TRECHO:
Durante o século XIX, no Ocidente, o conhecimento científico tornou-se o crivo obrigatório da sociedade. A este conhecimento aliou-se a razão, o progresso e o materialismo. Juntos refletiam o lado luminoso da sociedade. As certezas racionais afirmaram a instrução, o darwinismo social, a modernização e foram as bandeiras sob as quais abrigaram-se diferentes segmentos sociais. Este avanço do evangelho racional e científico teve, como contrapartida, um recuo das religiões tradicionais, pelo menos nos centros mais urbanizados e intelectualizados.
Para cientistas e intelectuais da segunda metade do século XIX, o materialismo apresentava para a Humanidade um futuro sem sobressaltos, num progresso contínuo e sem dramas. A razão humana tornava-se todo-poderosa, progressivamente “perfeita” e o conhecimento material ampliado conduzia a uma confiança absoluta na educação científica, numa espécie de otimismo messiânico, com o império da Liberdade, da Felicidade e da Riqueza.(1). O otimismo combinava com o positivismo e a crença numa evolução ilimitada. Aliava-se ao desenvolvimento do conhecimento científico, a redescoberta das culturas antigas, mitológicas e extra-ocidentais. A expansão colonial trouxe contatos com povos, épocas e culturas diferentes.
Da segunda metade do século XIX em diante, duas vozes dissonantes alimentaram uma polêmica recíproca: a causa da ciência e da natureza em nome de uma religiosidade exclusivamente secular. Contra esta extrema secularização levantaram-se os direitos irrevogáveis da consciência, da deficiência insanável da Razão e do poder sobre-humano do Sagrado e do Mistério.
A crise religiosa revelada desta época manifestou-se, freqüentemente, contra a oficialidade de todas as formas de tradição, de todas as figuras históricas e espiritualmente gastas, vazias, sem criatividade ou inventividade. Esta crise apontou a necessidade de uma religiosidade espiritualmente mais adequada, de novas utopias de salvação.
As novas criações religiosas desde o século XVIII e, sobretudo no XIX, são marcadas por uma concepção espiritualista de inspiração e interpretação das Escrituras, da recuperação de uma vida interior diretamente em contato com a divindade. Temos, inclusive, um campo propício para o estabelecimento de vínculos entre a mística espiritualista, o esoterismo e o racionalismo, num desejo de articular um tipo de exegese religiosa em bases contemporâneas com as aparências do método científico, apresentando novas mensagens cristãs. (2).
O pensamento naturalista seguiu o caminho das novas conquistas da Ciência e da Epistemologia, com o alargamento da doutrina do conhecimento sobre qualquer aspecto ou problema do Universo. Mas a forte recuperação da consciência religiosa, cristã ou não, instituiu uma polêmica sem paralelos.
Um novo e abundante discurso espiritual procurou integrar Ciência e Fé, Ocidente e Oriente, o Novo e o Antigo. De um lado, um neo-evangelismo que pregava um Cristianismo Universal nas bases da tolerância, fraternidade e paz. De outro lado, o retomar de um ideal humanista buscando reforço nas antigas doutrinas de uma Verdade Universal, na sabedoria de religiões extra-cristãs. Profetas modernos, esoteristas, espiritualistas científicos espalharam o gérmen de uma nova e ampla espiritualidade.(3).
O esoterismo tornou-se uma definição obrigatória para alguns movimentos religiosos do período. O termo “esoterismo” define uma doutrina segundo a qual uma ciência, um sistema de crenças filosófico-religiosas, reflexões epistemológicas e ontológicas da realidade última não devem ser vulgarizadas e nem divulgadas senão entre adeptos, conhecidos e eleitos. No século XIX a palavra “esoterismo” converteu-se frequentemente, em sinônimo de oculto, de ocultismo, sendo aplicado a campos de estudo e conhecimento como a magia, a mântica e a cabala. Estas definições abrangentes abarcam uma realidade histórica complexa e difusa. Crenças, teorias, técnicas místicas e iniciáticas que poderíamos classificar como esotéricas já eram populares na Antiguidade Tardia, não desaparecendo na Idade Média, tornando-se importantes na Renascença, atravessando os séculos XVII e XVIII para ganharem fôrça e expressão no século XIX. Uma definição ampla, sugere a existência de um campo específico e abrangente, com fronteiras comuns, debates e metodologias particulares. Porém, o termo aplica-se, de várias formas, a diferentes concepções religiosas. O “esoterista” é o pensador -cristão ou não- que desenvolve suas crenças, estudos e religiosidade sobre três pontos: analogia, teosofia e igreja interior. A analogia é a crença (ou como será percebido à partir do século do XVIII, uma lei) segundo a qual existem, entre seres e coisas, relações necessárias, intencionais que não são necessariamente, temporais ou espaciais: o análogo atua sôbre o análogo e desta forma explica-se a magia e o conhecimento que conduz ao “espírito das coisas”. Desta forma, no pensamento analógico, conhecer o Mundo é conhecer Deus, porque a Natureza representa uma revelação gradual. A Ciência adquire uma significação religiosa. A teosofia, que não tem o mesmo significado da Sociedade Teosófica fundada no século XIX, dá sentido a analogia e compreende tanto uma interpretação profunda de textos sagrados como a experiência mística pura. O pensamento teosófico insiste em determinados pontos dos dogmas sôbre os quais a religião constituida e institucionalizada tende a ignorar para, através desta exploração e indagação metódica chegar a iluminação interior. A mística especulativa confere a teosofia o poder de proporcionar o conhecimento e inspiração. A igreja interior, espiritual e individual, independente de religiões organizadas, coloca-se como a experiência mística por excelência. A Alma Humana tem origem divina e, portanto, pode acercar-se de Deus, onde reside esta mesma Alma. A União divina é imanente a natureza humana e graças a iniciações, conhecimentos sagrados e secretos, pode-se chegar a este reencontro divino. A iniciação implica em regeneração que depende de gnose. Esta igreja interior é a única verdadeira e eterna, ao contrário das Igrejas materiais, que serão sempre destruídas, sobrevivendo, exclusivamente, a igreja invisível e interior. Este sentido permanece entre as correntes esotéricas do século XIX surgindo formas de esoterismo cristão s sofrendo as influências pagãs e místicas do esoteristas dos séculos anteriores e que incluiam magia, alquimia, meditação, êxtases místicos, necromancia, cabala, numerologia, ordens secretas, etc. No começo deste século o orientalismo invadiu a Europa que descobriu os livros do Egito, da India e do remoto Oriente fornecendo um novo campo de construções e representações para os movimentos espirituais desta época. Foi o Oreinte romantizado que alimentou o orientalismo espiritualizado do período.(4).
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