quarta-feira, 27 de maio de 2009

Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos - SÉTIMO ANO - 1864

TRECHO:
MÉDIUNS CURADORES.
Um oficial de caçadores, Espírita de longa data, e um dos numerosos exemplos das
reformas morais que o Espiritismo pode operar, nos transmite os detalhes seguintes:
"Caro mestre, aproveitamos nossas longas horas de inverno para nos entregar com
ardor ao desenvolvimento de nossas faculdades medianímicas. A tríade do 4Ç caçador,
sempre unida, sempre vivente, se inspira de seus deveres, e ensaia novos esforços. Sem
dúvida, desejais conhecer o objeto de nossos trabalhos, a fim de saber se o campo que
cultivamos não é estéril. Disso podereis julgar pelos detalhes seguintes. Há alguns meses
nossos trabalhos têm por objetivo o estudo dos fluidos; esse estudo desenvolveu em nós
a mediunidade curadora; também, aplicamo-la agora com sucesso. Há alguns dias, uma
simples emissão fluídica de cinco minutos com minha mão, bastou para tirar uma nevralgia
violenta.
"Madame P... estava afetada, há vinte e oito anos, de uma hiperestesia aguda ou
sensibilidade exagerada da pele, enfermidade que a retinha em seu quarto há quinze anos.
Ela mora numa pequena cidade vizinha, e, tendo ouvido falar de nosso grupo, veio
procurar alívio junto a nós. Ao cabo de trinta e cinco dias, voltou completamente curada.
Durante esse tempo, recebeu cada dia um quarto de hora de emissão fluídica, com o
concurso de nossos guias espirituais.
"Dávamos, ao mesmo tempo, nossos cuidados a um epiléptico, atingido por essa
terrível enfermidade há vinte e sete anos. As crises se renovavam quase cada noite, e
cada vez sua mãe passava longas horas à sua cabeceira. Trinta e cinco dias bastaram
para essa cura importante, e que estava feliz, essa mãe, acompanhando seu filho radicalmente
curado! Nós revezávamos, todos os três, de oito dias em oito dias, para a emissão
fluídica, colocávamos a mão, ora sobre a cavidade do estômago do enfermo, ora sobre
a nuca, no início do pescoço. Cada dia o enfermo podia constatar uma melhora; nós
mesmos, depois da evocação e durante o recolhimento, sentíamos o fluido exterior nos
invadir, passar em nós, e escapar-se de nossos dedos alongados e de nosso braço estendido
para o corpo do sujeito que tratávamos.
"Dávamos nesse momento nossos cuidados a um segundo epiléptico; desta vez, a
enfermidade seria talvez mais rebelde, uma vez que é hereditária. O pai deixou, aos seus
quatro filhos, o germe dessa afecção; enfim, com a ajuda de Deus e dos bons Espíritos,
esperamos reduzi-la em todos os quatro.
"Caro mestre, reclamamos o socorro de vossas preces e as de nossos irmãos de
Paris. Esse socorro será para nós um encorajamento e um estímulo aos nossos esforços.
Depois, vossos bons Espíritos podem vir em nossa ajuda, tornar o tratamento mais salutar
e abreviar-lhe a duração.
"Não aceitamos por toda recompensa, como bem o pensais, e ela deve ser suficiente,
senão a satisfação de ter feito nosso dever e de ter obedecido ao impulso dos bons
Espíritos. O verdadeiro amor ao próximo carrega consigo uma alegria sem mistura, e deixa
em nós alguma coisa de luminosa, que encanta e que eleva a alma. Também procuramos,
tanto quanto nossas imperfeições no-lo permitem, nos compenetrar dos deveres
do verdadeiro Espírita, que não devem ser senão a aplicação dos preceitos evangélicos.
"O Sr. G... de L... deve nos conduzir seu cunhado, que um Espírito malfazejo subjuga
há dois anos. Nosso guia espiritual Lamennais nos encarrega do tratamento dessa
obsessão rebelde. Deus nos daria também o poder de expulsar os demônios? Se assim
for, não teríamos senão que nos humilhar diante de um tão grande favor, em lugar de nos
orgulharmos. Quanto maior ainda não seria para nós a obrigação de nos melhorar, para
disso testemunhar-lhe nosso reconhecimento e para não perder dons tão preciosos?"
Essa interessante carta, tendo sido lida na Sociedade Espírita de Paris, na sua sessão
de 18 de dezembro de 1863, um dos nossos bons médiuns obteve espontaneamente,
a esse respeito, as duas comunicações seguintes:
"A vontade, existindo no homem em diferentes graus de desenvolvimento, serviu,
em todas as épocas, seja para curar, seja para aliviar. É lamentável ser obrigado a constatar
que ela foi também a fonte de muitos males, mas é uma das conseqüências do abuso
que, freqüentemente, o ser faz de seu livre arbítrio. A vontade desenvolve o fluido seja
animal, seja espiritual, porque, o sabeis todos agora, há vários gêneros de magnetismo,
entre os quais estão o magnetismo animal e o magnetismo espiritual que pode, segundo a
ocorrência, pedir apoio ao primeiro. Um outro gênero de magnetismo, muito mais poderoso
ainda, é a prece que uma alma pura e desinteressada dirige a Deus.
"A vontade foi, freqüentemente, mal compreendida; em geral aquele que magnetiza
não pensa senão em desdobrar sua força fluídica, senão em derramar seu próprio fluido
sobre o paciente submetido a seus cuidados, sem se ocupar se há ou não uma Providência
que nisso se interessa tanto e mais do que ele; agindo só, não pode obter senão o que
sua única força pode produzir; ao passo que nossos médiuns curadores começam por
elevar sua alma a Deus, e para reconhecer que, por eles mesmos, não podem nada; fazem,
por isso mesmo, um ato de humildade, de abnegação; então, confessando-se muito
fracos por si mesmos, Deus, em sua solicitude, lhes envia poderosos recursos que não
pode obter o primeiro, uma vez que se julga suficiente para a obra empreendida. Deus
recompensa sempre a humildade sincera elevando-a, ao passo que rebaixa o orgulho.
Esse recurso que envia, são os bons Espíritos que vêm penetrar o médium de seu fluido
benfazejo, que este transmite ao enfermo. Também é por isso que o magnetismo empregado
pelos médiuns curadores é tão poderoso e produz essas curas qualificadas de miraculosas,
e que são devidas simplesmente à natureza do fluido derramado sobre o médium;
ao passo que o magnetizador comum se esgota, freqüentemente, em vão, em fazer
passes, o médium curador infiltra um fluido regenerador pela única imposição das mãos,
graças ao concurso dos bons Espíritos; mas esse concurso não é concedido senão à fé
sincera e à pureza de intenção."
MESMER (Médium, Sr. Albert).
"Uma palavra sobre os médiuns curadores, dos quais vindes de falar; estão todos
nas disposições mais louváveis; têm a fé que ergue as montanhas, o desinteresse que
purifica os atos da vida, a humildade que os santifica. Que perseverem na obra de beneficência,
que empreenderam; que se recordem bem que aquele que pratica as leis sagradas
que o Espiritismo ensina, se aproxima constantemente do Criador. Que, quando empregam
sua faculdade, a prece, que é a vontade mais forte, seja sempre seu guia, seu
ponto de apoio. O Cristo vos deu, em toda a sua existência, a prova mais irrecusável da
vontade mais firme, mas era a vontade do bem e não a do orgulho. Quando dizia às vezes:
Eu quero, essa palavra estava cheia de unção; seus apóstolos, que o cercavam, sentiam
seus corações se abrirem a essa santa palavra. A doçura constante do Cristo, sua
submissão à vontade de seu Pai, sua perfeita abnegação, são os mais belos modelos de
vontade que se possa propor para exemplo."
