A defesa do salazarismo nem sequer passa muito pela negação das arbitrariedades, dos abusos, dos excessos e desumanidades cometidas. Há quem tente matizar a prática ditatorial do sistema, desculpabilizá-la, até remeter para os ofendidos uma parte das responsabilidades. Muito tem sido demonstrado quanto ao que se fez contra os menos domesticáveis e amansados pela mão pesada de Salazar e seus acólitos.
O que se passou no domínio da Justiça é que nem sempre foi desnudado, denunciado, historiado. A verdade é que a vertente histórica é indispensável a qualquer acusação ao comportamento dos supostos agentes judiciais (e judiciários) ao longo dos quase quarenta anos que o massacre durou.
Excesso, poderá dizer-se, quando se fala de massacre. Será? “Durante a ditadura que precedeu o regime democrático em que vivemos, dezenas de milhares de opositores ao regime foram encarcerados”, regista o ministro da Justiça, Alberto Costa, no prefácio desta obra dedicada à investigação historiográfica dos Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo. Ao cálculo do número, acrescenta que “a maior parte deles nunca foi submetida a julgamento ou foi alguma vez presente a um juiz”.
O tamanho e o significado da ignomínia e da violação dos direitos fundamentais passa por esse excesso que é o de sonegar o direito à absolvição de quem nenhum desmando cometeu, de ordem criminal ou cívica. Pior é que, relatam os historiadores no livro, muitos dos que acabaram por passar pelos tribunais especiais tenham constatado a disponibilidade e fervor com que juízes e delegados do Ministério Público toleravam e até estimulavam o comportamento agressivo da PIDE, cujos agentes compareciam nas audiências e ajudavam a culpabilizar os “réus”. Um exemplo é a ordem de prisão dada por um juiz a um advogado em pleno tribunal.
Nada admira, este quadro e outros devidamente investigados por uma equipa de especialistas da Universidade Nova de Lisboa. “Os tribunais políticos especiais eram (…) uma peça importante do sistema de repressão punitiva, progressivamente centrado na polícia política, que a Ditadura foi montando um tanto atabalhoadamente até 1933 (…) mas que a emergência do Estado Novo, a partir dessa data, institucionalizou duradouramente”, escreve Fernando Rosas na Introdução da obra.
Dividido em três partes, o livro começa por analisar a conjuntura histórica em que surgiram os tribunais políticos especiais, a evolução dos seus regimes jurídicos e funcionamento. Passa depois à lista dos réus e suas características sociológicas, tempos de prisão, sentenças, etc. E por fim procurou saber o destino dos juízes e outros magistrados envolvidos, no pós-25 de Abril, quantos foram efectivamente afastados e com que sanções, quantos puderam prosseguir, e como, na carreira judicial.
Sem êxito, sublinhe-se, porque isto de arquivos é complicado.
__________
Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola
Tribunais políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo
Temas e Debates/Círculo de Leitores, 19.95€
O que se passou no domínio da Justiça é que nem sempre foi desnudado, denunciado, historiado. A verdade é que a vertente histórica é indispensável a qualquer acusação ao comportamento dos supostos agentes judiciais (e judiciários) ao longo dos quase quarenta anos que o massacre durou.
Excesso, poderá dizer-se, quando se fala de massacre. Será? “Durante a ditadura que precedeu o regime democrático em que vivemos, dezenas de milhares de opositores ao regime foram encarcerados”, regista o ministro da Justiça, Alberto Costa, no prefácio desta obra dedicada à investigação historiográfica dos Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo. Ao cálculo do número, acrescenta que “a maior parte deles nunca foi submetida a julgamento ou foi alguma vez presente a um juiz”.
O tamanho e o significado da ignomínia e da violação dos direitos fundamentais passa por esse excesso que é o de sonegar o direito à absolvição de quem nenhum desmando cometeu, de ordem criminal ou cívica. Pior é que, relatam os historiadores no livro, muitos dos que acabaram por passar pelos tribunais especiais tenham constatado a disponibilidade e fervor com que juízes e delegados do Ministério Público toleravam e até estimulavam o comportamento agressivo da PIDE, cujos agentes compareciam nas audiências e ajudavam a culpabilizar os “réus”. Um exemplo é a ordem de prisão dada por um juiz a um advogado em pleno tribunal.
Nada admira, este quadro e outros devidamente investigados por uma equipa de especialistas da Universidade Nova de Lisboa. “Os tribunais políticos especiais eram (…) uma peça importante do sistema de repressão punitiva, progressivamente centrado na polícia política, que a Ditadura foi montando um tanto atabalhoadamente até 1933 (…) mas que a emergência do Estado Novo, a partir dessa data, institucionalizou duradouramente”, escreve Fernando Rosas na Introdução da obra.
Dividido em três partes, o livro começa por analisar a conjuntura histórica em que surgiram os tribunais políticos especiais, a evolução dos seus regimes jurídicos e funcionamento. Passa depois à lista dos réus e suas características sociológicas, tempos de prisão, sentenças, etc. E por fim procurou saber o destino dos juízes e outros magistrados envolvidos, no pós-25 de Abril, quantos foram efectivamente afastados e com que sanções, quantos puderam prosseguir, e como, na carreira judicial.
Sem êxito, sublinhe-se, porque isto de arquivos é complicado.
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Fernando Rosas (coord.), Irene Flunser Pimentel, João Madeira, Luís Farinha, Maria Inácia Rezola
Tribunais políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado Novo
Temas e Debates/Círculo de Leitores, 19.95€
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