sexta-feira, 3 de julho de 2009

O Pensamento Iluminador De Shantideva, de Prof. Dr. R. D. Pizzinga

TRECHO:
Introdução
ESCRITO no século VIII, o Bodhicharyavatara (Caminho para a
Iluminação) ou Bodhisattvacharyavatara (Guia para o Modo de Vida
do Bodhisattva), de Shantideva (Divina Paz), logo se tornou um
clássico do Buddhismo Mahayana. As duas preocupações fundamentais da
obra de Shantideva são: o cultivo de uma mente altruísta e a geração de uma
profunda percepção sobre a natureza da realidade. Entre todos os textos
religiosos da tradição Buddhista Mahayana, pode-se dizer que o
Bodhicharyavatara de Shantideva (obra em dez capítulos) e o Ratnavali de
Nagarjuna continuam a ser as obras básicas, descrevendo a carreira nobre e
altruísta do Bodhisattva. O impacto do Bodhicharyavatara no Tibet talvez
tenha sido insuperável. Desde a sua tradução para o tibetano, no século XI, a
obra vem exercendo uma profunda influência sobre a vida religiosa do povo.
Sua extensa influência pode ser encontrada nos ensinamentos de todas as
quatro escolas principais do Buddhismo Tibetano: Nyingma, Kagyü, Sakya e
Gelug. Sua Santidade Tenzin Gyatso, 14} (atual) Dalai Lama, diz a respeitor:
E
“O Bodhicharyavatara foi composto pelo erudito indiano Shantideva,
reputado no Tibete como um dos mais fiáveis mestres. Uma vez que esta obra
se concentra sobre o cultivo e o desenvolvimento do Bodhichitta, ela pertence
ao Mahayana. Simultaneamente, a estância filosófica de Shantideva sobre a
Sabedoria, tal como está exposta especialmente no nono capítulo, segue o
ponto de vista Prasangika Madhyamika de Chandrakirti.
O principal foco dos ensinamentos do Mahayana é o cultivar a mente que
deseja o benefício dos outros seres sensíveis. Com o aumentar da nossa
própria paz e felicidade, nós vamos ser naturalmente mais capazes de
contribuir para a paz e felicidade dos outros. Transformar a mente e cultivar
uma atitude positiva, altruísta e responsável é benéfica agora mesmo.
Quaisquer que sejam os problemas e dificuldades que possamos ter,
poderemos, assim, enfrentá-los com coragem, calma e positividade. Assim,
também será raiz da felicidade para muitas vidas vindouras.
Baseado na minha pouca experiência, eu posso dizer confiantemente, que os
ensinamentos e instruções do Buddhadharma, em particular os ensinamentos
do Mahayana, continuam a ser relevantes e úteis hoje. Se nós, sinceramente,
colocarmos o cerne destes ensinamentos em prática, não precisaremos ter
nenhuma hesitação sobre a sua eficiência.
Os benefícios de desenvolver qualidades como o amor, a compaixão, a
generosidade e a paciência não estão apenas confinados a um nível pessoal;
eles estendem-se a todos os seres sensíveis e até à manutenção da harmonia
com o meio ambiente. Não é que estes ensinamentos tenham sido úteis em
algum tempo no passado e que já não sejam pertinentes nos tempos
modernos. Eles continuam pertinentes hoje. É por isto que eu encorajo as
pessoas a tomar atenção a tais práticas; não é apenas para que a tradição não
se perca.
O Bodhicharyavatara foi amplamente aclamado e respeitado por mais de mil
anos. É estudado e elogiado por todas as quatro escolas do Buddhismo
Tibetano. Eu próprio recebi transmissões e explicações sobre este texto do
falecido Kunu Lama, Tenzin Gyaltsen, que, por sua vez, recebeu-as de um
discípulo do grande mestre Dzogchen Dza Patrul Rinpoche. E demonstraram
ser muito úteis e benéficas para a minha mente.”
Shantideva nasceu no século VII (687 – 763 d. C.), na antiga província de
Saurastra, na Índia. Desde sua mais tenra idade, o príncipe manifestou
profundo respeito pelos Mestres Espirituais e uma grande bondade pelos
habitantes do reino, sobretudo pelos pobres e pelos doentes. Um dia,
encontrou um asceta que lhe ensinou a arte de meditar sobre Manjushri, o
Buddha da Sabedoria, e pouco tempo depois Manjushri apareceu-lhe em uma
visão e abençoou-o. Quando o rei morreu, a corte preparou, em grande
pompa, a sagração do príncipe, erigindo um majestoso trono. Mas, na noite
anterior à cerimônia, Manjushri apareceu ao príncipe em sonhos, sentado
nesse trono, e lhe disse: — Meu filho, este trono me pertence. Sou o teu
mestre espiritual; não é conveniente que partilhemos o mesmo assento. O
príncipe acordou e compreendeu que não deveria reinar. Renunciando aos
faustos da corte, fugiu e entrou na ilustre universidade buddhista de Shri
Nalanda para ser ordenado na ordem Mahasanghika. Foi ordenado monge por
Jayadeva, o principal dos quinhentos panditas, e recebeu o nome Shantideva
– Divindade da Paz. A existência extraordinária de Shantideva progrediu
sempre. Percorreu a Índia realizando milagres, salvando milhares de pessoas
da fome multiplicando o alimento, curando doentes e feridos, dando fé aos
incrédulos e vivendo como um perfeito Bodhisattva.
Já na última fase de sua existência terrena, certa vez, tendo que se explicar
com o rei por ter sido injustamente acusado de caçar e matar gazelas e de
comer sua carne assada no espeto, disse: — Eu não mato. Eu curo. E
acrescentou: — Todos os elementos da experiência são apenas sonhos e
ilusões. Compreenda que todas as coisas são apenas produtos insubstanciais
da imaginação – projeções da mente. Entra no caminho da liberação. E então
recitou esse verso:
As gazelas de que me alimentei
nunca existiram nessa Terra;
ainda assim, nunca deixaram de existir.
Se não há o que definimos como substância,
então não pode haver caçador, nem caçado.

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