terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Roda Gigante, Carrossel e Bate-Bate...

No interior do Ceará, ao pé da Serra de Bautrité, ainda hoje, há um local chamado Boa Vista, com acesso de mais de uma légua por terra batida depois que acaba o asfalto, margeado pelo rio Candéia. Ali eu fui batizado, fiz minha primeira comunhão e passei quase todas as férias da minha infância e juventude. A casa dos meus avós ficava lá. Aliás, fica ainda hoje. Com algumas modificações, é claro. O rio, antes robusto e farto de peixes e sapos e camarões e pitús perdeu a força às custas da modernidade que foi trazendo a luz elétrica, o saneamento básico, a televisão e o telefone e mais gente.

Naquele tempo de menino – e põe tempo nisso – o banheiro era uma pequena construção que ficava separada da casa frincipal. Na entrada para o mato. Tinha uma “casa de abelhas” pendurada em uma das paredes. Era uma pequena caixa de madeira onde abelhas Jandaíra fizeram uma colméia. Nunca soube o porquê de se criar mel em um local tão incomum. Mas, sempre que ia me demorar por lá, ficava um pouco apreensivo.

Entre os fundos da casa e o banheiro, galinhas, patos, pintos, cavalos, jumentos e o meu inesquecível pé de ciriguela. Meu, porque passava horas montado em seus galhos tortuosos colhendo e devorando seus frutos coloridos e saborosos. Uma trilha passava rente ao banheiro externo e seguia para o rio atravessando o bananal e mangueiras imensas que davam sombra e espaço para uma boa pelada com meus primos. O som da água correndo ainda hoje me chega aos ouvidos.
Enquanto o futebol rolava solto por sobre as folhas caídas das mangueiras, minhas tias e primas passavam por nós carregando bacias de alumínio repletas de roupas para lavar. A gente brincava e elas davam um duro danado. O barulho das roupas estalando na pedra grande à margem do rio, o sabão de coco arrancando a sujeira num frenético vai-e-vem, a conversa solta sobre a vida que corria mansa, tudo isso mais os gritos que anunciavam o fim da partida e o início do banho de rio que quase sempre levava a uma pescaria com landuá, construíram a trilha sonora das minhas férias.
Trilha sonora que estava há muito silenciosa em minha memória como um CD que a gente gosta muito mais que foi ficando embaixo da pilha de novos discos, novas músicas até que, finalmente, num dia de faxina, é redescoberto e a sua música invade as caixas de som e a sala e os ouvidos como se nunca tivesse deixado de soar. Pois foi assim. Quando deitei os olhos em O Vento (Elma, Global), foi como se apertasse o play daqueles momentos empoeirados e agora, eles estão aqui comigo, novinhos em folha.

Há tempos não lia um livro imagem que mexesse tanto comigo. A ausência de texto oferece mais possibilidades para a história e fortalece a nossa imaginação pois outras leituras e sensações podem ser vividas pelo leitor, seja ele criança ou adulto. Elma sopra no papel suas cores vivas e seu traço original que – aos poucos – ganha mais contornos ímpares, para contar um passeio entre uma mulher, um balaio de roupas e três crianças. O passeio se transforma numa grande brincadeira para as crianças. O vento faz daquele enorme quintal um grande parque de diversões em que roda gigante, carrossel e bate-bate dão lugar a árvores, passarinhos e elefantes.

A mulher trabalha com um sorriso nos lábios enquanto as crianças se divertem. Parecia assim no meu tempo de menino. Sorrisos para todos os lados. O vento a soprar roupas no varal, folhas da mangueira e a voz de minha mãe chamando a todos para um lanche ao final da tarde. O Vento de Elma despertou em mim a lembrança de uma infância rica em sensações. Talvez não consiga tanto numa criança com memórias tão frescas. Mas os sorrisos de um brincar despreocupado com a vida certamente serão soprados das páginas do livro e farão cócegas nas bochechas dos pequenos mais sensíveis. Então, voaremos todos com a brisa, os pássaros, os traços e a imaginação de Elma para um lugar sem tempo nem distância onde o pensamento voa, voa, voa sem pressa de pousar. Hatuna Matata.

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