PAULO, apóstolo (Médium, Sr. Albert).
Algumas explicações faraó facilmente compreender o que se passa nesta circunstância.
Sabe-se que o fluido magnético comum pode dar, a certas substâncias, propriedades
particulares ativas; neste caso, age de alguma sorte como agente químico, modifi7
cando o estado molecular dos corpos; nada há, pois, de espantoso em que possa mesmo
modificar o estado de certos órgãos; mas compreende-se, igualmente, que sua ação,
mais ou menos salutar, deve depender de sua qualidade; daí as expressões de "bom ou
mau fluido; fluido agradável ou penoso." Na ação magnética propriamente dita, é o fluido
pessoal do magnetizador que é transmitido, e esse fluido que não é outro senão o perispírito,
sabe-se que participa sempre, mais ou menos, das qualidades materiais do corpo, ao
mesmo tempo que sofre a influência moral do Espírito. É, pois, impossível que o fluido
próprio de um encarnado seja de uma pureza absoluta, e é por isso que sua ação curativa
é lenta, algumas vezes nula, algumas vezes mesmo nociva, porque pode transmitir ao
enfermo princípios mórbidos. De que um fluido seja bastante abundante e enérgico para
produzir efeitos instantâneos de sono, de catalepsia, de atração ou de repulsão, não se
segue, de nenhum modo, que tenha qualidades necessárias para curar; é a força que abate,
e não o bálsamo que abranda e repara; assim ocorre com os Espíritos desencarnados
de uma ordem inferior, cujo fluido pode mesmo ser malfazejo, o que os Espíritas têm,
a cada instante, a ocasião de constatar. Só nos Espíritos superiores o fluido perispiritual
está despojado de todas as impurezas da matéria; de alguma sorte, ele é quintessenciado;
sua ação, por conseqüência, deve ser mais salutar e mais pronta; é o fluido benfazejo
por excelência. Uma vez que não se pode encontrá-lo entre os encarnados, nem entre os
desencarnados vulgares, é preciso, pois, pedi-lo aos Espíritos elevados, como se vai procurar
nas regiões longínquas os remédios que não se encontram na sua. O médium curador
emite pouco de seu próprio fluido; ele sente a corrente do fluido estranho que o penetra
e ao qual serve de condutor; é com esse fluido que magnetiza, e aí está o que caracteriza
o magnetismo espiritual e o distingue do magnetismo animal: um vem do homem, o
outro dos Espíritos. Como se vê, não há aí nada de maravilhoso, mas um fenômeno resultante
de uma lei da Natureza que não se conhecia.
Para curar pela terapêutica comum, não basta qualquer medicamento; são necessários
puros, não avariados ou adulterados, e convenientemente preparados; pela mesma
razão, para curar pela ação fluídica, os fluidos mais depurados são os mais saudáveis;
uma vez que esses fluidos benfazejos são o próprio dos Espíritos superiores, é, pois, o
concurso destes últimos que é necessário obter; é por isso que a prece e a invocação são
necessárias. Mas para orar, e sobretudo orar com fervor, é preciso a fé; para que a prece
seja escutada, é preciso que seja feita com humildade e ditada por um sentimento real de
benevolência e de caridade; ora, não há de verdadeira caridade sem devotamento, e não
há de devotamento sem desinteresse; sem essas condições, o magnetizador, privado da
assistência dos bons Espíritos, nisso está reduzido às suas próprias forças, freqüentemente
insuficientes, ao passo que com seu concurso podem ser centuplicados em poder
e em eficácia. Mas não há licor, tão puro que seja, que não se altere passando por um
vaso impuro; assim ocorre com o fluido dos Espíritos superiores passando pelos encarnados;
daí, para os médiuns em que se revela essa preciosa faculdade, e que querem vê-la
crescer e não se perder, há necessidade de trabalhar para a sua melhoria moral.
Entre o magnetizador e o médium curador há, pois, esta diferença capital, que o primeiro
magnetiza com seu próprio fluido, e o segundo com o fluido depurados dos Espíritos;
de onde se segue que estes últimos dão seu concurso àqueles que querem e quando
querem; que podem recusá-lo, e, por conseqüência, tirar a faculdade àquele que dela abusasse
ou a desviasse de seu objetivo humanitário e caridoso para dela fazer um tráfico.
Quando Jesus disse aos seus apóstolos: "Ide! expulsai os demônios, curai os enfermos,
"acrescentou: "Dai gratuitamente o que recebestes gratuitamente."
Os médiuns curadores tendem a se multiplicar, assim como os Espíritos anunciaram,
e isto tendo em vista propagar o Espiritismo pela impressão que essa nova ordem de fenômenos
não pode deixar de produzir sobre as massas, porque não há ninguém que não
pense em sua saúde, mesmo os mais incrédulos. Quando, pois, se verá obter com o concurso
dos Espíritos o que a ciência não pode dar, seria preciso muito convir que há uma
força fora de nosso mundo; a ciência será assim conduzida a sair da via exclusivamente
material onde permanece até este dia; quando os magnetizadores anti-espiritualistas, ou
anti-espíritas, virem que existe um magnetismo mais poderoso do que o seu, serão muito
forçados a remontar à verdadeira causa.
Importa, no entanto, premunir-se contra o charlatanismo, que não faltará em tentar
explorar, em seu proveito, essa nova faculdade. Há, para isso, um meio muito simples, é
o de recordar-se de que não há charlatanismo desinteressado, e que o desinteresse absoluto,
material e moral, é a melhor garantia de sinceridade. Se
há uma faculdade dada por Deus num objetivo santo, sem contradita, é esta, uma
vez que exige imperiosamente o concurso dos Espíritos superiores, e que esse concurso
não pode ser adquirido pelo charlatanismo. E a fim de que se esteja bem edificado sobre
a natureza toda especial dessa faculdade que a descrevemos com alguns detalhes. Embora
tivéssemos podido constatar-lhe a existência por fatos autênticos, dos quais vários
se passaram sob os nossos olhos, pode-se dizer que ela é ainda rara, e que não existe
senão parcialmente nos médiuns que a possuem, seja porque estes não tenham todas as
qualidades requeridas para possuí-la em toda a sua plenitude, seja porque ela está em
seu início; é porque os fatos não tiveram, até este dia, senão pouca repercussão; mas
não tardará a tomar os desenvolvimentos de natureza a fixar a atenção geral; daqui a
poucos anos se revelará em algumas pessoas predestinadas a esse efeito, com uma força
que triunfará de muitas obstinações; mas não são esses os únicos fatos que o futuro
nos reserva, e pelos quais Deus confundirá os orgulhosos e os convencerá da impotência.
Os médiuns curadores são um dos mil meios providenciais para alcançar esse objetivo de
acelerar o triunfo do Espiritismo. Compreende-se facilmente que essa qualificação não
pode ser dada aos médiuns escreventes, que obtêm prescrições médicas de certos Espíritos.
