1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «D. Sebastião e o Vidente»?
R- Representa um ponto de viragem, não um corte com a obra anterior, mas uma mudança em termos de objectivos, de destinatários e de maturidade de escrita. Foi uma longa gestação, de mais de dois anos, com um parto difícil. Só gostei do livro quando cheguei à nona versão, pois, nessa fase senti que tinha conseguido finalmente captar o espírito do tempo e que as minhas personagens não eram estereótipos históricos, mas gente de carne e osso, com as suas pequenas grandezas e infindas misérias. Foi como se o romance me estivesse a “exigir” essa estrutura de livro dos Séculos XVI e XVII, que acabou por ser a definitiva. Talvez inconscientemente, por trás da escritora, estivesse a professora de Literatura, ansiosa por partilhar com aqueles que não são da especialidade, esse tesouro extraordinário de obras e autores portugueses dos Sec. XVI e XVII.
2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R- No início deste Milénio de tanto desencanto, violência e superstição, os portugueses parecem esperar ainda por um D. Sebastião que os venha salvar do pântano da mediocridade e da indigência em que o país vive, por isso, ocorreu-me tratar o tema de um falso rei D. Sebastião que lera numa crónica de D. João de Castro, um contemporâneo do Desejado, homem religioso, com laivos de profeta. Porém, a meio do meu trabalho de pesquisa, saiu o livro de Fernando Campos baseado nessa mesma obra e eu virei-me para outra personalidade época, o escritor Miguel Leitão de Andrada, um também auto-proclamado vidente que acompanhou D. Sebastião a Alcácer-Quibir. Fui entrelaçando as suas vidas e explorando essa realidade do seu tempo, o binómio idealismo-materialismo tão magistralmente encarnados vinte anos mais tarde em D. Quixote e Sancho Pança. Neste contexto, assumiu primordial importância um narrador que dialoga frequentemente com o leitor/a, permitindo-lhe estabelecer uma relação de distanciação e/ou proximidade entre as duas épocas. Nestes dois anos de trabalho para o livro, surgiram várias obras sobre D. Sebastião, o que parece corroborar o que acabei de dizer.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Escrevi os primeiros capítulos de um romance que tem como personagem principal um poeta guerreiro do período da Restauração, mas, como mudei da editora Livros Horizonte para a Porto Editora, com o lançamento do meu livro “D. Sebastião e o Vidente” no início de Novembro, no Mosteiro dos Jerónimos, não voltei a ter disponibilidade, nem sossego para me dedicar à escrita, tanto mais que continuo com horário completo na minha escola. Quando a poeira da excitação assentar e eu puder recomeçar a escrever, devo alternar o novo romance com contos sobre escândalos causados por grandes figuras da história mundial laica e religiosa, segundo uma “crónica de crimes de Papas, Imperadores, Reis e Rainhas” de um historiador francês do Sec. XIX, quase desconhecido – uma matéria muito saborosa e empolgante que me permitirá desanuviar o espírito da tensão da pesquisa para o romance e ter até novas ideias.
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