil tem vindo a alimentar entre si e com o governo sobre as alterações no Ensino Superior, recomenda-se uma visita ao blog manchas, de Luís Mourão. Desde a véspera do 'Prós e Contras', e em confronto de ideias com Eduardo Pitta, Luís Mourão continua a bater-se por uma reflexão séria sobre a matéria, expondo argumentos, dando exemplos, evidenciando os paradoxos que resultam de propostas impensadas que não se sabe a quem servem, se é que servem alguém.
A minha sugestão pode parecer estranha aos princípios orientadores do bicho dos livros, mas 'isto anda tudo ligado', e estas ligações são mais sérias e profundas do que parecem. Grande parte dos problemas do ensino em Portugal, para além de derivarem de medidas políticas muitas vezes irreflectidas e até pouco sérias, são da responsabilidade dos professores. Não é a mesma responsabilidade que se lhes imputa quando o aluno tem más notas. É uma responsabilidade cívica, até corporativa, se assim alguns quiserem chamar. Como não concordo com o corporativismo, entendo-a como um princípio de integração no mundo.
Acontece-me com alguma frequência ouvir os professores de um determinado ciclo queixarem-se que os alunos que recebem vêm cada vez mais mal preparados. A culpa é do professor do ciclo anterior - é um argumento imediato que resolve em absoluto todas as questões. E não pensemos que isto acontece apenas por parte do secundário relativamente ao básico, ou do 2º ciclo para com o 1º. Enquanto aluna, também o ouvi na Faculdade. Pois bem; o que sabe um professor universitário acerca do programa do professor de 1º ciclo? Ou de 2º? Ou até do 3º? E inversamente, o que sabe um professor do 2º ciclo acerca do programa do professor universitário? Nada, porque cada professor universitário tem um programa próprio (reporto-me à área das ciências sociais e humanas). Não seria útil que todos soubessem genericamente o que os outros andam a fazer, para além das directrizes dos programas que supostamente o prevêem? Não seria útil que no secundário os alunos aprendessem noções de ritmo, prosódia e retórica nas aulas de português para que quando chegassem a uma qualquer faculdade de letras e fossem confrontados com um professor que dá este conhecimento como adquirido, não ficassem para sempre coxos na análise de um texto literário? Ou, inversamente, se um professor universitário de literatura ou estudos literários o soubesse, poderia partir de um grau zero nesta matéria.
Outro caso: o inglês, como promessa eleitoral, está a ser inserido no curriculum do 1º ciclo, embora com carácter facultativo, já que nem todas as escolas têm condições para disponibilizar esta disciplina. O que pode fazer um professor do 5º ano, quando na mesma turma tem alunos que dominam a língua no seu nível mais básico e outros para quem a mesma é uma completa novidade?
Há uma tradição hierárquica no ensino que tem vindo a ser ameaçada com o progressivo aumento da escolaridade obrigatória e a diversidade de opções que se apresentam no ensino superior (nomeadamente com os Institutos Politécnicos): a escala de importância do docente.
O educador de infância estava na base da pirâmide, onde não tinha sequer estatuto de professor. Seguia-se o professor primário (que todos consideram basilar na formação para o futuro da criança!), depois os professores de 2º ciclo, 3º, secundário, e então os do ensino superior. Quando as escolas secundárias estavam separadas do ciclo, os professores mais antigos, que tinham o poder de fazer horários e turmas, escolhiam para si as turmas do antigo complementar, porque os alunos eram mais maduros. Nem todos o faziam, é certo. Hoje, que o 2º e 3º ciclo estão na maioria dos casos no mesmo espaço, há professores do mesmo grupo (português, por exemplo) que não trabalham juntos, mantendo a divisão entre 2º e 3º ciclos.
E os professores das antigas universidades vêem agora chegada a sua hora, depois de terem asistido placidamente ao descontentamento dos colegas dos outros níveis de ensino. É o efeito da democracia, felizmente. Infelizmente, neste caso, o dever democrático de participação e solidariedade não se fez sentir, e todos sofrem os efeitos da sua própria indiferença e desinformação.
Os textos de Luís Mourão são, por isso, uma pedrada no charco. São fruto não só de um interesse próprio em defesa da profissão de docente universitário, como de um sentido de responsabilidade. Não está sozinho. No dia-a-dia, encontramos professores empenhados, dedicados, atentos. Anónimos. Que lutam contra os poderes e as ideias instituídas. Honra lhes seja feita, sempre. Mas são poucos, ainda.

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