Não encaramos a mediunidade curadora senão do ponto de vista fenomênico, e como
meio de propagação, mas não como recurso habitual; num próximo artigo trataremos
de sua aliança possível com a medicina e a magnetização comum.
_______________________
UM CASO DE POSSESSÃO. Senhorita Julie.
(2o artigo. - Ver o número de dezembro de 1863.)
Em nosso precedente artigo descrevemos a triste situação dessa jovem, e as circunstâncias
que provam nela uma verdadeira possessão. Estamos felizes ao confirmar o
que dissemos de sua cura, hoje completa. Depois de ser livrada de seu Espírito obsessor,
os violentos abalos que sentira durante mais de seis meses tinham-lhe trazido uma grave
perturbação em sua saúde; agora está inteiramente refeita, mas não saiu de seu estado
sonambúlico, o que não a impede de aplicar-se aos seus trabalhos habituais. Vamos expor
as circunstâncias dessa cura.
Várias pessoas tinham empreendido magnetizá-la, mas sem muito sucesso, salvo
uma leve e passageira melhora em seu estado patológico; quanto ao Espírito, estava cada
vez mais tenaz, e as crises tinham atingido um grau de violência dos mais inquietantes.
Teria sido preciso ali um magnetizador nas condições que indicamos no artigo precedente
para os médiuns curadores, quer dizer, penetrando o enfermo de um fluido bastante
puro para eliminar o fluido do mau Espírito. Se há um gênero de mediunidade que exige
uma superioridade moral, é sem contradita no caso de obsessão, porque é necessário ter
o direito de impor sua autoridade ao Espírito. Os casos de possessão, segundo o que foi
anunciado, devem se multiplicar com uma grande energia daqui a algum tempo, a fim de
que a impossibilidade dos meios empregados até o presente, para combatê-los, esteja
bem demonstrada. Uma circunstância mesmo, da qual não podemos ainda falar, mas que
tem uma certa analogia com o que se passou ao tempo do Cristo, contribuirá para desenvolver
essa espécie de epidemia demoníaca. Não é, pois, duvidoso que surgirão médiuns
especiais tendo o poder de expulsar os maus Espíritos, como os apóstolos tinham o de
expulsar os demônios, seja porque Deus coloca sempre o remédio ao lado do mal, seja
para dar aos incrédulos uma nova prova da existência dos Espíritos.
Para a senhorita Julie, como em todos os casos análogos, o magnetismo simples,
embora enérgico que fosse, era, pois, insuficiente; seria preciso agir simultaneamente
sobre o Espírito obsessor para domá-lo, e sobre o moral do enfermo enfraquecido por
todos esses abalos; o mal físico não era senão consecutivo; era um efeito e não a causa;
seria preciso, pois, tratar a causa antes do efeito; destruído o mal moral, o mal físico deveria
desaparecer por si mesmo. Mas para isso era preciso se identificar com a causa;
estudar com o maior cuidado e em todas suas nuanças o curso das idéias, para lhe imprimir
tal ou tal direção mais favorável, porque os sintomas variam segundo o grau de inteligência
do sujeito, o caráter do Espírito e os motivos da obsessão, motivos cuja origem
remonta, quase sempre, às existências anteriores.
O insucesso do magnetismo sobre a senhorita Julie fez com que várias pessoas tentassem;
no número delas achava-se um jovem dotado de uma grande força fluídica, mas
a quem, infelizmente, faltava totalmente a experiência, e, sobretudo, conhecimentos necessários
em semelhante caso. Atribuía-se um poder absoluto sobre os Espíritos inferiores
que, segundo ele, não podiam resistir à sua vontade; essa pretensão, levada ao excesso
e fundada sobre sua força pessoal, e não sobre a assistência dos bons Espíritos,
devia lhe atrair mais de uma decepção. Só isso teria devido bastar para mostrar, aos amigos
da jovem, que lhe faltava a primeira das qualidades requeridas para lhe ser um socorro
eficaz. Mas o que, acima de tudo, teria devido esclarecê-los, é que ele professava, sobre
os Espíritos em geral, uma opinião completamente falsa. Segundo ele, os Espíritos
superiores são de uma natureza fluídica muito etérea para poderem vir sobre a Terra comunicar-
se com os homens e assisti-los; isso não é possível senão aos Espíritos inferiores
em razão de sua natureza mais grosseira. Essa opinião, que não é outra senão a da
doutrina da comunicação exclusiva dos demônios, tinha um erro muito grave de sustentála
diante do enfermo, mesmo nos momentos de crise. Com esta maneira de ver, devia
não contar senão consigo mesmo, e não podia invocar a única assistência que teria podido
secundá-lo, assistência da qual, é verdade, acreditava não necessitar; a conseqüência
mais lastimável era para o enfermo que desencorajava, tirando-lhe a esperança da assistência
dos bons Espíritos. No estado de enfraquecimento em que estava seu cérebro,
uma tal crença, que dava toda presa ao Espírito obsessor, podia se tornar fatal para a sua
razão, podia mesmo matá-la. Também repetia-lhe, sem cessar, nos momentos de crise:
"Louca... louca... ele me tornará louca... inteiramente louca... não o sou ainda, mas tornarme-
ei." Falando de seu magnetizador, ela pintava perfeitamente sua ação dizendo: "Ele
me dá a força do corpo, mas não me dá a força do espírito." Esta palavra era profundamente
significativa, e, no entanto, ninguém lhe atribuía importância.
Quando vimos a senhorita Julie, o mal estava em seu apogeu, e a crise, da qual fomos
testemunha, foi uma das mais violentas; foi no momento mesmo em que nos aplicamos
em elevar seu moral, em que procuramos lhe inculcar o pensamento de que ela podia
domar esse mau Espírito com a assistência dos bons e de seu anjo guardião, do qual
invocaria o apoio, foi nesse momento, dizíamos, que o jovem magnetizador, que se encontrava
presente, por uma circunstância providencial, sem dúvida, veio, sem provocação
nenhuma, afirmar e desenvolver a sua teoria, destruindo de um lado o que fazíamos de
outro. Tivemos que lhe expor com energia que cometia uma ação má, assumindo sobre si
a terrível responsabilidade da razão e da vida dessa infeliz jovem.
Um fato dos mais singulares, que todo mundo havia observado, mas do qual ninguém
havia deduzido as conseqüências, se produzia na magnetização. Quando ela ocorria
durante a luta com o mau Espírito, este último, sozinho, absorvia todo o fluido que lhe
dava mais força, ao passo que a enferma se achava enfraquecida e sucumbia sob seus
apertos. Deve-se lembrar que ela estava sempre em estado de sonambulismo; via, por
conseqüência, o que se passava, e é ela mesma que dá esta explicação. Não se viu nesse
fato senão uma malícia do Espírito, e contentou-se em abster-se de magnetizar nesses
momentos e de ficar como espectador da luta. Com o conhecimento da natureza dos fluidos,
pode-se facilmente se dar conta desse fenômeno. É evidente, primeiro, que absorvendo
o fluido para se dar a força em detrimento da enferma, o Espírito queria convencer
o magnetizador da impossibilidade com respeito à sua pretensão; se havia malícia de sua
parte, era contra o magnetizador, uma vez que se servia da própria arma com a qual este
último pretendia derrubá-lo; pode-se dizer que lhe tirava o bastão das mãos. Era não menos
evidente que sua facilidade em se apropriar do fluido do magnetizador denotava uma
afinidade entre esse fluido e o seu próprio, ao passo que os fluidos de uma natureza contrária
teriam se repelido, como a água e o azeite. Só esse fato bastaria para demonstrar
que havia outras condições a preencher. É, pois, um erro dos mais graves, e podemos
dizer dos mais funestos, o de não ver na ação magnética senão uma simples emissão
fluídica, sem ter em conta da qualidade íntima dos fluidos. Na maioria dos casos, o sucesso
repousa inteiramente sobre essas qualidades, como na terapêutica depende da
qualidade do medicamento. Não saberíamos muito chamar a atenção sobre este ponto
capital, demonstrado, ao mesmo tempo, pela lógica e pela experiência.
