Entre 1994 e 1997, Luísa Beltrão deu à estampa quatro volumes que intitulou “Uma História Privada”, respectivamente: “Os Pioneiros”; “Os Impetuosos”; “Os Bem-Aventurados” e “Os Mal-Amados”, tetralogia onde narra a história de uma família desde o início do Séc. XIX até aos nossos dias.
Iniciando com a partida de um jovem rapaz, em meados de 1800, para o Brasil em busca de uma vida melhor, Luísa Beltrão vai construindo uma narrativa poderosa e complexa, integrando-a sobremaneira nos variados acontecimentos políticos e sociais que vão surgindo. Assim, e quanto a mim um dos principais motivos de interesse desta tetralogia, acontecimentos relevantes como a Guerra Civil, a Revolução Liberal, o Constitucionalismo Setembrista, a Liderança de Costa Cabral, a Abolição da Escravatura, o Mapa cor-de-rosa, a Implantação da República, as Grandes Guerras, o Salazarismo, a vida nesse período que acabará por desencadear no 25 de Abril de 1974, época que abrange todo o 4º e último volume. Acontecimentos relatados de uma forma simples, mas pormenorizada e sobretudo relatados segundo a visão e mentalidade da época.
Embora as personagens sejam fictícias a partir do 3º volume, pois as personagens dos dois primeiros volumes são reais assentes em memórias da tia Graça, uma senhora com 100 anos, cuja mente está bem lúcida. Mas a escritora é bastante objectiva nos seus propósitos. Esta acaba por não ser uma mera história desta família, esta torna-se a História de qualquer família portuguesa, do que somos, da nossa mentalidade e do nosso destino.
Estamos perante uma reconstrução brilhante dos últimos duzentos anos da nossa História, no entanto não se pense que essa reconstrução é apenas de acontecimentos históricos.
O segundo grande motivo de interesse, é a reconstrução das mentalidades, da evolução das mesmas, sobretudo no que concerne à mulher, aliás, tenho a certeza que um dos grandes propósitos é a da expressão da evolução feminina na sociedade portuguesa, da emancipação das mulheres, até porque a maior parte dos grandes personagens desta tetralogia são, precisamente, mulheres.
A saga familiar de Luísa Beltrão é deveras tocante, contagiante e de leitura compulsiva. Facilmente deparamo-nos com situações familiares e situações que ouvimos aos nossos avós e pais. Tudo se desenrola de uma forma natural.
Os livros devoram-se com imenso prazer, ficando no fim um sentimento de saudade por termos de deixar aqueles personagens, mas e ao mesmo tempo, fica um sentimento de satisfação por termos conhecido em personagens vivas, a História recente do nosso país, dos nossos antepassados.
Uma obra-prima da literatura portuguesa, imprescindível, sem dúvida das melhores obras que li até à data e uma obra que nos ajuda a perceber quem somos e porquê o somos.
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