quinta-feira, 12 de março de 2009

Crónica Da Incrível História Do Patinho, de Vitorino de Sousa

TRECHO:
Os acontecimentos fenomenais que vou passar a narrar, passaram-se numa quinta, numa fazenda, num
sítio, seja lá como for que lhe queiram chamar, algures num ponto deste mundo. Seria inconveniente revelar
a sua localização, pois estou convencido de que, se denunciasse as coordenadas, em breve se organizariam,
romarias e excursões turísticas!
De facto, quem não gostaria de peregrinar ao local onde ocorreu esta sequência de nascimentos? Quem
não gostaria de acompanhar a repetição interminável desta história? Sim, porque a coisa, como é natural,
continua a verificar-se... só que quem habita na quinta, nem se apercebe. Se eles soubessem o que está a
passar-se mesmo debaixo do seu nariz!
O duende apercebeu-se do sucedido, porque é quem é e porque dispõe de uma sensibilidade especial
para estes fenómenos! Além disso, porque vive num reino diferente, dispõe de capacidades que nós ainda
trazemos subdesenvolvidas.
Então, as primeiras personagens que vos apresento são, evidentemente, o Pai Pato e a Mãe Pata. Realmente,
se vamos lidar com as 12 encarnações do Patinho, temos primeiro de saber quem vai pô-lo neste
mundo.
Todavia, de momento, pouco há a dizer sobre este casal, excepto que são dois patos jovens, perfeitamente
normais e saudáveis, amantes de voar em formação pelos céus e chapinhar na água. Desde que acasalaram,
porém, essas passeatas têm ficado um pouco comprometidas por causa dos compromissos e afazeres
familiares. Mas estão em paz porque gostam imenso um do outro e estão na disposição de se apoiarem
mutuamente. Esperam que seja até que a morte os separe, pois, nisso, são como muitos humanos!
Portanto, não vai longe ainda o dia em que quá-quaram o "sim" um ao outro. Fizeram-no em privado,
sem recorrer a padres ou notários, pois foram de opinião de que, para duas criaturas se prometerem amor e
dedicação eternos, não precisam de qualquer tipo de intermediários!
Quis o destino que isso ocorresse numa quinta, à beira de um grande lago, muito azul e bonito. A curta
distância da baía que confina com o terreno da quinta, existe uma pequena ilha, cheia de juncos e arbustos.
Esta ilhota embeleza sobremaneira a paisagem porque, quando se olha de terra, quebra a imensidão do
espelho de água que, nos dias quentes, tende a desvanecer os contornos da outra margem.
Sendo assim, estes dois patos - que nem sabem o que os espera! - dispõem de todas as condições, pessoais
e ambientais, para se entregarem à tarefa notável de terem o mesmo filho 12 vezes!
Por questões que não vêm ao caso, resolvi passar por cima da lua-de-mel, das suas atrapalhações e vicissitudes,
e começar a narrativa surpreendendo-os muito ansiosos, na medida em que todos os sinais apontam
no sentido de que o Patinho está prestes a nascer pela primeira vez.
Hei-los, então, muito nervosos, fazendo de conta que nada têm para fazer a não ser fazer de conta que
estão descontraidíssimos. No entanto, a verdade é que estão numa expectativa medonha. Sem conseguirem
tirar os olhos do ovo que a Mãe Pata pôs há semanas atrás, esperam ansiosamente o que está para acontecer.
Tentando suster a tensão gerada por nunca terem passado por aquilo, recearam que todo o processo de
galação e incubação tinha falhado.
Pelos vistos, tal como a maioria dos humanos, também a eles pareceu que tudo ia correr pelo pior. Isto é
tão verdade que a Mãe Pata, coitada, tão extremosa, virou-se para o Pai Pato e disse-lhe assim:
- Qu'é que tu achas? Isto não anda nem desanda!... Será que a gente se distraiu com o tempo de incubação?
Se calhar foi insuficiente. Está-me cá a parecer que o melhor é saltar outra vez p'ra cima do ovo e darlhe
mais um bocadinho de calor!
- Experimenta - aconselhou o Pai Pato. Não se perde nada. Mais vale sobrar que faltar!... Valha-nos Nossa
Senhora! Bem nos avisaram que a primeira vez é sempre uma chatice!
E a Mãe Pata lá se ajeitou outra vez, cautelosamente, em cima do ovo. Estava ela muito descansada a
transmitir ao Patinho por nascer mais um bocadinho de calor, quando olhou ternamente para o companheiro
e não resistiu a confessar:
- Ai, amor, como sou feliz!
- Também eu, minha filha, também eu! Ainda há quem diga que a vida é uma tristeza!

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