Para combater a influência da doutrina do magnetizador que, já, tinha influído sobre
as idéias da enferma, dissemos a esta: "Minha filha, tende confiança em Deus; olhai ao
vosso redor; não vedes os bons Espíritos? - É verdade, disse ela; vejo-os luminosos, que
Frédégonde não ousa olhar. - Pois bem! esses são aqueles que vos protegem e que não
permitirão que o mau Espírito tenha o poder; implorai a sua assistência; orai com fervor;
orai sobretudo para Frédégonde. -Oh! para isso, jamais o poderei. - Guardai-vos! vereis
com essa palavra os bons Espíritos se afastarem. Se quereis sua proteção, é preciso merecê-
la por vossos bons sentimentos, em vos esforçando sobretudo em ser melhor do que
vosso inimigo. Como quereis que vos sustentem, se não vaieis mais do que ele? Pensai
que, em outras existências, tivestes também censura a vos fazer; o que vos chega é uma
expiação; se quereis fazê-la cessar, é preciso vos melhorar, e para provar as vossas boas
intenções, é preciso começar por vos mostrar boa e caridosa para com o vosso inimigo. A
própria Frédégonde com isso será tocada, e talvez fareis entrar o arrependimento em seu
coração. Refleti. - Eu o farei. -Fazei-o em seguida, e dizei comigo: "Meu Deus, eu perdôo
a Frédégonde o mal que ela me fez; eu a aceito como uma prova e uma expiação que
mereci; perdoai minhas próprias faltas, como lhe perdôo as suas; e vós, bons Espíritos
que me cereais, abri seu coração a melhores sentimentos, e dai-me a força que me falta.
Prometeis orar todos os dias por ela? - Eu o prometo. - Está bem; de meu lado vou me
ocupar convosco e dela; tende confiança. -Oh! obrigado! alguma coisa me diz que isto vai
logo acabar."
Tendo dado conta desta cena à Sociedade, as instruções seguintes ali foram dadas
a este respeito:
"O assunto do qual vos ocupais emocionou os próprios bons Espíritos que querem,
ao seu turno, vir em ajuda a essa jovem com os seus conselhos. Ela apresenta um caso
de obsessão, com efeito muito grave, e entre aqueles que tendes visto, e que vereis ainda,
pode-se colocar este no número dos mais importantes, dos mais sérios, e sobretudo
dos mais interessantes pelas particularidades instrutivas que já apresentou e que vos oferecerá
de novo.
"Como já vos disse, esses casos de obsessão se renovarão freqüentemente, e fornecerão
dois assuntos distintos de utilidade, para vós primeiro, e para aqueles que o sofrerão
em seguida.
"Para vós primeiro, naquilo que, do mesmo modo que vários eclesiásticos contribuíram
poderosamente para difundir o Espiritismo entre aqueles que lhe eram perfeitamente
estranhos, do mesmo modo também esses obsidiados, cujo número se tornará bastante
importante para que deles não se ocupe de maneira não superficial, mas grande e profunda,
abrirão bastante as portas da ciência para que a filosofia espírita possa com eles
nela penetrar, e ocupar, entre as pessoas de ciência e os médicos de todos os sistemas,
o lugar ao qual tem direito.
"Para eles em seguida, naquilo que, no estado de Espírito, antes de se encarnarem
entre vós aceitaram essa luta que lhes proporciona a possessão que sofrem, tendo em
vista o seu adiantamento, e essa luta, crede-o bem, faz cruelmente sofrer seu próprio Espírito
que, quando seu corpo, de algum modo, não é mais seu, tem perfeitamente consciência
do que se passa. Segundo terão suportado essa prova, da qual podeis abreviar-lhes
poderosamente a duração por vossas preces, terão progredido mais ou menos; porque,
estejais disto certos, apesar dessa possessão, sempre momentânea, guardam uma suficiente
consciência de si mesmos para discernir a causa e a natureza de sua obsessão.
"Para aquela que vos ocupa, um conselho é necessário. As magnetizações que lhe
faz suportar o Espírito encarnado do qual lhe falastes, são funestas sob todos os aspectos.
Esse Espírito é sistemático; e que sistema! Aquele que não relaciona todas as suas
ações à maior glória de Deus, que tira a vaidade das faculdades que lhe foram concedidas,
será sempre confundido; os presunçosos serão rebaixados, neste mundo, freqüentemente,
infalivelmente no outro. Tratai, pois, meu caro Kardec, que essas magnetizações
cessem completamente, ou os inconvenientes mais graves resultarão de sua continuação,
não só para a jovem, mas ainda para o imprudente que pensa ter sob suas ordens todos
os Espíritos das trevas e os comandar como senhor.
"Vereis, digo, esses casos de possessão e de obsessão se desenvolverem durante
um certo período de tempo, porque são úteis ao progresso da ciência e do Espiritismo;
será por aí que os médicos e os sábios abrirão, enfim, os olhos e aprenderão que há enfermidades
cujas causas não estão na matéria, e que não devem ser tratadas pela matéria.
Esses casos de possessão, igualmente, vão abrir ao magnetismo horizontes totalmente
novos e levá-lo a dar grande passo adiante pelo estudo, até o presente tão imperfeito,
dos fluidos; com a ajuda desses novos conhecimentos, e pela sua aliança íntima com o
Espiritismo, obterá as maiores coisas; infelizmente, no magnetismo, como na medicina,
haverá por muito tempo ainda homens que crerão não terem mais nada a aprender. Essas
obsessões freqüentes terão também um lado muito bom, naquilo que sendo penetrada
pela prece e pela força moral, pode-se fazê-las cessar e adquirir o direito de expulsar
os maus Espíritos, cada um procurará, pela melhoria de sua conduta, adquirir esse direito
que o Espírito de Verdade, que dirige este globo, conferirá quando for merecido. Tende fé
e confiança em Deus, que não permite que se sofra inutilmente e sem motivo."
HAHNEMANN (Médium, Sr. Albert).
"Serei breve. Será muito fácil curar essa infeliz possessa; os meios para isto estão
implicitamente contidos nas reflexões que foram emitidas há pouco por Allan Kardec. É
preciso não só uma ação material e moral, mas ainda uma ação puramente espiritual. Ao
Espírito encarnado que se encontra, como Julie, em estado de possessão, é preciso um
magnetizador experimentado e perfeitamente convencido da verdade Espírita; é preciso
que seja, além disso, de uma moralidade irrepreensível e sem presunção. Mas, para agir
sobre o Espírito obsessor, é necessário a ação não menos enérgica de um bom Espírito
desencarnado. Assim, pois, dupla ação: ação terrestre, ação extraterrena; encarnado sobre
encarnado, desencarnado sobre desencarnado; eis a lei. Se até esta hora essa ação
não foi cumprida, é justamente para vos levar ao estudo e à experimentação dessa interessante
questão; foi por este efeito que Julie não foi livrada mais cedo: ela deveria servir
para os vossos estudos.
