O argumento para a telinha foi mais tarde ampliado e virou um romance homônimo, que chega agora ao Brasil pela Conrad Editora, quase uma década depois de seu lançamento. Para quem espera o mesmo nível de criatividade das demais obras de Gaiman, porém, é um tanto decepcionante.
A história conta como um londrino comum, Richard Mayhew, certo dia encontra uma mendiga caída na rua e resolve ajudá-la. Inadvertidamente, com seu ato ele deixa de ser um cidadão da Londres, dono de uma vidinha pacata e bem encaminhada, para tornar-se alguém que não pertence a lugar algum (daí o título do livro). Um estranho invisível tanto em seu mundo quanto no que se desvenda à sua frente, a "Londres-de-Baixo", subterrânea, onde as leis são diferentes e as estações de metrô incorporam o sentido literário de seus nomes. Assim, "Earls Court" tem mesmo uma côrte, "Seven Sisters" são sete irmãs, "Blackfriars" é o lar dos Monges Negros, e existe um anjo chamado Islington no meio do caminho das estações "Angel" e "Highbury and Islington".
A idéia é interessantíssima, especialmente para quem conhece a capital inglesa e já pegou metrô por lá, mas se comparada a Sandman, Deuses Americanos, Os Filhos de Anansi, Stardust ou mesmo aos livros infantis ou ao filme Máscara da Ilusão, Lugar Nenhum (título nacional do livro), é bastante convencional. A narrativa linear comportada e a estrutura são "amigáveis" demais, mastigadas até. Uma clara herança da televisão e suas fórmulas (é, afinal, uma série anterior à grande fase atual da telinha com seus Losts, Sopranos, Deadwoods...). A linguagem e os diálogos também são muito inferiores às demais obras do autor. Richard, o protagonista, é tão desprovido de qualquer atrativo, bobo, que fica dificílimo torcer por ele. Salva-se apena a ambientação e a idéia geral.
Neverwhere em quadrinhos
Apesar de ter sido adaptada pelo "Gaiman de Segunda" Mike Carey, que seguiu escrevendo boa parte dos gibis derivados de Sandman depois que Gaiman terminou a série, um pouco melhor que o livro é a história em quadrinhos de Neverwhere, que a Conrad promete para 2008.
O gibi foi adaptado em junho de 2005 pela DC/Vertigo, com arte de capas e internas de Glenn Fabry. Pena que o excelente capista de Preacher não demonstre o mesmo talento nas ilustrações internas que tem nas incríveis capas que produz... a arte é bastante instável e os designs idem. Algumas idéias são ótimas - como o visual do Marquês de Carabas -, mas as roupas da personagem principal Door, que no livro parece totalmente diferente, estão mais para uma prostituta cyberpunk...
Enfim, com Gaiman cada vez produzindo menos e alçado a status de superastro - dividido entre livros, cinema (Beowulf está pronto e Lugar Nenhum será adaptado às telonas), quadrinhos... - aos poucos todas as suas obras são traduzidas ao português (ainda faltam algumas pérolas de seu início independente de carreira, porém). Mas apesar de seu nome sempre estampar alguma novidade nas prateleiras, dá uma saudade danada do surpreendente escritor de Sandman, obra que segue até hoje insuperável em sua biografia.
Neverwhere
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