Momentos de aqui, datado de 2001, é ainda um livro algo desequilibrado embora denote já todas as marcas orientadoras da escrita de Ondjaki. O livro está organizado em duas partes: uma primeira de pendor mais memorialista e outra mais reflexiva. Curiosamente, é a primeira que se aprofundará e ganhará uma consistência de identidade na escrita do autor. Os apontamentos acerca da família, dos amigos, ou de situações do quotidiano oscilam entre o humor e o onírico. «O padre, o mar e o faroleiro», que primeiro conto do livro, que abre «momentos» evidencia ainda a influência marcada de Mia Couto, na animização do espaço e no mistério lírico que envolve a personagem do faroleiro. Também no que concerne o léxico, pairam ainda alguns neologismos que rapidamente serão suplantados pelo grande poder desta narratividade: o ritmo oralizante do discurso de Ondjaki, que parece escorrer directamente da memória para o papel, sem qualquer mediação que limite o fluxo das emoções. Em «As muitas visitas da avó Catarina» verifica-se já o potencial desta vivência, gravada com imagens, sonoridades, cheiros ou paladares. Os sentidos ajudam a fixar o tempo e a relembrá-lo, na cadência melancólica da saudade, ou da perda irrecuperável da inocente e feliz imaginação.
O humor, por seu turno, nasce de uma necessidade de rir de si próprio como forma de identidade. A autocrítica não tem valor moral, apenas afectivo, como se o escárnio ou o sarcasmo de palavras ou comportamentos, que chegam a roçar a violência (como em «O Múrio enquanto mau tomador de comprimidos»), devessem ser aceites como uma inevitabilidade no processo de crescimento e autonomia. Até certo ponto, podemos considerar o microcosmos narrativo de Ondjaki, uma imagem para um certo desenvolvimento cosmopolita de Angola, que, cujo desenvolvimento se dá a par com a infância e adolescência da personagem principal, uma figura aproximada do autor físico.
O acto de contar sem pejo as pequenas maldades das crianças, ou o caos burocrático e social, ou a rigidez e desigualdade das regras familiares dá-lhes uma espécie de doçura distante, embora aqui ainda velada. Alguns dos recursos linguísticos utilizados, como descrições prolongadas através de perífrases ou enumerações, e a utilização de vocábulos de significação mais obtusa (científica ou filosófica) para justificar situações, ainda não conferem ao texto a fluidez dos que se lhe seguirão, mais simples, mais directos (Bom dia camaradas; Os da minha rua). Ondjaki vai ganhando essa limpidez narrativa à medida que lapida a recursividade estilística e afina o humor e a ironia num sentido cada vez mais auto-referencial, cada vez mais íntimo, cada vez mais particular. A sensibilidade destas narrativas deixa antever uma atenção ao pequeno gesto, ao símbolo eleito dentro da irrelevância de objectos, locais ou expressões semelhantes, ao ínfimo momento despercebido, que se transforma numa recordação porque é fixado, recolhido e recontado sob a perspectiva do afecto. Há muitas vezes revelações surpreendentes, crueldade nos comportamentos, mal estar. Mas também este lado negro contribui para um quadro de veracidade na palavra, mesmo que rodeada de pequenas mitografias. É ainda um livro iniciático.
O humor, por seu turno, nasce de uma necessidade de rir de si próprio como forma de identidade. A autocrítica não tem valor moral, apenas afectivo, como se o escárnio ou o sarcasmo de palavras ou comportamentos, que chegam a roçar a violência (como em «O Múrio enquanto mau tomador de comprimidos»), devessem ser aceites como uma inevitabilidade no processo de crescimento e autonomia. Até certo ponto, podemos considerar o microcosmos narrativo de Ondjaki, uma imagem para um certo desenvolvimento cosmopolita de Angola, que, cujo desenvolvimento se dá a par com a infância e adolescência da personagem principal, uma figura aproximada do autor físico.
O acto de contar sem pejo as pequenas maldades das crianças, ou o caos burocrático e social, ou a rigidez e desigualdade das regras familiares dá-lhes uma espécie de doçura distante, embora aqui ainda velada. Alguns dos recursos linguísticos utilizados, como descrições prolongadas através de perífrases ou enumerações, e a utilização de vocábulos de significação mais obtusa (científica ou filosófica) para justificar situações, ainda não conferem ao texto a fluidez dos que se lhe seguirão, mais simples, mais directos (Bom dia camaradas; Os da minha rua). Ondjaki vai ganhando essa limpidez narrativa à medida que lapida a recursividade estilística e afina o humor e a ironia num sentido cada vez mais auto-referencial, cada vez mais íntimo, cada vez mais particular. A sensibilidade destas narrativas deixa antever uma atenção ao pequeno gesto, ao símbolo eleito dentro da irrelevância de objectos, locais ou expressões semelhantes, ao ínfimo momento despercebido, que se transforma numa recordação porque é fixado, recolhido e recontado sob a perspectiva do afecto. Há muitas vezes revelações surpreendentes, crueldade nos comportamentos, mal estar. Mas também este lado negro contribui para um quadro de veracidade na palavra, mesmo que rodeada de pequenas mitografias. É ainda um livro iniciático.
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