"Isso nos demonstra o que tereis a fazer doravante nos casos de possessão manifesta;
é indispensável chamar em vossa ajuda
o concurso de um Espírito elevado, gozando, ao mesmo tempo, de um poder moral
e fluídico, como, por exemplo, o excelente cura d'Ars, e sabeis que podeis contar com a
assistência desse digno e santo Vianney. Além disso, nosso concurso é dado a todos aqueles
que nos chamarem em sua ajuda, com pureza do coração e fé verdadeira.
"Resumindo: Quando se magnetizar Julie, será preciso primeiro proceder pela fervorosa
evocação do cura d'Ars e de outros bons Espíritos que se comunicam habitualmente
entre vós, rogando-lhes agirem contra os maus Espíritos que perseguem essa jovem, e
que fugirão diante de suas falanges luminosas. Não é preciso esquecer, não mais, que a
prece coletiva tem um poder muito grande, quando é feita por um certo número de pessoas
agindo de acordo, com fé viva e um desejo ardente de aliviar."
ERASTO (Médium, Sr. d'Ambel)
Estas instruções foram seguidas; vários membros da Sociedade se entenderam para
agir pela prece em condições desejadas. Um ponto essencial era levar o Espírito obsessor
a se emendar, o que deveria, necessariamente, facilitar a cura. Foi o que se fez evocando-
o e dando-lhe conselhos; prometeu não mais atormentar a senhorita Julie, e teve
palavra. Um de nossos colegas foi especialmente encarregado, por seu guia espiritual, de
sua educação moral, e ocorreu de nisso ser satisfeito. Esse Espírito, hoje, trabalha seriamente
pela sua melhoria e pede uma nova encarnação para expiar e reparar suas faltas.
A importância do ensino que decorre deste fato e das observações às quais deu lugar,
não escapará a ninguém, e cada um nele poderá haurir muitas instruções segundo a
ocorrência. Uma nota essencial que esse fato permitiu constatar, e que se compreenderá
sem dificuldade, é a influência do bem. É muito evidente que se a companhia secunda por
uma comunidade de vista, de intenção e de ação, o enfermo se encontra numa espécie
de atmosfera homogênea de fluidos benfazejos, o que deve, necessariamente, facilitar e
apressar o sucesso; mas se houver desacordo, oposição; se cada um quer agir à sua
maneira, disso resulta desacordos, correntes contrárias que paralisar forçosamente, e às
vezes anulam, os esforços tentados para a cura. Os eflúvios fluídicos, que constituem a
atmosfera moral, se são maus, são também funestos a certos indivíduos quanto as exalações
das regiões pantanosas.
_________________
CONVERSAS DE ALÉM-TÚMULO.
Frédégonde
Damos a seguir as duas evocações do Espírito de Frédégonde, feitas na Sociedade,
com um mês de intervalo, e que formam o complemento dos dois precedentes artigos sobre
a possessão da senhorita Julie. Esse Espírito não se manifestou com sinais de violência,
mas escrevia com uma dificuldade muito grande e cansava extremamente o médium,
que com isso ficava mesmo indisposto, e cujas faculdades pareciam, de alguma sorte,
paralisá-las. Na previsão desse resultado, tivemos o cuidado de não confiar essa evocação
a um médium muito delicado.
Numa outra circunstância, um Espírito, interrogado à conta deste, dissera que, há
muito tempo procurava se reencarnar, mas que isso não lhe fora permitido, porque seu
objetivo não era ainda de se melhorar, sendo seu objetivo, ao contrário, de ter mais facilidade
para fazer o mal, com a ajuda de um corpo material. De tais disposições deviam tornar
sua conversa muito difícil; ela não o foi, no entanto, tanto quanto se poderia temê-lo,
graças, sem dúvida, ao concurso benevolente de todas as pessoas que nisso participaram,
e talvez também porque tinha chegado o tempo em que esse Espírito deveria entrar
no caminho do arrependimento.
(16 de outubro de 1863 - Médium, Sr. Leymarie.)
1. Evocação. - Resp. Não sou Frédégonde; que quereis de mim?
2. Quem sois, pois? - R Um Espírito que sofre.
3. Uma vez que sofreis, deveis desejar não mais sofrer; nós vos assistiremos, porque
nos compadecemos com todos aqueles que sofrem neste mundo e no outro; mas é
preciso que nos secundeis, e, para isso, é preciso que oreis. - R. Eu vos agradeço por
isso, mas não posso orar.
4. Vamos orar, isto vos ajudará; tende confiança na bondade de Deus, que perdoa
sempre àquele que se arrepende .-R Creio em vós; orai, orai; talvez eu possa me converter.
5. Mas não basta que oremos, é preciso orar de vosso lado. - R Eu quis orar, e não
pude; agora vou tentar com a vossa ajuda.
6. Dizei conosco: Meu Deus, perdoai-me, porque pequei; arrependo-me do mal
que fiz. - R Eu o digo; depois.
7. Isso não basta; é necessário escrever. - R Meu.... (Aqui o Espírito não pôde escrever
a palavra Deus; não foi senão depois de forte encorajamento que chegou a terminar
a frase, de maneira irregular e pouco legível.)
8. Não é preciso dizer isso pela forma; é necessário pensá-lo, e tomar a resolução
de não mais fazer o mal, e vereis que logo estareis aliviada. - R Vou orar.
9. Se orastes sinceramente, com isso não vos sentis melhor? - R Oh! sim!
10. Agora, dai-nos alguns detalhes sobre a vossa vida e as causas de vossa obstinação
contra Julie?- R Mais tarde... direi.... mas não posso hoje.
11. Prometeis deixar Julie em repouso? O mal que lhe fazeis recai sobre vós e aumenta
os vossos sofrimentos. - R Sim, mas sou impelida por outros Espíritos piores do
que eu.
12. É uma desculpa má que dais aí para vos desculpar; em todos os casos, deveis
ter uma vontade, e com a vontade pode-se sempre resistir às más sugestões.— R Se eu
tivesse a vontade, não sofreria; sou punido porque não soube resistir.
13. Isso mostraríeis, no entanto, bastante para atormentar Julie; mas vindes de tomar
boas resoluções, vos convidamos a persistir nisso, e pediremos aos bons Espíritos
para vos secundarem.
Nota.-Durante esta evocação, um outro médium obtinha de seu guia espiritual uma
comunicação contendo, entre outras coisas, o que se segue: "Não vos inquieteis com as
negações que notais nas respostas deste Espírito: sua idéia fixa de se reencarnar fá-lo
repelir toda solidariedade com o seu passado, se bem que não lhe suporta senão muito
os efeitos. Ela é bem aquela que foi nomeada, mas não quer convir nisso consigo mesma."
(13 de novembro de 1863.)
14. Evocação. - R. Estou pronta para responder.
15. Tendes persistido na boa resolução em que estáveis na última vez? - R Sim.
16. Como vos achastes com isso? - R Muito bem, porque orei e estou mais calma,
bem mais feliz.
