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Cata-vento e passarinho
É muito difícil falar do trabalho de quem a gente gosta tanto. Manter uma certa distância, quando se quer mesmo é ficar perto. Coisas de saudade, admiração e amizade. Talvez por isso demorei a escrever sobre Um Pé de Vento (texto e ilustrações de André Neves, Projeto), que há meses acarinha os sentidos de todos aqui em casa. Ele, o livro, não aceita a estante. Está sempre de lá pra cá como folha no bico de um pardal, ou nos braços de um cata-vento. Uma hora está no quarto, outra na sala, vez em quando passeia na rua, mas sempre ao alcance dos olhos. André, é querido dos Roedores. Por isso a saudade e o cuidado descritos acima. Hoje de manhã o Mozart resolveu tocar alguns de seus Divertimentos e a casa ganhou ares de campo. Abri as janelas. Pude sentir o perfume da relva. Com o olhar distraído, nem vi quando o livro chegou aos meus braços. Mas, assim, como quem não quer nada, Mozart, André Neves, o vento e o livro pousaram e buliram com as minhas emoções.Neste livro, o autor nos oferece várias leituras. O texto, fala da menina Íris que conversa com árvore e adora girar cata-vento. Fala do encontro da menina com o menino Cristalino. Árvore, menina e menino são cúmplices desta história de amor. Amor de criança. O susto da descoberta, o prazer de estar junto e a hora de ficar sozinha. Sozinha? Não é bem assim. André tem exercitado sua prosa cheia de poesia que a cada livro fica mais bonita e cheia de surpresas. Numa segunda leitura, você percebe que não deu atenção ao tempo, ao vento... Vai descobrindo as sutilezas e o livro fica ainda mais bonito.As ilustrações são primorosas. Eu tenho paixão pelas árvores de André. Ele consegue texturas incríveis trabalhando com diferentes tecidos. Seu traço, inconfundível, ganha contornos fantásticos com riquezas de detalhes. Observe as rendas que passeiam pelo livro. Imagine o cuidado para fazer a grama com picotes de papel. Tanta beleza é de arregalar os olhos. Experimente, então, ler o livro só pelas imagens. Elas também contam uma história. Os cabelos da menina estão sempre ao sabor do vento. Do meio pro fim, André nos apronta mais uma de suas peraltices. Desde o momento em que Cristalino aparece, o menino segue acompanhado de um pássaro e a menina, de um cata-vento. Eles brincam juntos até a penúltima página. No fim, desaparecem o menino e o cata-vento. A menina Íris corre de volta pra casa na companhia do pássaro. Não está sozinha. Cristalino segue “grudado nos olhos da menina”.Este André Neves é mesmo cheio de histórias. Carrega-as consigo quase em segredo. Mas são tantas que, ora escapole uma, ora escorrega outra pela seiva da sua imaginação. Seiva porque em André o corpo é parecido com a árvore de Íris. Traz enraizadas “histórias que enchem aos poucos o coração e deixam os olhos com uma luz especial”. Somos curiosos, André. Queremos mais. E menos saudade.P.S. Nesta foto, uma noite plena de histórias na casa de outra Íris, a Borges, em novembro passado. Ana Paula, Íris, Ana Claudia Ramos, André Neves e euzinho. Tudo de bom!!!
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