AMADOS:
Quando o homem conheceu algo, libera-se disso. E quando o homem chegou a conhecer
algo, é capaz de triunfar sobre isso. Nosso fracasso e nossa derrota só se devem a
nossa ignorância. A derrota se deve à escuridão: quando há luz, a derrota é impossível:
a luz se converte em vitória.
O primeiro que queria lhes dizer da morte é que não há maior mentira que a
morte. Mas, contudo, a morte parece verdadeira. Não só parece verdadeira, mas
também parece, inclusive, que é a verdade cardeal da vida: parece que toda a vida está
ordenada pela morte. Embora a esqueçamos, ou embora não a tenhamos em conta, a
morte segue estando perto de nós por toda parte. A morte está até mais perto de nós
que nossa sombra.
estruturamos nossas mesmas vistas a partir de nosso medo à morte. O medo à
morte criou a sociedade, a nação, a família e os amigos. O medo à morte tem feito
perseguir o dinheiro e nos tem feito ambicionar posições sociais mais elevadas. E o mais
surpreendente é que nossos deuses e nossos templos também surgiram que medo à
morte. Por medo à morte, há pessoas que rezam de joelhos. Por medo à morte, há
pessoas que rezam a Deus com as mãos unidas e elevadas para o céu. E nada mais
falso que a morte. Por isso, qualquer sistema de vida que tenhamos criado acreditando
que a morte é verdadeira se converteu em falso.
Como conhecemos a falsidade da morte? Como podemos saber que não há
morte? Enquanto não saibamos, não perderemos o medo à morte, nossas vidas seguirão
sendo falsas. Enquanto exista o medo à morte, não poderá haver vida autêntica.
Enquanto tremamos de medo para a morte, não poderemos aprovisionar a capacidade de
viver nossas vidas. Só podem viver aqueles para os que a sombra da morte desapareceu
para sempre. Como poderá viver uma mente assustada e tremente? E Como é possível
viver quando parece que a morte se aproxima de cada instante? Como podemos viver?
Por muito que deixemos de ter em conta a morte, nunca a esquecemos de tudo.
Não importa que levemos o cemitério aos subúrbios da cidade: a morte segue nos
mostrando seu rosto. Todos os dias morre alguém; todos os dias se apresenta em
alguma parte a morte e faz tremer os alicerces mesmos de nossas vidas.
Quando vemos que se produz a morte, somos conscientes de nossa própria
morte. Quando choramos a morte de alguém, não só nos faz chorar a morte dessa
pessoa, mas também também a lembrança renovada da nossa própria. Não só sentimos
dor e pena pela morte de outra pessoa, mas sim pela possibilidade aparente da nossa
própria. Toda morte que acontece é, ao mesmo tempo, nossa própria morte. E Como
podemos viver, enquanto sigamos rodeados da morte? Viver desta forma é impossível.
Assim não podemos conhecer o que é a vida: nem sua alegria, nem sua beleza, nem sua
bênção. Assim não podemos alcançar o templo de Deus, a verdade suprema da vida.
Os templos que se criaram por medo à morte não são os templos de Deus. As
orações que se composto por medo à morte tampouco são orações dirigidas a Deus. Só
o que está cheio da alegria da vida alcança o templo de Deus. O reino de Deus está
cheio de alegria e de beleza, e os sinos do templo de Deus só repicam para os que estão
liberados dos temores de todo tipo, para os que se tiraram de cima todos os medos.
Isto faz parecer difícil, dado que nós gostamos de viver com medo. Mas isto não
é possível: só pode ser verdadeira uma das duas coisas. Recordem: se a vida for
verdadeira, então a morte não pode ser verdadeira; e se a morte é verdadeira, então a
vida não será mais que um sonho, uma mentira: então a vida não pode ser verdadeira.
As duas coisas não podem existir simultaneamente. Mas aferramos às duas coisas de
uma vez. Temos a sensação de que estamos vivos e temos além disso a sensação de
que estamos mortos. ouvi falar de um faquir que vivia em um vale longínquo. Muita
gente ia visitar o para lhe fazer perguntas. Uma vez, um homem chegou ante ele e lhe
pediu que lhe explicasse algo a respeito da vida e da morte. O faquir disse:
-Convido-te a aprender sobre a vida: minha porta está aberta. Mas se quer
aprender sobre a morte deve ir a outra parte, porque eu não morri nem morrerei nunca.
Não tenho experiência com a morte. Se quer aprender sobre a morte, pergunta aos que
morreram, pergunta aos que já estão mortos.
