"Equador" marca a estreia no campo do romance do conhecido jornalista Miguel Sousa Tavares, autor de mais alguns livros de sucesso, mas todos de contos ou crónicas.
Assim, neste seu primeiro romance, por sinal, um romance histórico que obriga sempre o autor a um estudo profundo e exaustivo da época e do meio que aborda (neste caso é muito bem conseguido), Tavares situa-nos em 1905 numa sociedade portuguesa que vive, sem o saber, os últimos dias da monarquia e é dominada por um viver mundano e de aparências, onde a pequena e alta burguesia não faz outra coisa que pavonear-se e falar da vida alheia. um pouco ao estilo do "nosso" Eça.
Tendo este contexto como pano de fundo, surge-nos a personagem principal, o jovem Bernardo Valença, que tendo herdado do seu pai uma quota maioritária num negócio de navegação, vive tranquila e confortavelmente, passeando o seu charme pelos clubes, soirés de S.Carlos e reuniões de amigos onde se discute um pouco de tudo, principalmente política. E é nesta inacção camuflada que o jovem Valença escreve uns artigos de opinião sobre a escravatura que fazem furor no meio intelectual de Lisboa e é precisamente devido a esses artigos que o mesmo recebe um convite do próprio rei D.Carlos para que se desloque a Vila Viçosa, onde e depois de um faustoso almoço, o rei convida-o para ser governador de uma pequena ilha desterrada no fim do mundo, disputada por outras potências marítimas e bastante rica em cacau: S. Tomé e Príncipe.
Da história não vou revelar mais nada porque aí o interesse poderia diminuir, mas posso adiantar que ainda mete amores, interesses sujos, jogos estratégicos, um cônsul inglês e a sua jovem e bela mulher, a cena de sexo mais sensual que alguma vez li (entre outras bem quentes...), enfim, um romance na verdadeira acepção da palavra.
Quanto ao texto literário: Li algures alguém que afirmava que "Equador" estava no mesmo patamar que os "Maias" de Eça. Claro que é um exagero e um pouco herege, mas sem dúvida que faz lembrar um pouco o notável romance de Eça. Vasco Graça Moura diz na edição que possuo "há vinte anos ou mais que eu não devorava um romance português como aconteceu com Equador" e eu afirmo: "tirando o Memorial do Convento, desde o falecimento de Eça que ninguém escrevia uma estória tão cativante como o fez Miguel Sousa Tavares". Exagero? Um pouco, mas a beleza da obra não está propriamente na sua escrita, embora fluída, é simples, eficaz e reflexo da profissão do autor.
A beleza do romance está no ritmo alucinante que imprime, está nas personagens muito bem conseguidas e inesquecíveis, está na forma como trata a mulher (linda de morrer! E expressa a profunda admiração que Tavares tem pelo sexo feminino), da sensualidade e da magia que nos consegue descrever e fazer sentir, dos odores, das sensações.
Um livro admirável, profundamente comovente e de um humanismo que nos deixa estarrecidos num paraíso terrestre.
Sem dúvida um dos melhores livros que li até hoje e, sem ferir suceptibilidades, um dos melhores da literatura portuguesa. Obrigatório mesmo para quem lê 1 livro por ano.
Um romance que devorei em dois dias (relendo muitas partes) e que no fim, me deixou uma sensação de vazio e muitas saudades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário