segunda-feira, 13 de abril de 2009

Além do Nascimento e da Morte, de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada

TRECHO:
1. Nós não somos estes corpos
deh… nityam avadhyo ‘yaˆ / dehe sarvasya bh€rata
tasm€t sarv€Ši bh™t€ni / na tvaˆ ocitum arhasi
“Ó descendente de Bharata, aquele que mora no corpo é eterno e nunca é possível matá-lo. Por isso, não
precisas te lamentar por nenhuma criatura” (Bhagavad-g…t€, 2.30).
O primeiro passo na auto-realização é compreendermos que nossa identidade é algo à parte do corpo. “Eu
não sou este corpo, mas sim uma alma espiritual” é uma realização essencial para qualquer pessoa que deseje
transcender a morte e entrar no mundo espiritual que está mais além. Não é simplesmente uma questão de
dizer: “Eu não sou este corpo”, mas de realmente compreender isto. Mas, isto não é tão simples como pode
parecer à primeira vista. Embora não sejamos estes corpos, e sim consciência pura, de alguma forma ficamos
cobertos pela vestimenta corpórea. Se realmente desejamos a felicidade e a independência que transcendem à
morte, temos de nos estabelecer e permanecer em nossa posição constitucional como consciência pura.
Vivendo sob a concepção corpórea, nossa idéia de felicidade é similar à de um delirante. Alguns filósofos
afirmam que esta condição delirante da identificação com o corpo deve ser curada abstendo-se de toda a ação.
Por estas atividades materiais serem uma fonte de sofrimento para nós, eles alegam que devemos suspender
tais atividades. O auge de perfeição deles é um tipo de budista, no qual não se executa nenhuma
atividade. Buddha afirmava que este corpo existe devido a uma combinação de elementos materiais, e que se,
de alguma forma, tais elementos se separam ou se desagregam, a causa do sofrimento é eliminada. Se o
cobrador de impostos nos causa muita dificuldade porque possuímos uma casa grande, uma solução simples
para o problema é destruir a casa. No entanto, o indica que este corpo material não é tudo. Além
desta combinaçãode elementos materiais, existe o espírito, e o sintoma deste espírito é a consciência.
nirv€Ša
Bhagavad-g…t€
A consciência é algo inegável. Um corpo sem consciência é um corpo morto. Assim que a consciência é
removida do corpo, a boca não fala mais, o olho não vê mais, nem os ouvidos podem escutar. Até uma criança
pode entender isto. É um fato que a consciência é absolutamente necessária para a animação do corpo. Que é
esta consciência? Assim como o calor ou a fumaça são sintomas do fogo, da mesma forma, a consciência é o
sintoma da alma. A energia da alma, ou do eu, é produzida sob a forma de consciência. De fato, a consciência
prova que a alma está presente. Esta não é unicamente a filosofia do mas sim a conclusão de
toda a literatura védica.
Bhagavad-g…t€,
A escola impersonalista de ®a‰kar€c€rya, como também os vai Šavas que seguem a linha de sucessão
discipular que começa com o Senhor K Ša, reconhecem a existência concreta da alma, mas os filósofos
budistas não. Os budistas afirmam que em um determinado estágio a combinação de matéria produz a
consciência, mas este argumento é refutado pelo fato de que, embora possamos ter à nossa disposição todos os
elementos que constituem a matéria, não podemos produzir consciência a partir deles. É possível que todos os
elementos materiais estejam presentes nocorpo de um morto, mas não podemos recuperar a consciência desse
homem. Este corpo não é como uma máquina. Quando uma parte de uma máquina se quebra, é possível
substituí-la, e a máquina funcionará novamente; mas, quando o corpo sofre uma avaria e a consciência o
abandona, não há possibilidade de repor a parte afetada e renovar a consciência. A alma é diferente do corpo,
e, enquanto a alma se encontra dentro dele, o corpo é animado. Mas não é possível animar o corpo se a alma
está ausente.
Negamos a alma porque nossos sentidos grosseiros nos impedem de percebê-la. Na realidade, há muitas
coisas que nãopodemos ver. Não podemos ver o ar, as ondas radiofônicas ou o som, nem, com nossos sentidos
embotados, perceber as bactérias diminutas, mas isto não significa que estas coisas não existam. Com a ajuda
do microscópio e outros instrumentos, é possível perceber muitas coisas que anteriormente eram negadas
pelos sentidos imperfeitos. Não devemos concluir que a alma, cujo tamanho é atômico, não existe
simplesmente porque ela ainda não foi percebida por sentidos ou instrumentos. Entretanto, a alma pode ser
percebida através de seus sintomas e efeitos.
Bhagavad-g…t€,
No ®r… K Ša indica que todas as nossas misérias devem-se à identificação falsa com o corpo.
“Ó filho de Kunt…, o aparecimento temporário do calor e do frio, da felicidade e da aflição, e seu
desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e
verão: surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e deve-se aprender a tolerá-los sem se
perturbar” (
Bhagavad-g…t€, 2.14).
No verão, podemos sentir prazer no contato com a água, mas, no inverno, evitamos tanto quanto possível
essa mesma água porque ela fica muito fria. Em ambos os casos, a água é a mesma, mas nós a percebemos como
agradável ou dolorosa devido a seu contato com o corpo. Todos os sentimentos de felicidade e aflição devem-
se ao corpo. Sob determinadas condições, o corpo e a mente sentem felicidade ou aflição. Na verdade,
ansiamos pela felicidade, pois a posição constitucional da almaéadefelicidade. A alma é parte integrante do
Ser Supremo, que é
- a personificação do conhecimento, da bem-aventurança e da
sac-cid-€nanda-vigrahaƒ
eternidade. Na verdade, o próprio nome K Ša, que não é um nome sectário, significa “o prazer maior”.
significa “o maior”, e significa “prazer”. K Ša é a essência do prazer, e nós, sendo partes integrantes dEle,
ansiamos pelo prazer. Uma gota d’água do mar tem todas as propriedades do oceano em si, e nós, embora
sejamos partículas diminutas do Todo Supremo, temos as mesmas propriedades energéticas do Supremo.
K
Ša
A alma atômica, embora tão pequena, faz com que todo o corpo aja de muitas formas maravilhosas. No
mundo, vemos muitas cidades, estradas, pontes, grandes edifícios, monumentos e grandes civilizações, mas
quem fez tudo isto? Tudo isto foi feito pela centelha espiritual diminuta que está dentro do corpo. Se coisas tão
maravilhosas assim podem ser realizadas pela centelha espiritual diminuta, não podemos sequer imaginar o
que o Supremo Espírito Total pode fazer. A centelha espiritual diminuta anseia naturalmente pelas qualidades
do Todo - conhecimento, bem-aventurança e eternidade - mas estas ânsias são frustradas devido ao corpo
material. No é dada a informaçãosobre como satisfazer o desejo da alma.
Bhagavad-g…t€
Atualmente, estamos tentando alcançar a eternidade, a bem-aventurança e o conhecimento mediante um
instrumento imperfeito. Na realidade, nosso avanço em direção a estes objetivos está sendo obstruído pelo
corpo material, e, portanto, é preciso que cheguemos à realização de nossa existência além do corpo. O
conhecimento teórico de que não somos estes corpos não é suficiente. Temos que nos manter sempre
separados do corpo como senhores dele, e não como servos. Se soubermos dirigir bem um automóvel, este nos
prestará bons serviços; do contrário, correremos perigo.
O corpo é composto de sentidos, e os sentidos estão sempre ansiosos por seus objetos. Os olhos vêem uma
pessoa bonita e nos dizem: “Olha que moça bonita, que rapaz bonito. Vamos vê-los”. Os ouvidos nos dizem:
“Olha que música incrível! Ouçamo-la”. A língua diz: “Olha! Aquele restaurante é muito bom e tem pratos
deliciosos. Vamos lá”. Dessa maneira, os sentidos estão nos arrastando de um lugar a outro, e por isso estamos
confusos.
“Assim como um barco sobre as águas é arrastado por um vento forte, mesmo um só dos sentidos que a
mente focalize pode arrastar a inteligência de um homem” (
Bhagavad-g…t€ 2.67).
É imprescindível que aprendamos a controlar os sentidos. O nome é dado a quem aprendeu a
gosv€m…
dominar os sentidos. significa “sentidos”, e significa “controlador”. Assim, aquele que controla os
sentidos é considerado um K Ša indica que aquele que se identifica com o corpo material ilusório
não pode se estabelecer em sua verdadeira identidade como alma espiritual. O prazer corpóreo é oscilante e
embriagante, e não podemos desfrutá-lo realmente devido à sua natureza momentânea. O verdadeiro prazer é
o prazer da alma, e não o do corpo. Devemos moldar nossas vidas de tal maneira que não sejamos desviados
pelo prazer corpóreo. Se nos desviamos de alguma forma, não é possível estabelecer nossa consciência em sua
verdadeira identidade além do corpo: “Nas mentes daqueles que estão excessivamente apegados ao gozo dos
sentidos e à opulência material, e que são confundidos por tais coisas, a determinação resoluta para o serviço
devocional ao Senhor Supremo não ocorre. Os tratam principalmente dos três modos da natureza
material. Eleva-te acima desses modos, ó Arjuna, e transcende-os. Liberta-te de todas as dualidades e de todas
as ansiedades por ganhos e segurança, e estabelece-te no Eu” (
Bhagavad-g…t€ 2.44-45).
Go
sv€m…
gosv€m….
Vedas
A palavra significa “livro de conhecimento”. Existem muitos livros de conhecimento que variam de
veda
acordo com o país, a população, o ambiente, etc. Na Índia, os livros de conhecimento são chamados No
Ocidente, são chamados de o Antigo e o Novo Testamentos. Os muçulmanos aceitam o Alcorão. Qual o
objetivo de todos estes livros de conhecimento? Eles são feitos para nos capacitar a entender nossa posição
como almas puras. Seu objetivo é limitar as atividades corpóreas a determinadas regras e regulações,
conhecidos como códigos morais. A Bíblia, por exemplo, tem dez mandamentos destinados a regular nossas
vidas. O corpo deve ser controlado para que possamos alcançar a perfeição mais elevada, e, sem princípios
reguladores, não podemos aperfeiçoar nossas vidas. Os princípios reguladores podem diferir de país para país,
ou de uma escritura para outra. Mas isto não importa, pois eles são feitos de acordo com tempo e circunstâncias
e de acordo com a mentalidade do povo. Mas, o princípio do controle regulador é o mesmo. Analogamente, o
governo determina certos regulamentos que devem ser obedecidos por seus cidadãos. Não há possibilidade
do governo ou civilização evoluir sem determinados regulamentos. No verso acima, ®r… K Ša diz a Arjuna que
os princípios reguladores dos destinam-se a controlar os três modos da natureza material - bondade,
paixão e ignorância (
Vedas.
Vedas
). Contudo, K Ša aconselha a Arjuna que se estabeleça em sua
traiguŠya-vi ay€ ved€ƒ
posiçãoconstitucional pura como alma espiritual, além das dualidades da natureza material.
Como já indicamos, estas dualidades - tais como calor e frio, prazer e dor - surgem devido ao contato dos
sentidos com os seus objetos. Em outras palavras, nascem da identificação com o corpo. K Ša indica que
aqueles que se dedicam ao prazer e ao poder deixam- se levar pelas palavras dos que prometem prazer
celestial por intermédio do sacrifício e da atividade regulada. Temos o direito natural de desfrutar, pois esta é a
característica da alma espiritual. Mas, a alma espiritual tenta gozar materialmente, e aí está o erro.
Vedas,
Todos estão voltados para assuntos materiais relativos ao prazer, e compilam tanto conhecimento quanto
possível. Uns se tornam químicos, físicos, políticos, artistas ou o que seja. Todos sabem um pouco de tudo e
tudo de alguma coisa, e é isto o que eles chamam geralmente de conhecimento. Mas, assim que abandonamos
o corpo, todo este conhecimento se vai. Numa vida anterior, podemos ter sido grandes sábios, mas nesta vida
temos de começar tudo de novo, indo à escola para aprender a ler e escrever desde o início. Todo o
conhecimento material adquirido numa vida anterior é esquecido. O que acontece, na realidade, é que
estamos procurando conhecimento eterno, mas este conhecimento não pode ser adquirido por intermédio
desse corpo material. Todos nós estamos buscando o prazer através desses corpos, mas o prazer corpóreo não
é o nosso prazer verdadeiro, pois é um prazer artificial. Temos de entender que, se quisermos continuar com
este prazer artificial, não seremos capazes de atingir nossa posição de prazer eterno.
O corpo deve ser considerado como uma condição doente. Um homem doente não pode se satisfazer
adequadamente. Para um homem doente de icterícia, por exemplo, o açúcar-cande tem um gosto amargo, ao
passo que um homem saudável pode saborear-lhe a doçura. O açúcar-cande é o mesmo em ambos os casos,
mas, dependendo de nossa condição, ele tem um gosto diferente. A menos que nos curemos desta concepção
doente da vida corpórea, não poderemos saborear a doçura da vida espiritual. Na verdade, ela vai parecer
amarga para nós. Ao mesmo tempo, por aumentarmos o nosso desfrute da vida material, agravamos ainda mais
a nossa doença. Um paciente de tifo não pode comer alimentos sólidos, e, se alguém lhe dá alimentos sólidos
para comer e ele os aceita, complica mais sua enfermidade e põe sua vida em perigo. Se queremos realmente
nos libertar das misérias da existência material, devemos reduzir ao mínimo os prazeres e demandas de nossos
corpos.
