sexta-feira, 24 de julho de 2009

Fé E Leitura: A Literatura Espírita E O Imaginário Religioso, de Prof. Dra. Eliane Moura Silva

TRECHO:
Na segunda metade do século XIX organizou-se um movimento espiritual, filosófico e científico centrado no contato sistemático e regular com os mortos, nas manifestações conscientes dos espíritos e nos ensinamentos transmitidos por eles, articulando estas práticas de necromancia com os princípios da ciência positiva, da filosofia secularizada, do materialismo político e racional.
Foi na França, a partir de 1858, que o movimento espírita ganhou sua feição mais organizada e integrada como doutrina em expansão, codificada, segundo as instruções espirituais ditadas pelos mortos, por um francês chamado Hippolite Leon Denizard Rivail, mais conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec.
O movimento espírita colocou-se como uma revolução do pensamento de sua época. Começou como ciência do mundo espiritual, da sobrevivência espiritual após a morte, dos fenômenos sobrenaturais estudados do ponto de vista racional para tranformar-se, anos depois, num movimento filosófico-religioso específico.(1).
A teologia e a metafísica desenvolvidas pela doutrina espírita elaboraram uma nova relação entre o mundo dos vivos e o dos mortos: na interpretação espírita, os desencarnados não eram puros espíritos e sua presença constante, sentida e pressentida, podendo impressionar chapas fotográficas, marcar objetos e moldes em cêra, erguer, transportar, materializar e desmaterializar objetos em compartimentos fechados ou apresentar-se numa identidade visível à semelhança do corpo de sua existência material.
As representações dos desencarnados em formas fluidas, diáfanas e etéreas formavam imagens românticas. Expressavam uma particularidade da época na qual materialidade e fluidez podiam ser representadas em associação com a energia e a luz elétrica. Esta era a magia dos espetáculos da feérica Louie Fuller, a bailarina dos teatros da Belle Epoque com seus espetáculos de dança em jogos de luz e sombras que lhe conferiam um aspecto mágico e sobrenatural.
Explorar a morte e mundo dos espíritos transformou-se numa maneira de abordar o insondável, de alcançar uma compreensão, uma comunhão com a Natureza Universal e Eterna, apoiada na Razão Científica e no empirismo do século XIX. Era também uma sensibilidade religiosa e uma mentalidade diante da morte indicativas da vontade de comunicar com os mortos, de não interromper os afetos, as relações, de minimizar as dolorosas separações causadas pela morte, a angústia diante da finitude. O Espiritismo, portanto, foi um vasto sistema de conhecimento da sobrevivência e de práticas de comunicação com o Além, numa aliança entre religião e conhecimento científico. (2).
De um modo geral, o movimento espírita, incentivava o estudo, a aquisição de conhecimentos, o aprimoramento moral e intelectual, em suma, a transformação do Homem através da educação e da elevação espiritual. A doutrina desenvolvida pelo movimento espírita, particularmente na França, estava de acôrdo com as idéias triunfantes de progresso e da ética do trabalho, característicos da sociedade burguesa assim como dos princípios positivistas do Amor, da Ordem e do Progresso.
No espiritismo de tradição francesa kardequiana, matriz do espiritismo brasileiro desde a segunda metade do século XIX, o conceito de reencarnação e de Karma das tradições orientais e do neoplatonismo, foi renovado dentro do pensamento ocidental contemporâneo e reinterpretado em bases científicas.(3). Neste movimento é possível reconhecer o otimismo positivista e científico desta época, que reafirmou certezas racionais e o lado luminoso da sociedade, junto com o papel preponderante atribuído ao estudo e leitura.

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