TRECHO:
INTRODUÇÃO
Robert Bréchon, em Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa1 diz:
Mensagem é, como Fausto e o Livro do Desassossego, a obra de quase toda uma vida. O poema mais antigo
é datado de 21 de Julho de 1913 e o mais recente de 26 de Março de 1934. A diferença está em que todas as outras
obras, excepto The Mad Fiddler, que ficou inédito, ficaram por acabar... A Mensagem é o único livro que Pessoa
compôs, terminou, reviu e corrigiu, e finalmente publicou. Este livrinho de algumas dezenas de páginas é o mais
importante e o mais representativo do seu génio singular. Se, de toda a sua produção multiforme, apenas se
pudesse guardar uma única obra, seria com certeza esta, que a posteridade, cumprindo a profecia do jovem crítico
de A Águia em 1912, acabou por reconhecer como um dos dois cumes da poesia portuguesa, sendo o outro Os
Lusíadas... Parece que a ideia de um livro de poemas de inspiração nacional, centrado sobre os heróis da época das
Descobertas, lhe terá vindo ao espírito na época “sidonista”, em 1917-1918. É então que escreve a sequência de
poemas publicados em revista em 1922 sob o título de Mar Português, e que vai constituir a parte central do livro...
Após um período de seis anos em que o projecto parece abandonado, escreve, entre Setembro e Dezembro de 1928,
uma nova sequência de poemas que, na sua maioria, serão integrados na primeira parte, e alguns na terceira e
última. Ainda escreve alguns desses poemas entre 1929 e 1933. É provável que, durante todos esses anos, o
projecto tenha amadurecido no seu espírito e que se tenha, pouco a pouco, afirmado o seu carácter original, que é o
de unir numa mesma inspiração a exaltação do sentimento nacional, os mitos do Sebastianismo e do Quinto Império,
o espírito da gnose e da tradição iniciática, em suma, a totalidade do que constitui a “visão Rosa-Cruz”.
À primeira vista, é óbvio que, neste conjunto de 12 poemas, Fernando Pessoa abordou a
epopeia dos Descobrimentos Portugueses através de algumas das suas figuras mais
proeminentes, quer reais, quer simbólicas, tais como o Infante D. Henrique, Vasco da Gama,
Fernão de Magalhães, Bartolomeu Dias, o Mostrengo, etc. No entanto, como se deduz das
palavras de Robert Bréchon, algo se esconde em níveis mais profundos. Na verdade, existe um
nível de leitura astrológico que se mistura, naturalmente, com um “sumo” espiritual. É este
biógrafo do poeta que reconhece: (...) para melhor salientar que a epopeia da salvação nacional
é, em sentido figurado, a aventura da salvação da alma pessoal, este livro épico e mítico é antes
de mais espiritualista e místico.
Porém, embora se trate de doze poemas magistrais (principalmente quando encarados
pela sua vertente espiritual), neles não se encontra qualquer referência explícita ao Ocultismo e,
muito menos, à Astrologia. Daqui decorre que o leitor com conhecimentos sobre estas matérias,
mas não alertado para o arcaboiço que Fernando Pessoa sobre elas tinha, dificilmente seria capaz
de descobrir tal artifício e, assim, usufruir desse nível de leitura. Em relação aos leitores sem
informação sobre a linguagem da simbologia astrológica, atrevemo-nos a dizer que essa
abordagem se torna, pura e simplesmente, impossível. O facto de serem doze poemas (tantos
1. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 541-542.
quantos os signos zodiacais), todavia, deveria ser suficiente para nos alertar! O número 12,
porém, está cheio de outras simbologias. Por conseguinte, tomar conhecimento do que ultrapassa o nível de
leitura e da análise meramente poética, enriquece sobremaneira a fruição deste Mar Português. É parte desse
trabalho o que nos propomos ensaiar aqui, para ajudar o leitor a adquirir uma visão mais vasta e profunda da genial
capacidade criativa de Fernando Pessoa.
Acrescente-se que não é possível compreender e abarcar toda a significação e profundidade do monumento
literário deste poeta sem levar em linha de conta os elevados conhecimentos astrológicos que detinha. Na verdade,
Fernando Pessoa foi astrólogo e, para essa actividade, criou até um heterónimo (Raphael Baldaya), o qual se
propunha escrever um tratado sobre a matéria. Por isso, parte considerável do seu espólio é de natureza astrológica
(horóscopos, anotações, ensaios, textos dispersos, etc.). Eis aqui um bom exemplo:
O horóscopo não relata o que há antes do nascimento, nem o que há depois da morte (...) A vida é essencialmente
acção, e o que o horóscopo indica é a acção que há na vida do nativo. Três coisas não há que buscar
no horóscopo: (1) as qualidades fundamentais do indivíduo, quanto ao seu grau íntimo; (2) o ponto de partida social
da sua vida; (3) o que resulta dele, e da vida que teve, depois da morte. Tudo, menos isto, o horóscopo inclui e
define. Não pasmemos de que seja apagado e frustre o horóscopo de tal grande artista que foi célebre só depois de
morto: o horóscopo indicará qualidades artísticas (em grau que não podemos medir) e indicará obscuridade. Tudo
será indicado em abstracto; só uma vidência nossa o poderá concretizar. (Tal é o sentido do primeiro apótema de
Ptolomeu.) Exemplificando melhor: um horóscopo de poeta dramático poderá ser determinado como tal e poderá,
adentro desse horóscopo, ser indicada uma certa fama e um certo proveito. À parte isso, o horóscopo pode ser o de
Shakespeare ou o de um poeta dramático de inferior nota, que, na época em que viveu, tenha tido uma vida, quanto
a fama e proveito, idêntica ou semelhante à de Shakespeare. O horóscopo revela, pouco mais ou menos, o que o
mundo vê. Nunca devemos esquecer este pormenor importantíssimo. Sem ele nada faremos da astrologia.
Além disto, os heterónimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis tiveram o seu mapa natal
levantado pelo próprio Fernando Pessoa, o qual não se coibiu de lhes analisar as personalidades e tecer considerações
astrológicas, tendo por base os mapas de nascimento que ele próprio calculara. Veja-se o que ele diz
numa carta endereçada a Adolfo Casais Monteiro, no dia 13 de Janeiro de 1935: Álvaro de Campos nasceu em Tavira
no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde, diz-me Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para
essa hora, está certo).
Portanto, e para dar seguimento a esta pretensão, o leitor encontrará nas páginas
seguintes a transcrição dos doze poemas de Mar Português e a sua respectiva interpretação
astrológica.
Por ser da mais elementar justiça, acrescente-se que a minha descoberta pessoal deste
“tesouro” se deve ao astrólogo português Paulo Cardoso, de quem ouvi uma conferência sobre o
assunto, em 1989.
Algumas das considerações que se seguem remontam aos apontamentos recolhidos
durante esse evento; outras, surgiram da intuição ou tornaram-se surpreendentemente evidentes
durante o acto de escrever o que vai ler a seguir.
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