terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cônsul Desobediente (O) – Sónia Louro


Editora: Saida de Emergência
Edição: 1ª Edição, Setembro 2009


Embora tendo como formação a biologia marinha, Sónia Louro sempre teve a Literatura como a sua grande paixão, ao qual veio a aliar outro interesse: a História.

Dessas paixões nasce a intenção de escrita de romances Históricos que se materializa, até à data, em três livros: “Viritato”, “A Vida Secreta de Dom Sebastião” e este “Cônsul Desobediente” que narra a História de Aristides de Sousa Mendes.

Aristides de Sousa Mendes nasceu no dia 19 de Julho de 1885 na localidade de Cabanas de Viriato. Oriundo de uma família com laços à aristocracia, Aristides tem as oportunidades que só a classe alta, na altura, podia oferecer aos filhos e é assim que se licencia em direito na Faculdade de Direito de Coimbra.

Monárquico assumido, depressa se incompatibiliza com os vários governos pós implementação da República, no entanto esse facto, o de ser persona non grata, serve-lhe para ser tido como um homem pró-estado novo, pois era um homem muito religioso, prezava os bons costumes e os valores apregoados por esse novo sistema. E é dessa forma que Aristides se vê promovido ao ser nomeado Cônsul para embaixadas importantes e estratégicas.

E é nessas funções que em 1938 é nomeado Cônsul de 1ª Classe para Bordéus, posto ocupado quando tem início a Segunda Guerra Mundial.

Ao aperceber-se da capitulação da França e sabendo do avanço das tropas nazis, Aristides depara-se com milhares de refugiados que procuram a embaixada portuguesa no sentido de ali conseguirem um visto. Porém, adivinhando essa enchente, Salazar ordena aos cônsules portugueses espalhados pelo mundo que recusem conferir vistos a pessoas com certas nacionalidades e especificações. Era pura descriminação racial, facto que desobedecia à Constituição Portuguesa. Ou seja, a ordem do governo português ia contra a Constituição da República.

Aristides sabe disso e após alguns dias de dilemas morais, resolve tomar acções que o levará à sua desgraça ao mesmo tempo que o elevará, muitos anos depois, à galeria dos maiores homens da Humanidade: ali, na sua embaixada e fazendo ouvidos moucos às ordens de Salazar, ele começa a passar vistos em catadupa, salvando assim, de uma morte certa e segundo números oficiais, 30.000 pessoas (o número de vistos oficialmente passados), porém, sabe-se que o número real é superior dada a forma, diria surrealista, como centenas de vistos foram passados.

Aristides foi um homem bom. Juntou a lema: “Deus”, “Pátria” e “Família”, a palavra “Consciência”, utilizando o seu poder para salvar milhares de pessoas.

O regime nunca lhe perdoou as ordens desobedecidas. Coloca-o na “prateleira”, abandonando-o e fechando-lhe todas as portas, não só a si como também a todos os seus filhos que, sem perspectiva de vida em Portugal, são obrigados, aos poucos, a emigrar para fora do país.

Aristides morre na miséria, sem amigos, esquecido por todos (menos os seus filhos) no dia 03 de Abril de 1954 no Hospital dos Fransciscanos em Lisboa.

Curioso constatar que apenas em 1988 o país, pelo menos ao nível do Estado e após aprovado pelos deputados na Assembleia da República, reentregou o cônsul na carreira diplomática com a promoção a embaixador e só a partir desse ano, aos poucos e devido também à insistência dos filhos que sempre lutaram para restabelecer a imagem do pai, o nome de Aristides de Sousa Mendes começou a ser falado. 34 anos depois da sua morte, os portugueses começaram a perceber que a 2ª Grande Guerra produziu um herói português, um homem venerado por milhares de famílias e quem tem até espaço em alguns museus que lembram o Holocausto.

Ao contrário do que sucede em “Viriato”, único livro que havia lido de Sónia Louro, neste a autora soube documentar-se convenientemente, diria mesmo que se documentou tanto que construiu não um romance Histórico mas sim uma biografia romanceada.

Sónia Louro traça o percurso da vida de Aristides de uma forma muito biográfica, demonstrando preocupação em citar as fontes que podem ser cartas, documentos oficiais, relatórios ou entrevistas que originam a maioria das cenas. Ficção tem apenas os diálogos e muitos deles construídos segundo registos históricos.

Não quero com isso dizer que a obra é fraca ou está mal conseguida. Nada disso! Sónia Louro está de parabéns pelo excelente trabalho de pesquisa e por ter sabido explanar toda a grandeza humana de Aristides de Sousa Mendes, dando um grande contributo à sua memória e ao reconhecimento que o povo português lhe deve.

Contudo o romance tem alguns pontos fracos. Por exemplo, embora saibamos que os pais de Aristides eram gente de posses, no entanto há uma completa ausência de factos da sua infância e adolescência, assim como ficamos sem saber quem foram os pais de Aristides. Pode-se relativizar dizendo que o romance não tem esse propósito. Aceito, mas para se entender o homem, talvez a sua infância e os valores familiares tenham sido vitais.

Embora seja uma obra densa, cheia de notas e com a curiosidade de, no fim, conter as cópias da Defesa de Aristides e do relatório de Acusação. A linguagem e a estrutura literária são simples, de fácil percepção.

Uma obra que merece ser lida devagar de modo a podermos deixar Aristides de Sousa Mendes entrar na nossa vida.

Um grande português!


Classificação: 5

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