TRECHO:
Apresentação
Este é um trabalho científico, sujeito aos critérios de objetividade,
racionalidade e coerência, que fazem parte da estrutura do pensamento acadêmico,
trazendo um tema inédito para reflexão na Universidade. Apóia-se em pesquisas
sérias e exaustivas, para ter a devida consistência e figurar entre as teses bem
fundamentadas das inúmeras, que freqüentam as bancas de doutorado.
Entretanto, é mais do que pesquisa acadêmica, de um tema instigante e original.
É um trabalho existencialmente engajado.
Há uma tendência desvitalizante na universidade, sendo muitas pesquisas,
trabalhos burocráticos e mornos. Por conta do próprio modelo científico praticado
no último século, a subjetividade freqüentemente é vista como inimiga da
pesquisa. Ainda mais, no Brasil, observa-se uma exagerada reverência por
correntes e autores já consagrados oficialmente (de preferência fora do país), com
pouca reflexão pessoal do autor. Referindo-se à nossa tradição filosófica, Severino
constata que “a grande maioria de nossos pensadores desenvolve seu esforço
deixando-se guiar por algum modelo filosófico já constituído”1. Isso é ainda mais
comum entre aqueles que vão enfrentar os examinadores de uma banca de
mestrado ou doutorado.
Esta tese foge um tanto a esse esquema. Primeiro porque, existencialmente, a
Pedagogia Espírita está conectada à minha vivência desde que me conheço por
gente. Desde 2 anos de idade, tive manifestações mediúnicas espontâneas, como
visões, recordações de vidas passadas, contato com os espíritos, que se não
encontrassem a compreensão de pais espíritas e de um grande amigo da família,
José Herculano Pires, teriam me levado diretamente aos consultórios psiquiátricos.
Talvez, até hoje, como muitos casos conheço, estaria sob a dependência de
psicotrópicos, inutilizada para uma vida autônoma e produtiva. Ao invés, a
educação espírita, de que fui objeto, encarou essas manifestações com naturalidade,
1 SEVERINO, Antônio Joaquim. A filosofia contemporânea no Brasil.
Petrópolis, Vozes, 1999, p. 24.9
ensinando-me a canalizar meus dotes mediúnicos para ajudar aos outros e a mim
mesma — o que me proporciona serenidade existencial e bem-estar íntimo.
Depois, justamente porque fui criada em família espírita e, sobretudo sob a
influência de minha mãe e do Prof. Herculano, que considero meu mestre e com
quem convivi desde os 2 anos até a sua morte, quando eu tinha 16, despertou-se-
me o interesse por esse tema palpitante da Pedagogia Espírita. As reflexões
pedagógicas começaram cedo, quando tive a oportunidade de estudar por duas
vezes (dos 9 aos 11 e depois dos 15 aos 16 anos) em escolas com pedagogia
bastante avançada na Alemanha. Aos 21, ainda na faculdade de Jornalismo,
publiquei essas primeiras reflexões no livro “A Educação da Nova Era”. Então, eu
já começava a busca pela formulação de uma Pedagogia Espírita.
Em seguida, vieram os contatos e a amizade intensa e filial com Dr. Tomás
Novelino e os encontros memoráveis com o Prof. Ney Lobo, a minha dissertação
de mestrado sobre Pestalozzi… Desde então (e tudo isso por volta do final dos
anos 80), minha militância pela idéia da Pedagogia Espírita tem sido ativa:
publicações; abertura e direção do Instituto Espírita de Estudos Pedagógicos e da
Editora Comenius; viagens pelo Brasil e até para o exterior, para dar cursos e
palestras; experiências práticas com crianças de pré-escola a adolescentes do nível
médio… Entre as obras que escrevi, “A Educação segundo o Espiritismo”, já na
4ª edição desde 97, foi muito bem aceita pelo movimento espírita.
Esta tese, portanto, é mais um passo nesta tarefa a que me propus (e,
espiritamente falando, a mim confiada) de contribuir para a pesquisa,
sistematização e divulgação da Pedagogia Espírita. Nesse intuito, porém, está
igualmente embutida a reivindicação de um pensamento original e brasileiro.
Embora as raízes ocidentais, aqui fartamente analisadas, e a descendência direta
da França, (e nem poderia ser de outro modo, já que a cultura brasileira está
inserida num processo histórico que tem fortes fundamentos europeus, além dos
afro-indígenas), esta formulação pedagógica está sendo uma proposta específica
brasileira, com alcance universal.
Todo espírita consciente, porém, a partir do próprio Kardec, sabe da
relatividade das verdades que assume e crê na máxima liberdade de pensamento10
— o que sempre deve favorecer a multiplicidade das posições filosóficas. Assim
nenhum dos pensadores que têm concorrido para a sua elaboração, nem eu mesma,
pensamos que a Pedagogia Espírita deva se impor como modelo absoluto de uma
nova educação. Mas o que se pretende é demonstrar a validade e a consistência
desta Pedagogia, sistematizá-la ao alcance de espíritas e não-espíritas e permitir
que ela exerça a influência benéfica, que pode exercer, neste momento de
perplexidades históricas.
Num país e num mundo onde a maioria esmagadora da população tem
algum tipo de crença e convicção a respeito da dimensão espiritual do homem, a
análise dessa problemática no mundo acadêmico foi bastante silenciada no século
XX. A universidade deve ser um cenário verdadeiramente democrático e com esta
tese é também minha intenção demonstrar que a visão espiritualista — no caso a
espírita, mas não necessariamente — tem o direito e a urgência de encontrar
novamente representatividade nesta instituição, nascida no glorioso final da
Idade Média e que deve, mil anos depois, renascer mais livre e mais nobre neste
terceiro milênio.
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