Na verdade, o prazer material não é prazer em absoluto. O prazer verdadeiro não tem fim. Há um verso no
-
- significando que os ( ), que estão se esforçando para se
Mah€bh€rata ramante yogino ‘nante
yog…s yogino
elevar à plataforma espiritual, estão gozando realmente ( ), mas o seu gozo é — sem fim. Isto
porque o prazer que eles sentem está relacionado com ®r… K Ša, o Supremo Desfrutador (R€ma). Bhagav€n ®r…
K Ša é o verdadeiro desfrutador, e isto está confirmado no Os sábios, conhecendo-Me como
o desfrutador último de todos os sacrifícios e austeridades, o Senhor Supremo de todos os planetas e
semideuses, o benfeitor e benquerente de todas as entidades vivas, ficam livres da aflição das misérias
materiais” (
Bhagavad-g…t€ 5.29).
ramante anante
Bhagavad-g…t€: “
significa “prazer”, e o nosso prazer vem do entendimento de nossa posição como desfrutados. O
Bhoga
Senhor Supremo é o verdadeiro desfrutador, e nós somos desfrutados por Ele. Podemos encontrar um exemplo
desta relação no mundo material entre o esposo e a esposa: o esposo é o desfrutador ( ), e a esposa é a
desfrutada ( ). A palavra significa “mulher”. ou espírito, é o sujeito, e ou natureza, é o
objeto. Contudo, tanto o esposo quanto a esposa desfrutam do prazer. No momento do prazer não há a
distinção de que o esposo desfruta mais ou de que a esposa desfruta menos. Embora o macho seja o
predominador, e a fêmea, a predominada, não há divisões no momento do prazer. Numa escala maior,
nenhuma entidade viva é o desfrutador.
puru a
prak ti pri Puru a,
prak ti,
Deus Se expande em muitas formas, e nós constituímos essas expansões. Deus é único e inigualável, mas
Ele desejou tornar-Se em muitos para desfrutar. Sabemos por experiência que praticamente não há prazer em
se sentar sozinho em um quarto e conversar com as paredes. Entretanto, se há cinco pessoas presentes, nosso
prazer aumenta, e se podemos conversar sobre K Ša diante de muitas pessoas, o prazer é maior ainda. Prazer
significa variedade. Deus multiplicou-Se para Seu prazer, e desse modo nossa posiçãoéadedesfrutados. Esta é
a nossa posição constitucional e o objetivo para o qual fomos criados. Tanto o desfrutador quanto o desfrutado
têm consciência, mas a consciência do desfrutado é subordinada à consciência do desfrutador. Apesar de K Ša
ser o desfrutador e nós, os desfrutados, todos podemos participar igualmente do prazer. Nosso prazer pode ser
aperfeiçoado quando participamos do prazer de Deus. Não é possível que desfrutemos separadamente na
plataforma corpórea. Em todo o o gozo material na plataforma corpórea grosseira é
desencorajado: “Ó filho de Kunt…, o aparecimento temporário do calor e do frio, da felicidade e da aflição, e seu
desaparecimento no devido tempo, são como o aparecimento e o desaparecimento das estações de inverno e
verão: surgem da percepção sensorial, ó descendente de Bharata, e deve-se aprender a tolerá-los sem se
perturbar” ( 2.14).
Bhagavad-g…t€,
Bhagavad-g…t€
O corpo material grosseiro é um resultado da interação dos modos da natureza material, estando fadado à
destruição.
antavanta ime deh€ / nityasyokt€ƒ ar…riŠaƒ
an€ ino ‘prameyasya / tasm€d yudhyasva bh€rata
“Só o corpo material da entidade viva indestrutível, incomensurável e eterna está sujeito à destruição; por
isso, luta, ó descendente de Bharata” (
Bhagavad-g…t€ 2.18).
Portanto, ®r… K Ša nos anima a transcender a concepção de existência corpórea e chegar à nossa verdadeira
vida espiritual.
guŠ€n et€n at…tya tr…n / deh… deha-samudbhav€n
janma-m tyu-jar€-duƒkhair / vimukto ‘m tam a nute
“Quando o ser corporificado é capaz de transcender estes três modos (bondade, paixão e ignorância), ele
pode libertar-se do nascimento, da morte, da velhice e de suas aflições, podendo desfrutar o néctar, mesmo
nesta vida” (
Bhagavad-g…t€ 14.20).
Para nos estabelecermos na plataforma espiritual brahma-bh™ta pura, acima dos três modos, devemos
adotar o método da consciência de K Ša. A dádiva do Senhor Caitanya Mah€prabhu, o cantar dos nomes de
K Ša - Hare K Ša, Hare K Ša, K Ša K Ša, Hare Hare/ Hare R€ma, Hare R€ma, R€ma R€ma, Hare Hare -,
facilita este processo. Este método é chamado ou e é empregado pelos mais
elevados transcendentalistas. A forma como os transcendentalistas compreendem sua identidade além do
nascimento e da morte, além do corpo material, e a forma como eles se transferem do Universo material para os
universos espirituais, são os temas dos capítulos seguintes.

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