O faquir riu e seguiu dizendo:
-Mas como poderá perguntar aos que já estão mortos? E se me pede a direção de
um morto, não lhe posso dar isso Pois desde que cheguei ou seja que não posso morrer,
também sei que ninguém morre, que ninguém morreu jamais.
Mas como podemos acreditar neste faquir? Todos os dias vêem morrer a alguém;
a morte se apresenta diariamente. A morte é a verdade suprema; faz-se visível
penetrando até o centro de nosso ser. Podemos fechar os olhos, mas, por longe que
dela estejamos, segue visível. Por muito que nos dela separemos, por muito que dela
fujamos, segue nos rodeando. Como podemos demonstrar a falsidade desta verdade?
É obvio, algumas pessoas tentam demonstrar sua falsidade. Solo por seu medo à
morte, a gente acredita na imortalidade da alma: por puro medo. Não sabem: limitamse
a acreditar. Todas as manhãs, algumas pessoas se sintam em um templo ou em uma
mesquita e repetem: “Ninguém morre: a alma é imortal.” equivocam-se ao acreditar
que a alma se fará imortal pelo mero feito de repetir as palavras “a alma é imortal”. A
morte nunca se volta falsa por estas repetições: só conhecendo a morte é possível
demonstrar sua falsidade.
Recordemos que isto é muito estranho: sempre aceitamos o oposto ao que não
deixamos de repetir. Quando alguém diz que é imortal, que a alma é imortal; quando
repete isto, não faz mais que indicar que sabe, muito dentro de si, que morrerá, que terá
que morrer. Se soubesse que não tem que morrer, não teria que falar tanto da
imortalidade; só os que têm medo seguem repetindo-o. E verão que a gente teme à
morte naqueles países, naquelas sociedades que mais falam da imortalidade. Em nosso
país se fala incansavelmente da imortalidade da alma; mas há alguém na Terra que tema
à morte mais que nós? Ninguém teme à morte mais que nós! Como podemos
reconciliar estes dois extremos?
É possível que um povo que acredita na imortalidade da alma caia na escravidão?
Preferiria a morte; estaria disposto a morrer, pois saberia que não há morte. Os que
sabem que a vida é eterna, que a alma é imortal, seriam os primeiros que chegariam à
Lua! Seriam os primeiros que escalariam o Everest! Seriam os primeiros que
explorariam as profundidades do oceano Pacífico! Mas não: nós não somos desses. Nem
escalamos o Everest, nem chegamos à Lua nem exploramos as profundidades do oceano
Índico. E nós somos o povo que acredita na imortalidade da alma! Em realidade, dá-nos
tanto medo a morte que, por medo a ela, não deixamos de repetir: “A alma é imortal”. E
nos fazemos a ilusão de que, à força de repeti-lo, possivelmente se faça realidade. Nada
se faz realidade à força de repeti-lo.
Não é possível negar a morte a apóie de repetir que a morte não existe. Teremos
que conhecer a morte, teremos que nos encontrar com ela, teremos que vivê-la. Terão
que lhes familiarizar com ela. Mas, em vez disso, não deixamos de fugir da morte.
Como podemos vê-la? Quando vemos a morte, fechamos os olhos.
Quando passa um funeral pela rua, a mãe encerra em casa a seu filho e lhe diz:
“Não saia: morreu alguém”. Incineramos os cadáveres nos subúrbios dos povos para
que ninguém o veja, para que não tenhamos a morte ali mesmo, ante nossos olhos. E
se falarmos com alguém da morte, a outra pessoa nos prohíbe que toquemos esse tema.
Uma vez convivi com um sannyasin. Ele falava todos os dias da imortalidade da
alma. Eu lhe perguntei:
-Dá-te conta de que te está aproximando da morte?
Ele me respondeu:
-Não diga coisas de mau agouro. Não é bom falar dessas coisas.
Eu lhe disse:
-Se uma pessoa disser, por uma parte, que a alma é imortal, mas por outro lado
lhe parece de mau agouro falar da morte, então está confundindo-o tudo. Não deve
encontrar nada temível, nenhum mau augúrio, nada mau, em falar da morte: pois, para
ele, não há morte.
-Embora a alma é imortal, eu prefiro não falar da morte para nada –me disse ele-.
Não devemos falar de coisas tão carentes de significado e tão ameaçadoras.
Todos fazemos o mesmo: damos as costas à morte e fugimos dela.
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