E se vos disser que este tipo, que de certo acharão como um ser repugnante, é um agente da autoridade de Edimburgo, graduado e que até goza do estatuto de excelente pessoa em toda a comunidade, inclusive até entre os colegas?
Lindo, não é?
Pois bem, "Lixo" é o livro mais hilariante que já li e, ao mesmo tempo, um dos livros mais repugnantes, sobretudo por causa de seu personagem principal: O sargento Detective Bruce Robertson.
Irvine Welsh nasceu em Edimburgo, Escócia, em 1961. Autor de pequenos textos que foram sendo declinados por algumas editoras, vê o seu nome catapultado para a fama quando em 1994 consegue publicar o seu primeiro livro: "Trainspotting" que, e como muitos conhecem, narrava as aventuras e principalmente as desventuras de um grupo de amigos que estavam enterrados na droga.
É este o livro que torna então conhecido Welsh, a crítica louvou-lhe a forma irónica e mordaz da sua escrita, sem medos ele denunciava o submundo de Edimburgo, submundo esse, aliás, tão semelhante a tantos outros.
O seu segundo livro, "Ectasy", escrito em 1995, é um conjunto de 3 contos que se vão interligar no fim, no entanto e neste caso, Welsh assume um estilo mais duro, mais sádico e mais radical. Os contos são extremamente violentos, nojentos mesmo, e a sensação que fica é que Welsh terá ficado deslumbrado com o enorme sucesso de "Trainspotting", correndo mesmo o risco de ficar conhecido apenas por esse livro.
Até que em 1998, Irvine Welsh dá a conhecer este "Lixo", livro que, segundo a minha opinião e já li todos os livros dele, é o melhor. A escrita é fluida, parece ser um daqueles livros que nascem num momento de verdadeira inspiração. A história é mordaz, irónica, sádica e constitui uma autêntica pedrada no sistema policial escocês, pois na pele de Bruce Robertson, Welsh caracteriza, não só a sua ideia do polícia escocês, como também de todo o sistema.
Ele então desenha-nos um polícia com todos aqueles defeitos que descrevi no início, um polícia que despreza tudo e todos, negligente com o serviço e até consigo próprio, um homem que não tem qualquer respeito por ninguém.
Bruce Robertson é esse homem. Importunado por uma grande e feliz lombriga, que até nos contempla com pensamentos profundos, Bruce está preocupado com uma promoção que, aparentemente, se destina a ele. No entanto há a hipótese de ser um outro colega, então, nada melhor que lançar maldosos boatos desse colega.
Entretanto, que chatice, sucede um assassinato de um negro, em condições extremamente violenta e sádica, que vai levar com que Bruce tenha, se calhar, de adiar as suas mini férias que já havia marcado para a época natalícia, umas férias de arromba em Amesterdão, cheias de álcool, drogas e sexo.
Que se lixe o gajo assassinado, e lá vai o nosso amigo Bruce, acompanhado de um amigalhaço tótó, para Amesterdão, para uma semana de completa depravação. Todo o livro é irónico e divertido, mas nessa semana, Bruce mostra o quanto asqueroso é pois tudo faz para lixar o amigo: desde roubar-lhe dinheiro e depois emprestar-lhe esse dinheiro; parte-lhe os óculos; faz telefonemas obscenos para a mulher deste; enfim, um animal.
E entretanto quando regressa, já saciado de drogas e semi saciado de sexo...
E não conto mais!
Este é o melhor livro de Welsh, aquele onde ele exprime todo o seu especial talento.
Digo especial porque consegue colocar num só personagem todas as más facetas que um ser humano pode ter, construindo contudo, uma forma de agir que desencadeia em nós toda uma simpatia pelo personagem. Para além disso, é exímio na forma mordaz e irónica como descreve as situações e como vai narrando a história, sempre na primeira pessoa. Sente-se que a história está totalmente controlada, é coerente, tem um princípio, meio e fim, que se encaixam na perfeição.
O personagem Bruce Robertson é repugnante, desafia a própria vida, é malicioso e inteligente, maníaco pelo sexo, drogas e rock-and-roll e, sobretudo, tem imensa piada. Um homem que espelha em si próprio todos os males das sociedades contemporâneas.
Aconselho todos os livros de Irvine Welsh, sobretudo este "lixo" e "Porno" que, muitos desconhecem, é a continuação, dez anos depois, de "Trainspotting".
Penso que este livro não deverá ser muito do agrado das senhoras, dada a forma como Bruce as trata e o modo como ele as vê, mas e apartando-se disso, penso que Welsh é um dos melhores escritores da actualidade.
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