segunda-feira, 7 de abril de 2008

Livros do Plano - Mopsos, o pequeno Grego

Mopsos, o pequeno grego, O Ouro de Delfos, Hélia Correia (texto), Henrique Cayatte (ilustração), Relógio d'Água, recomendado para o 6º ano, 2º ciclo, leitura orientada em sala de aula, grau de dificuldade III.

Mopsos é um rapaz em tudo igual aos jovens leitores: curioso, espontâneo, afável, inconsequente. A diferença substancial prende-se com o seu destino, logo anunciado no 1º capítulo da obra.
O menino será um futuro adivinho, mas é ainda na sua condição de criança normal que nos guia numa viagem pelos locais e rituais sagrados da Grécia Clássica, no eixo espacial entre Tebas e Delfos. Tirésias, um dos mais famosos adivinhos da cultura grega, é seu avô, aproximando o mito da banalidade do quotidiano. Ao vermos o adivinho pelos olhos de Mopsos, este apresenta-se como um velho pouco tolerante, ríspido e rígido quanto às regras a cumprir, ou como um simpático idoso, com sentido de humor e o alheamento próprio da experiência, ou ainda como alguém surpreendente pelo seu conhecimento e pelo mistério que instaura à sua volta. Um dos principais, que nasce na própria tradição lendária da antiguidade clássica, é a razão pela qual Tirésias é cego, o que não se esclarece na diegese.
Há uma aliança narrativa entre o tema clássico – cheio de referências a deuses, comportamentos, locais, objectos, vestuário – e o discurso plenamente contemporâneo nas observações do narrador ou nos diálogos entre Mopsos e aqueles com quem interage, desde o avô a Nor, a jovem egípcia que conhece em Delfos.
Esta dualidade, que também reconhecemos em Ulisses de Maria Alberta Meneres, é aqui aprofundada já que não há uma linha de acontecimentos prévia que será recontada na obra. Hélia Correia alimenta o leitor com as descobertas de uma criança, cuja viagem tem um propósito desconhecido e durante a qual vão acontecendo algumas peripécias. Será em torno desta ideia principal que todas as informações contextuais ganharão forma, conferindo o corpo final ao livro. Através das descrições ricas em informações sensoriais (a descrição de Delfos pela poeira dourada, ou da casa de Filipa, pelo contraste claro-escuro, e pelo desagradável odor), é possível ir construindo um puzzle imaginário que acompanha a leitura.
No que diz respeito à própria construção da diegese, a linearidade temporal só se altera na descrição do dia-a-dia de Mopsos em Delfos com Nor, antes do encontro oficial entre egípcios e gregos. Esta passagem corresponde a um momento paralelo à acção principal e serve para reforçar, pela duração, a relação entre as duas crianças.
Ao contrário de Ulisses, em que as aventuras se sucedem a um ritmo mais acelerado devido à síntese descritiva e à concentração na sucessão de acontecimentos, Mopsos, o pequeno grego tem uma cadência mais lenta com alguns indícios que visam prender a atenção do leitor. Só a partir da cerimónia que leva o comandante egípcio a visitar o oráculo, a acção assume outra intensidade. No último quarto do livro, é o momento das revelações. O leitor descobre finalmente a razão da chegada dos egípcios, bem como a razão que levou o jovem Mopsos a Delfos. E neste momento, todo o enquadramento histórico se torna mínimo, perante duas situações intemporais e de grande melindre para uma criança: a descoberta de que o seu pai não é o seu progenitor, e o primeiro encantamento associado à perda. Mopsos é confrontado, no templo, com a dura verdade: o seu verdadeiro pai é o Deus Apolo. Fica profundamente revoltado e só no caminho de regresso se conforma com a sua nova condição, quando o avô o tranquiliza, dizendo-lhe que nada vai mudar na sua relação com o pai adoptivo.
Entretanto, percebe que não voltará a ver Nor, que corre perigo e a quem muito se tinha afeiçoado. A perda é minimizada, no último capítulo, com um bilhete que o avô sugere que escreva, sob a promessa de que será entregue à destinatária por um mensageiro. No final da narrativa, a personagem desvincula-se do seu contexto, que serve unicamente para aligeirar a situação da paternidade, e torna-se apenas uma criança que cresce e é confrontada, neste processo, com as primeiras perdas, as primeiras dificuldades.
Este é o primeiro volume de uma colecção que tem já disponível o segundo volume, intitulado A Coroa de Olímpia. Esta recomendação, por parte do PNL é feliz, na medida em que o Ulisses reúne o consenso entre o público pré-adolescente. Propor este livro colmatará algumas lacunas na curiosidade de uns quantos leitores e permitirá que se embrenhem pelo universo histórico e mítico da antiguidade, que lhes aparece ainda associado ao fantástico.

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