quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O nome dela é BIDDY

Chapeuzinho Vermelho foi até a cabana da vovó, caiu na conversa do lobo e foi devorada. Para a sua sorte, apareceu um caçador que abriu a barriga do lobo e resgatou com vida a vovó e Chapeuzinho. O lobo? Morreu logo depois.

Foi assim que você conheceu essa história? Bem... no princípio, ela não era exatamente assim. A aventura de Chapeuzinho Vermelho vem dos contos da tradição oral, destinada aos adultos dos povoados, concebidos para o entretenimento noturno. Neste contexto, A História da Avó, compilada no século XIX, falava de uma menina que sem querer, comeu a carne e bebeu o sangue da sua avó, ficou nua a pedido do lobo, mas, ao final, deixa-o a ver navios, pois usando de esperteza, foge para sua casa. Com a publicação de Contos de Outrora em 1697, livro do francês Charles Perrault, manteve-se a essência dos contos da tradição oral porém, cortando e/ou modificando alguns elementos, censurando o que poderia chocar, dando a estas historias um ar mais popular, que chegaria a um público mais abrangente. Os contos tratavam de valores morais como gentileza, paciência, obediência e respeito. Seguindo esses preceitos, há sempre um prêmio, uma recompensa. Caso contrário, há uma punição. Quem transgride as regras se expõe ao perigo. Ao final de cada história, Perrault colocava uma moral. Neste livro estão as primeiras versões em texto de A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, Cinderela, Riquete do Topete e O Pequeno Polegar. Simplesmente uma das obras primas da literatura universal. No texto original de Perrault, a história de Chapeuzinho Vermelho acaba na hora em que ela é devorada pelo lobo. Ponto. Simples assim. A versão que descrevi no início deste texto data de 160 anos depois, e foi escrita pelos irmãos Grimm, adaptada do original francês.

Contos de Outrora pode ser encontrado numa edição recente da editora Landy com tradução de Renata Cordeiro e ilustrações do genial Gustave Doré. Estão lá todas aquelas maravilhosas histórias recolhidas em texto pela primeira vez. Há ainda uma introdução falando sobre os contos, a importância da obra e de seu criador.

Em 2007 a Companhia das das Letrinhas lançou uma edição de Chapeuzinho Vermelho com o texto original de Charles Perrault, traduzido por Rosa Freire d’Aguiar e com belíssimas ilustrações de George Hallensleben. Ao final, um bônus explica, de forma sucinta, precisa, e ricamente ilustrada, a importância deste conto, suas versões e outras curiosidades.

Se você se sente mais confortável com o final escrito pelos irmãos Grimm, a Cosac & Naify publicou Chapeuzinho Vermelho com texto recolhido da segunda edição do livro Contos Infantis e Domésticos, de 1819. A tradução para o português é de Samuel Titan Jr. Mas o que impressiona são as belíssimas ilustrações de Susanne Janssen. A artista apresenta um olhar diferente, fora dos padrões, mas de uma beleza ímpar. O único porém é que a edição, em capa dura, é muito frágil. A que temos em casa, mesmo manuseada com todo o cuidado, teve seu miolo destacado da capa logo nas primeiras leituras. Teve que sofrer uma restauração.

É claro que a história de Chapeuzinho Vermelho sofreu inúmeras adaptações. Autores do mundo inteiro apropriaram-se da menina e do lobo. Poderia fazer uma lista maior, mas quero me prender a três livros onde o conto ganha cores brasileiras.

O livro Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem do ilustrador carioca Rui de Oliveira apresenta uma versão sem açúcar, próxima das características da oralidade. Mas nem por isso é um livro só para adultos. As crianças de hoje, há muito, convivem com a violência e a sexualidade diariamente na TV. Antes de cada história, o livro apresenta o conto numa versão de Luciana Sandroni. No caso específico de Chapeuzinho Vermelho, ela mantém o final de Perrault, mas incorpora elementos da História da Avó, como o convite do lobo para que a menina tire a roupa e se deite com ele na cama. Rui impressiona com suas ilustrações em preto e branco. Encanta e assusta. Uma forma diferente de ler uma velha história.
É imprescindível falar de Fita Verde no Cabelo – Nova Velha Estória, conto de Guimarães Rosa, publicado originalmente no livro Ave, Palavra, mas que em 1992 ganhou uma edição própria da editora Nova Fronteira com ilustrações incríveis de Roger Mello. O projeto gráfico valoriza um cinza esverdeado – nunca preto. A menina e o lobo ganham um texto poético do escritor mineiro que conversa com a sensibilidade artística do ilustrador candango. Anjos barrocos, moinhos, o interior de Minas, “velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam”... tudo é novo para o universo tradicional de Chapeuzinho Vermelho. Guimarães Rosa exige do leitor um pouco mais de atenção. Suas frases nunca são óbvias. E isso é ótimo! Saia da mesmice e surpreenda-se com este livro.
Agora, para se ter uma idéia da força que esta história tem, não deixe de ler Nove Chapeuzinhos, livro de Flávio de Souza, publicado pela Companhia das Letrinhas em 2007. O autor já havia brincado com o conto no livro Que História é Essa (1995). Lá, confessa que Chapeuzinho Vermelho é a sua favorita, explica que ela não usa um chapéu e sim um capuz... por fim, revela o nome que Perrault deu a sua personagem mais famosa e que não consta em nossas traduções: BIDDY. Em Nove Chapeuzinhos, Flávio usa a mesma estrutura do conto (uma menina, sua avó e um lobo), mas oferece nove variações. As histórias se passam no período cretáceo, na Índia, na Grécia Antiga, em Pindorama, na Inglaterra da Idade Média, na Capital do Império do Brasil, no Interior de Minas Gerais e no espaço. Todas são INCRÍVEIS, e o texto sempre nos prega uma surpresa. Na Idade Média, o personagem é um menino e se chama Wiliam. Na Grécia Antiga, é Atalanta, uma heroína daqueles tempos. De cada lugar, Flávio pinça algumas curiosidades e a história fica ainda mais gostosa. Para completar, ele convidou um time de ilustradores, cada um responsável por uma versão. Estão lá Marcelo Cipis, Laurabeatriz, Florence Breton, Fernando Vilela, Marilda Castanha, Mariana Massarani, Janaina Tokitaka, Maria Eugênia e Daniel Bueno. Li tudo numa tarde. E já reli alguns contos. Para mim, é mais uma prova de que Chapeuzinho Vermelho continua a encantar crianças e adultos. Embarque nestes livros, viva essa aventura, mas, cuidado, que o lobo pode estar por perto. Hatuna Matata.

Legenda das imagens deste post:
01) Capas dos livros Contos de Outrora e de Chapeuzinho Vermelho, com detalhe de uma ilustração de George Hallensleben;
02) Capa de Chapeuzinho Vermelho versão irmãos Grimm e detalhe de ilustração de Susanne Janssen;
03) Capa do livro Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem e detalhe de ilustração de Rui de Oliveira;
04) Capa do livro Fita Verde no Cabelo e detalhe de ilustração de Roger Mello;
05) Capa do livro Nove Chapeuzinhos.

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