17. Com efeito, sabemos que Julie não foi mais atormentada. Uma vez que podeis
vos comunicar mais facilmente, quereis nos dizer porque vos obstinastes junto dela? - R
Estive esquecida durante séculos, e desejava que a maldição que cobre meu nome cessasse
um pouco, a fim de que uma prece, uma só, viesse me consolar. Oro, creio em
Deus; agora posso pronunciar o seu nome, e certamente é mais do que não poderia esperar
do benefício que podeis me conceder,
Nota. - No intervalo da primeira para a segunda evocação, o Espírito era chamado
todos os dias por aquele de nossos colegas que foi encarregado de instruí-lo. Um fato
positivo é que, a partir desse momento, a senhorita Julie deixou de ser atormentada.
18. É muito duvidoso que apenas o desejo de obter uma prece tenha sido o móvel
que vos levou a atormentar aquela jovem; quereis, sem dúvida, ainda procurar encobrir
vossos erros; em todo o caso, era um meio mau de atrair sobre vós a compaixão dos homens.
- R. No entanto, se não tivesse atormentado muito Julie, não ferieis pensado em
mim, e eu não teria saído do miserável estado em que me arrastava. Disso resultou uma
instrução para vós e um grande bem para mim, uma vez que me abristes os olhos.
19. (Ao guia do médium.) É bem Frédégonde que dá esta resposta? - R. Sim, é ela,
um pouco ajudada, é verdade, porque está humilhada; mas este Espírito é muito mais
avançado do que não credes; é-lhe preciso o progresso moral com o qual a ajudais a dar
o primeiro passo. Ela não vos disse que Julie tirará um grande proveito daquilo que se
passou para o seu adiantamento pessoal.
20. (A Frédégonde.) A senhorita Julie vivia em vosso tempo, e poderíeis nos dizer o
que ela era? - R. Sim; era uma de minhas damas de companhia, chamada Hildegarde;
uma alma sofredora e resignada que fez a minha vontade; sofreu a pena de seus serviços
muito humildes e muito complacentes a meu respeito.
2,1. Desejais uma nova encarnação? - R . Sim, eu a desejo. Ó meu Deus! sofri mil
torturas, e se tenho merecido uma pena justa, ai de mim! é tempo que eu possa, com a
ajuda de vossas preces, recomeçar uma existência melhor, a fim de me lavar de minhas
antigas sujeiras. Deus é justo; orai por mim. Até este dia, eu tinha desconhecido toda a
extensão de minha pena; tinha como a vertigem; mas no presente vejo, compreendo, desejo
o perdão do Senhor com o de minhas vítimas. Meu Deus, quanto é doce o perdão!
22. Dizei alguma coisa de Brunehaut! - R. BrunehautL. Esse nome me dá vertigem....
Ela é a grande falta da minha vida, e senti meu velho ódio despertar a esse nome!...
Mas meu Deus me perdoará, e poderei doravante escrever este nome sem tremer.
Mais feliz do que eu, ela está reencarnada pela segunda vez, e cumpre um papel que eu
desejo, o de uma irmã de caridade.
23. Estamos felizes com a vossa mudança, para isso vos encorajamos, vos sustentamos
com as nossas preces. - R. Obrigada! obrigada! bons Espíritos, Deus vo-lo restituirá.
Nota. - Um fato característico nos maus Espíritos é a impossibilidade em que estão,
freqüentemente, de pronunciarem ou escreverem o nome de Deus. Sem dúvida, isto denota
uma natureza má, mas, ao mesmo tempo, um fundo de temor e de respeito que os
Espíritos hipócritas não têm, menos maus em aparência; estes últimos, longe de recuarem
diante do nome de Deus, dele se servem impudentemente para captar a confiança.
São eles infinitamente mais perversos e mais perigosos do que os Espíritos francamente
maus; é nesta classe que se acha a maioria dos Espíritos fascinadores, dos quais é mais
difícil de se desembaraçar do que dos outros, porque é do próprio Espírito que se apoderam
com a ajuda de uma falsa aparência de saber, de virtude ou de religião, ao passo que
os outros se apoderam do corpo. Um Espírito que, como o de Frédégonde, recua diante
do nome de Deus, está muito mais perto de sua conversão do que aqueles que se cobrem
com a máscara do bem. Ocorre o mesmo entre os homens, onde encontrareis essas
duas categorias de Espíritos encarnados.
_________________________
INAUGURAÇÃO DE VÁRIOS GRUPOS E SOCIEDADES ESPÍRITAS.
As reuniões espíritas que se formam são tão numerosas que nos seria impossível citar
todas as boas palavras que são ditas a esse respeito, e que testemunham os sentimentos
que a Doutrina estimula. O novo grupo que acaba de se formar na ilha de Oléron
é tanto mais digno de simpatia quanto o Espiritismo foi, nessas regiões, o objeto de uma
oposição bastante viva. Reportamos um dos discursos que foram pronunciados nessa
circunstância, para provar de que maneira os Espíritas respondem aos seus adversários.
DISCURSO DO PRESIDENTE DA SOCIEDADE ESPÍRITA DE MARENNES.
"Senhores e caros irmãos espíritas de Oléron,
"A extensão que o Espiritismo toma cada dia em nossas regiões, é a prova mais evidente
da impotência dos ataques dos quais é objeto; é que, assim como o disse o senhor
Alian Kardec: "De duas coisas uma, ou é um erro ou é uma verdade; se for um erro cairá
por si mesmo, como todas as utopias que não tiveram senão uma existência efêmera, e
que morreram por falta da base sólida, única que pode dar a vida; se for uma dessas
grandes verdades que, pela vontade de Deus, devem tomar lugar na história do mundo, e
marcar uma era de progresso da Humanidade, nada poderia deter-lhe a marcha."
"A experiência aí está para mostrar em qual dessas duas categorias deve estar alinhado.
A facilidade com a qual é aceito pelas massas, dizemos mais: a felicidade, a consolação,
a coragem conta a adversidade que se haure nesta crença, a rapidez inaudita de
sua propagação, não são o fato de uma idéia sem valor. O sistema mais excêntrico pode
formar seita, e agrupar ao seu redor alguns partidários; mas como uma árvore sem raízes,
se desfolha prontamente, e morre sem produzir rebentos. Ocorre assim com o Espiritismo?
Não, vós o sabeis tão bem quanto eu. Desde o seu aparecimento, não parou de
crescer, apesar dos ataques de que foi objeto, e hoje plantou sua bandeira sobre todos os
pontos do globo; seus partidários contam-se por milhões; e considerando-se o caminho
que fez há dez anos, pode-se julgar o que ele será em dez anos daqui, tanto mais quanto
os obstáculos se aplainam, à medida que ele avança, e que o número de seus adeptos
aumenta. Pode-se, pois, dizer, com o Sr. Allan Kardec, que hoje o Espiritismo é um fato
realizado; a árvore tomou raiz; não lhe resta mais senão desenvolver-se, e tudo concorre
para lhe ser favorável; porque, apesar de algumas borrascas, o vento está para o Espiritismo;
seria preciso ser cego para não reconhecê-lo.
"Uma circunstância contribuiu poderosamente para a sua extensão, é que não é exclusivo
de alguma religião; sua divisa: Fora da caridade não há salvação pertence a todas;
ao mesmo tempo, é a bandeira da tolerância, da união e da fraternidade, ao redor da
qual todo o mundo pode se unir sem renunciar à sua crença particular. Começa-se a
compreender que é uma garantia de segurança para a sociedade. Quanto a mim, caros
irmãos, vou mais longe, e penso que sois de minha opinião quando digo: Quando todos
os povos tiverem inscrito sobre a sua bandeira: Fora da caridade não há salvação, a paz
do mundo estará assegurada, e todos os povos viverão como irmãos. Não é senão um
belo sonho? Não, senhores, é a promessa feita pelo Cristo, e estamos no tempo de seu
cumprimento.
"Que somos, nós outros, no grande movimento que se opera? Somos obscuros trabalhadores
que trazemos a nossa pedra ao edifício, mas quando milhões de operários
tiverem trazido milhões de pedras, o edifício será terminado. Trabalhemos, pois, com zelo
e perseverança, sem nos desencorajar pela pequenez do sulco que traçamos, uma vez
que numerosos sulcos se traçam ao nosso redor. Permiti-me uma comparação material,
mas que responde a este pensamento. No começo das estradas de ferro, cada pequena
localidade quis ter a sua parte; cada uma dessas partes era pouca coisa em si mesma,
mas quando todas foram reunidas, teve-se essa imensa rede que cobre hoje o mundo e
abaixa as barreiras dos povos. As estradas de ferro fizeram cair as barreiras materiais; a
palavra de ordem: Fora da caridade não há salvação fará cair as barreiras morais; sobretudo,
fará cessar o antagonismo religioso, porque então Judeus, Católicos, Protestantes,
Muçulmanos, se estenderão as mãos, adorando, cada um à sua maneira, o único Deus
de misericórdia e de paz que é o mesmo para todos.
"O objetivo é grande, como o vedes, senhores e caros irmãos; restar-nos-ia a examinar
a organização de nossa pequena esfera, para dela fazer uma organização útil do
conjunto. Para isso, nossa tarefa se tornou fácil pelas instruções que encontramos nas
obras de nosso chefe venerado, tornadas, pode-se dizer, as obras clássicas da Doutrina.
Seguindo-as pontualmente, estamos certos de não nos desviarmos num falso caminho,
porque essas instruções são o fruto da experiência. Que cada um de nós medite, pois,
com cuidado essas obras, e nelas encontraremos tudo o que nos é necessário; aliás, disto
estou seguro, o apoio e os conselhos do mestre jamais nos faltarão. Não é permitido a
nenhum de nós esquecer que, se a esperança e a fé reentraram na maioria de nossos
corações, se muitos dentre nós foram arrancados ao materialismo e à incredulidade, devemos
à sua coragem perseverante, ao seu zelo, que nem as calúnias, nem as diatribes,
nem os ataques de todas as espécies não abalaram. O primeiro soube compreender a
importância imensa do Espiritismo, e desde então tudo sacrificou para difundir-lhe os benefícios
entre seus irmãos da Terra. Dizemos-lhe: evidentemente, foi escolhido para esse
grande apostolado, porque é impossível desconhecer que cumpre uma missão moralizadora
entre nós. Proponho-vos, senhores, votar-lhe os agradecimentos que todos os verdadeiros
e sinceros Espíritas lhe devemos. Pecamos a Deus, ao mesmo tempo, continuar
a sustentá-lo numa empresa que é o único que está à altura de fazer frutificar completamente.
"Algumas palavras ainda, senhores, sobre o caráter desta reunião. A máxima que
nos serve de guia é de natureza a tranqüilizar aqueles que o nome do Espiritismo poderia
assustar. O que se pode, com efeito, temer de pessoas que fazem do princípio da caridade
para todos, amigos e inimigos, a regra de sua conduta? E esse princípio é para nós tão
sério, que dele nos fazemos a condição expressa de nossa salvação. Não é a melhor garantia
que poderíamos dar de nossas intenções pacíficas? Quem poderia, pois, ver com
mau olhar, mesmo entre aqueles que não partilham nossas crenças, pessoas que não
pregam senão a tolerância, a união e a concórdia, e cujo único objetivo é conduzir a Deus
aqueles que dele se afastam, de combater o materialismo e a incredulidade que invadem
a sociedade e a ameaçam em seus fundamentos?
"Dirijamo-nos, pois, àqueles que não crêem, e o campo a colher é bastante vasto,
assim como o disse o senhor Allan Kardec; em virtude mesmo do princípio da caridade
que nos serve de guia, guardemo-nos de ir perturbar qualquer consciência; acolhamos
como irmãos aqueles que vêm a nós, e não procuremos constranger ninguém em sua fé
religiosa. Não viemos elevar altar contra altar, mas elevá-lo onde não o havia. Aqueles
que acharem os nossos princípios bons, o adotarão; aqueles que os acharem maus, os
deixarão de lado, e por isso não os consideraremos menos como irmãos; se nos atiram
uma pedra, pediremos a Deus perdoar-lhes sua falta de caridade, e chamá-los ao Evangelho
e ao exemplo de Jesus Cristo, Nosso Senhor, que orou por seus carrascos.
"Oremos, pois, também, caros irmãos, a fim de que Deus se digne estender sobre
nós a sua misericórdia, e nos perdoar nossas faltas, como perdoamos àqueles que nos
desejam o mal. Digamos todos, do fundo do coração:
"Senhor, Deus Todo-Poderoso, que vedes no fundo das almas e vedes a pureza de
nossas intenções, dignai-vos nos sustentar em nossa obra, e protegei o nosso chefe; dainos
a força de suportar com coragem e resignação, e como provas para a nossa fé e nossa
perseverança, as misérias que a malevolência poderia nos suscitar; fazei que, a exemplo
dos primeiros mártires cristãos, estejamos prontos a todos os sacrifícios para vos provar
a nossa submissão à vossa santa vontade. Que são, aliás, os sacrifícios dos bens
deste mundo quando se tem, como devem tê-lo todos os Espíritas sinceros, a certeza dos
bens imperecíveis da vida futura! Fazei, Senhor, que as preocupações da vida terrestre
não nos desviem do caminho santo no qual nos haveis conduzido, e dignai-nos enviar os
bons Espíritos para nos manterem no caminho do bem; que a caridade, que é a vossa lei
e a nossa, nos torne indulgentes para com as faltas de nossos irmãos; que ela abafe em
nós todo sentimento de orgulho, de ódio, de inveja e de ciúme, e nos torne bons e benevolentes
para todo o mundo, a fim de que preguemos pelos exemplos tanto quanto pelas
palavras."
Estando reunidos, nessa ocasião, os delegados de diversos grupos das localidades
vizinhas, aos seus novos irmãos em crença; vários outros discursos foram pronunciados,
que todos testemunhando e um perfeito acordo de um verdadeiro espírito do Espiritismo;
lamentamos que a falta de espaço não nos permita citá-los, assim como uma notável comunicação
obtida nessa sessão, assinada por François-Nicolas Madeleine, que traça em
termos simples e tocantes os deveres do verdadeiro Espírita.
Em Lyon, um novo grupo acaba de se formar em condições especiais, que merecem
ser assinaladas, como encorajamento e bom exemplo. Essa reunião tem um duplo objetivo:
a instrução e a beneficência. Sob o aspecto da instrução, propõe-se fazer uma parte
menor do que se não o faz, geralmente, nas comunicações medianímicas, e disso fazer,
em compensação, uma maior às instruções orais, tendo em vista desenvolver e explicar
os princípios do Espiritismo. Sob o aspecto da beneficência, a nova sociedade se propõe
vir em ajuda às pessoas necessitadas, por doações em natureza de objetos usuais, tais
como roupa branca, vestuário, etc. Além disso do que poderia recolher, as senhoras que
dela tomam parte fornecem seu contingente por seus trabalhos pessoais para a confecção,
e para as visitas aos pobres enfermos. Um dos membros dessa sociedade nos escreveu
a esse respeito: "Graças ao zelo da senhora G..., Lyon vai logo contar com uma
reunião espírita a mais. Essa reunião alcançará o objetivo a que se propôs? Será o futuro
que isso decidirá. Se ela é pouco numerosa ainda, encerra pelo menos elementos devotados,
cheios de fé e de caridade. Podemos fracassar em nosso empreendimento, mas
nossas intenções ao menos são boas; nos bastará que a sociedade de Paris, sob a égide
da qual nos colocamos, nos aprove e nos ajude com seus conselhos, para que perseveremos
com a ajuda de seu apoio moral."
Este apoio não faltará jamais a toda obra fundada segundo o verdadeiro espírito do
Espiritismo, e que tem por objetivo a realização do bem. A Sociedade de Paris é sempre
feliz de ver a Doutrina levar bons frutos; não declinará de toda solidariedade senão a respeito
dos grupos ou sociedades que, desconhecendo o princípio de caridade e de fraternidade
sem o qual não há verdadeiros Espíritas, veriam as outras reuniões com mau olho,
lançando-lhes a pedra ou procurando denegri-las sob um pretexto qualquer. A caridade e
a fraternidade se reconhecem por suas obras e não por palavras; é uma medida de apreciação
que não pode enganar senão àqueles que se cegam quanto ao seu próprio mérito,
mas não os terceiros desinteressados; é a pedra de toque pela qual se reconhece a sinceridade
dos sentimentos; e quando se fala em caridade, em Espiritismo, sabe-se de que
não se trata somente daquela que dá, mas também e sobretudo daquela que esquece e
perdoa, que é benevolente e indulgente, que repudia todo sentimento de ciúme e de rancor.
Toda reunião espírita que não estivesse fundada sobre o princípio da verdadeira caridade,
seria mais nociva do que útil à causa, porque tenderia a dividir em lugar de reunir;
levaria, aliás, em si mesma, o seu elemento destruidor. Nossas simpatias pessoais serão,
pois, sempre adquiridas de todas aquelas que provarem, por seus atos, o bom espírito
que as anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem.
No próximo número, falaremos das novas sociedades espíritas de Bruxelas, de Turim
e de Smyrna, que se colocam igualmente sob o patrocínio da Sociedade de Paris.
_________________
PERGUNTAS E PROBLEMAS.
Progresso nas primeiras encarnações.
Pergunta. Duas almas, criadas simples e ignorantes, não conhecem nem o bem nem
o mal, vindo sobre e Terra. Se, numa primeira existência, uma segue o caminho do bem e
a outra o do mal, como é, de alguma sorte, o acaso que as conduz, não merecem nem
punição nem recompensa. Essa primeira viagem terrestre não deve ter servido senão a
dar, a cada uma, a consciência de sua existência, consciência que não tinha de início.
Para ser lógico, seria preciso admitir que as punições e as recompensas não começam a
ser infligidas, ou concedidas, senão a partir da segunda encarnação, quando os Espíritos
sabem distinguir o bem dentre o mal, experiência que lhes falta em sua criação, mas que
adquiriram por meio de sua primeira encarnação. Esta opinião é fundada?
Resposta. Embora esta questão já esteja resolvida pela Doutrina Espírita, vamos
respondê-la para a instrução de todos.
Ignoramos absolutamente em quais condições são as primeiras encarnações da alma;
é um desses princípios das coisas que estão nos segredos de Deus. Sabemos somente
que elas são criadas simples e ignorantes, tendo todas assim um mesmo ponto de
partida, o que está conforme à justiça; o que sabemos ainda, é que o livre arbítrio não se
desenvolve senão pouco a pouco e depois de numerosas evoluções na vida corpórea.
Não é, pois, nem depois da primeira, nem depois da segunda encarnação que a alma tem
uma consciência bastante limpa de si mesma, para ser responsável por seus atos; não é
talvez senão depois da centésima, talvez da milésima; ocorre o mesmo com a criança que
não goza da plenitude das suas faculdades nem um, nem dois dias depois de seu nascimento,
mas depois dos anos. E ainda, então que a alma goza de seu livre arbítrio, a responsabilidade
cresce em razão do desenvolvimento de sua inteligência; assim é, por exemplo,
que um selvagem que come seus semelhantes é menos punido do que o homem
civilizado, que comete uma simples injustiça. Nossos selvagens, sem dúvida, estão muito
atrasados com relação a nós, e, no entanto, estão muito longe de seu ponto de partida.
Durante longos períodos, a alma encarnada está submetida à influência exclusiva dos
instintos de conservação; pouco a pouco esses instintos se transformam em instintos inteligentes,
ou, para melhor dizer, se equilibram com a inteligência; mais tarde, e sempre
gradualmente, a inteligência domina os instintos; é então somente que começa a responsabilidade
séria.
O autor da pergunta comete, além disso, dois erros graves: o primeiro é admitir que
o acaso decide do bom ou do mau caminho que o Espírito segue em seu princípio. Se
houvesse acaso ou fatalidade, toda responsabilidade seria injusta. Como dissemos, o Espírito
está, durante numerosas encarnações, num estado inconsciente; a luz da inteligência
não se faz senão pouco a pouco, e a responsabilidade real não começa senão quando
o Espírito age livremente e com conhecimento de causa.
O segundo erro é admitir que as primeiras encarnações humanas têm lugar sobre a
Terra. A Terra foi, mas não é mais um mundo primitivo; os seres humanos mais atrasados
que se acham sobre a sua superfície já despojaram os primeiros cueiros da encarnação,
e nossos selvagens estão em progresso comparativamente ao que tinham antes de seu
Espírito vir se encarnar sobre este globo. Que se julgue agora no número de existências
que são necessárias a esses selvagens para transporem todos os graus que os separam
da civilização mais avançada; todos esses graus intermediários se encontram sobre a
Terra sem solução de continuidade, e pode-se segui-los observando-se as nuanças que
distinguem os diferentes povos; não há senão o começo e o fim que aqui não se encontram;
o começo se perde para nós nas profundezas do passado, que não nos é dado penetrar.
Isto, de resto, pouco nos importa, uma vez que este conhecimento não nos adiantaria
em nada. Nós não somos perfeitos, eis o que é positivo; sabemos que as nossas
imperfeições são os nossos únicos obstáculos para a nossa felicidade futura, estudemonos,
pois, a fim de nos aperfeiçoarmos. No ponto onde estamos, a inteligência está bas19
tante desenvolvida para permitir ao homem julgar sadiamente o bem e o mal, e é neste
ponto também que sua responsabilidade está mais empenhada; porque não se pode mais
dizer dele o que disse Jesus: "Perdoai-lhes, Senhor, porque não sabem o que fazem."

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