quarta-feira, 11 de março de 2009

Os comunistas ainda têm a culpa de tudo?

O interesse dos americanos pela história da Rússia (entenda-se comunismo) existe desde que o comunismo por lá se fez notar. Recorde-se o esforço de John Reed, simpático para os sovietes, esse nada imparcial, assumidamente interessado na Revolução em que Lenine pontuava e que ele foi conhecer.
Pretensamente independentes surgiriam muitas obras, ao longo das décadas, uma boa parte sobre o que foi o grande obreiro da implantação dos sovietes. Outras focavam-se em Estaline, para aproveitar o lado sórdido do sujeito e assim atingir o que realmente interessava em Washington: denegrir a que era anunciado como uma mudança do mundo em favor dos pobres, humilhados e explorados.
Haverá quem se lembre das campanhas dinamizadas nas “inocentes” Selecções do Reader’s Digest, contendo as mais diversas “investigações”, ensaios e peças de vários géneros (até anedotas!). E, paralelamente, no mundo editorial livresco, lá estavam as tais obras de historiadores, políticos e investigadores de diversa índole, procurando ir mais longe nas tintas negras com que se pintava os líderes de Leste, e a respectiva doutrina marxista.
Autores de outras nacionalidades se deixaram fascinar, alguns deles por personagens de comunistas, ou pela própria ideologia, embora longe de a ela aderirem. Em muitos casos, o que se dizia e escrevia sobre o marxismo, os sovietes e todo esse mundo mantinha-se obscuro, manipulado por um lado ou pelo outro.
Desfeita a “cortina de ferro”, morto ou domesticado o papão, nova onda de investigações procurou reforçar esse trabalho, justificando-o com um olhar mais próximo, nos casos em que isso foi possível com base em fontes e arquivos do próprio regime que se finou às mãos da perestroika. Noutros casos, foram tombos ocidentais, entretanto desclassificados e disponíveis a consultas públicas, que proporcionaram novas abordagens, com elementos diversos, por via de intervenientes também diferentes. Os resultados, porém, não divergem muito.
No caso deste livro, escreve o autor que “começou com uma ideia e um plano: a ideia era compilar uma narrativa geral sobre o comunismo em todo o mundo; o plano era fazê-lo, reunindo principalmente a literatura secundária existente em todos os países que conviveram com o comunismo”.
Para recolha de informação, Robert Service aproveitou um ano sabático no Instituto Hoover, na Universidade de Stanford, e ficou espantado com a dimensão do acervo. Assim, surgiu um livro que “investiga o comunismo nos seus muitos aspectos”; analisa os “estados comunistas, as suas lideranças e sociedades”; a ideologia comunista e “a atracção que este exerce sobre pessoas de fora desses estados”.
Enfim, uma história mundial do comunismo, como Service ousa referir. E daí que o título, com a possibilidade de parecer provocatório, irónico ou desdenhoso, remeta antes para uma tentativa alargada de perceber tal alastramento de uma filosofia política nascida na cabeça de dois homens – Marx e Engels.
Recordando a forma como se relacionou com a ideia do comunismo, Service detém-se no efeito que nele, e em colegas de escola, teve a Revolta Húngara, com os relatos e fotos nos jornais da época. Lembra a invasão do Tibete, e que “os livros dados como prémio anual na catequese incluíam testemunhos da resistência cristã ao ataque do totalitarismo marxista-leninista”.
Mas soma-lhe o interesse que lhe despertou o estudo da literatura russa na universidade, tornando-lhe óbvia a necessidade de conhecer as raízes históricas “da ordem soviética”. “Além disso, esse foi um período em que os estudantes debatiam o marxismo. Havia discussões infindáveis sobre a natureza iminentemente despótica ou potencialmente libertadora do comunismo”.
Esta tendência para o debate trazida da juventude levou este professor de Oxford e do St. Anthony’s College a uma leitura não tão aberta. O tom geral da obra é de hostilidade, como a referência genérica aos dirigentes comunistas que “olhavam pelos seus interesses e se alguma vez se preocupavam com o bem-estar do povo, isso só acontecia depois das suas próprias necessidades terem sido satisfeitas”.
O maoísmo, por exemplo, “era uma variante do marxismo-leninismo. A sua falência era evidente para a maioria dos chineses muito antes de Mão ter morrido”.
Service reconhece, no entanto, que desde a Segunda Guerra Mundial os líderes ocidentais se opunham a toda e qualquer forma de comunismo onde quer que aparecessem indícios. “Mas esta política foi abandonada nos anos 70, quando os EUA efectuaram uma aproximação com a República Popular da China e até apoiaram o regime de terror comunista de Pol Pot”, reconhece.
É este exemplo de esforço de compensação que, afinal, dá um tom novo a esta obra. O anticomunismo já não é tão primário como no tempo de MacCarthy. Já não é preciso, pensam muitos políticos, conselheiros, investigadores, etc., por esse mundo fora.
De Service estão publicadas entre nós, pela Europa-América, duas outras obras, na senda da investigação do comunismo: as biografias de Lenine e de Estaline.
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Robert Service
Camaradas
Publicações Europa-América, 35,99€

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