quarta-feira, 25 de abril de 2007

PLANOLÂNDIA - RESENHA


Quando um personagem é simples, esquematico, dizemos que ele é plano, bidimensional... quando um personagem é bem desenvolvido, convincente, dizemos que ele é esférico, tridimensional... Em 1884, o educador, classicista e teologo reformador inglês Edwin A. Abbott deu uma visão de tal analogia em um livro curto, de leitura rápida, que misturava uma sátira sutil e contundente à sociedade vitoriana com um mundo imaginário que se tornaria um modelo de analogia para idéias matemáticas, incluindo a vindoura Teoria Especial da Relatividade, criada por Albert Einstein em 1905. Esse livro se chama "Planolândia - um romance de Muitas Dimensões", publicado pela Editora Conrad.

Quando foi publicado pela primeira vez, o autor usou o pseudonimo de "A. Square", que pode ser traduzido por "Um Quadrado". E um quadrado é justamente o narrador que nos leva ao mundo bidimensional de Planolândia... Esse mundo é povoado por figuras geométricas, bidimensionais. Sua sociedade é rígida, hierárquica: os triangulos isósceles (aqueles com apenas dois lados iguais) estão no nivel mais baixo da escala (soldados tipo "bucha de canhão"), sendo que conforme o número de lados sobe e se torna mais regular (triangulos equilateros, quadrados, pentagonos, hexagonos, etc.) até chegar nos circulos (classe clerical), considerados perfeitos e que controlam as vidas de todos em Planolândia. Pessoas irregulares - com lados e angulos desiguais - são ostracizadas, quando não eliminadas. As mulheres, que recebem a educação mais basica, são linhas retas e devem entoar um "canto de paz" para evitar que alguem acidentalmente seja morto por suas pontas. Essa é a primeira parte do livro, com sua ótima critica - sutil e afiada - contra a sociedade da época em que Abbott vivia - na verdade, tão sutil que se o leitor não prestar atenção, pode achar que o autor (Quadrado/Abbott) concorda com tal sociedade, quando na verdade a critica fortemente, em especial seu tratamento para as pessoas com deficiência e com relação ao acesso a educação permitido para as mulheres da época. E nesse meio tempo, ganhamos um idéia de como seria viver num mundo bidimensional...

Só que a vidinha calma do Quadrado está para ter uma reviravolta gritante quando uma visitante de Espaçolândia, o mundo de Três Dimensões, lhe faz uma visitinha e sofre as consequências de entender que o mundo tem três, e não duas dimensões... Aqui, vemos a Esfera utilizar para explicar a existência da Terceira Dimensão de analogias que mais tarde seriam utilizadas pelo fisicos para nos explicar a existência da Quarta Dimensão, que segundo a Teoria da Relatividade é o Tempo. Sendo o autor um teologo, poderia se esperar que as explicações da Esfera seriam como um relevação divina - e o Quadrado as trata dessa maneira - mas Abbott não se esquece da sociedade que está criticando, quando ironicamente mostra a raiva da Esfera quando o Quadrado começa a perguntar a ela sobre os mundos superiores da Quarta, Quinta, Sexta e por aí vai dimensões... só para levar uma tremenda descompostura, apesar de seus comentários serem uma extrapolação óbvia daquela descoberta...

Naquilo que talvez seja um paralelo com a recepção que a Teoria da Evolução de Charles Darwin teve, o Quadrado descobrirá o que acontece com aqueles que defendem idéias novas, tornando o livro surpreendentemente atual.

Uma das mais modernas teorias da Fisica, a Teoria das Supercordas, postula que nosso universo tem cercas de onze dimensões, sendo que sete delas são invisiveis para nós... enquanto a Ciência continua a sua busca para descobrir os segredos da Natureza, nós continuamos presos a nossos preconceitos, de tal forma que o Quadrado ainda pode infelizmente clamar "Ai de nós, a cegueira e o preconceito são traços comuns à humanidade em todas as dimensões!"

Se continuaremos assim, isso é uma questão que só depende de nós mesmos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário