quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Noite do Tamarindo (A) – António Gómez Rufo


Editora: Saída de Emergência (Setembro 2009)
Ano Edição: 2008
Tradução: Maria Teresa Martins

Imagine que tem muito dinheiro, uma fortuna incomensurável, aliás, é a pessoa mais rica do mundo.

Agora, imagine que tem nas suas mãos a possibilidade de se tornar imortal. Não de uma forma fantasiosa tipo vampiro, mas de uma forma conseguida à luz da ciência, ou seja, perfeitamente possível.

E se, salvo seja, o(a) seu/sua filho(a) estivesse à beira da morte e que com toda essa imensa fortuna pudesse comprar a sua salvação mas que iria custar, não só imenso dinheiro, como a morte de pessoas inocentes.

Que faria?

“A Noite do Tamarindo” é um romance excepcional que nos coloca diante destas e doutras pertinentes questões, alias, incomodativas questões.

Vinicio Salazar é um homem que aparentemente tem tudo.

Multimilionário, empresário de sucesso muito poderoso e influente, possui tudo o que o dinheiro pode comprar. No entanto, por detrás do luxo e da opulência em que vive, esconde-se um imenso desgosto e amargura que lhe queima a alma e que servirá de mote a todo um trama que irá colocar em questão aspectos essenciais da vida, da liberdade, da ética e do futuro que se constrói actualmente.

Tudo começa com um estranho roubo.

Roma, numa galeria de arte algures na cidade, três ladrões empreendem o roubo de um documento que o mundo desconhece: A 10ª Sinfonia de Beethoven. Supostamente uma sinfonia nunca escrita pelo compositor, pois conhecem-se apenas 9.

Será que é mesmo assim, ou, por detrás desse emaranhado de colcheias, semi-colcheias e claves, se esconde um segredo ainda maior?

É-nos aqui lançado, de uma forma meramente policial, as bases de um trama bem imaginado e magistralmente construído por António Gómez Rufo.

De Roma a São Paulo, passando por Bogotá, Jamaica, Londres, Almería, Barcelona e Paris, este romance possui um ritmo alucinante, recheado de situações de suspense, onde o género policial se mistura com o contemporâneo e o de aventuras, entrando violentamente no thriller psicológico aflorado de citações de autores famosos. Aliás, esta é uma das grandes mais valias da obra. O autor consegue casar várias citações de autores famosos com as situações que vai criando, para além disso vai “brincando” com os géneros literários, conseguindo usar aqueles que referi, por vezes até na mesma página.

Numa escrita muito bem estruturada, porém com alguns pecados que referirei, Gómez Rufo esconde por detrás da história de Vinicio Salazar, uma série de questões que nos são colocadas cirurgicamente e que se tornam incomodativas à medida que damos connosco na pele do protagonista. O que será a vida? O que é ser feliz? Será assim tão difícil o ser humano entender que a sociedade se encaminha inexoravelmente para a sua auto-destruição, para o abismo?

Olhamos à nossa volta e o que vemos? Pandemias que ameaçam arrasar a vida humana, a perspectiva de, num futuro muito próximo, não possuirmos água potável para necessidades vitais. Um mundo sem futuro…

Entendem o género de perguntas que o autor nos arremete? O curioso é que ele consegue dar-nos as respostas…

Pessoalmente foi uma obra que me deu imenso prazer ler mas que, em simultâneo, me angustiou tal a objectividade e clareza dos pontos de vista explanados.

No entanto, como romance em si, aponto algumas falhas no argumento que está por detrás, que mascara o verdadeiro sentido do romance. Há questões que o autor podia ter trabalhado (tinha material para isso) mais minuciosamente. Factos que sucedem com alguma precipitação e, sobretudo, um certo facto que, face ao exposto no pensamento de certa personagem, me pareceu ser algo descuidado, apressado. Em todo o caso isto não belisca minimamente a qualidade e contributo deste livro para que possamos pensar em questões que, enquanto seres humanos, não nos podemos demitir de considerar.

Do princípio ao fim estive na pele de Vinicio Salazar. Percebi, senti a sua angústia e entendi que tudo tem uma lógica, um significado e, sobretudo, apreendi que a vida é verdadeiramente a única realidade objectiva que possuímos, tudo o resto é acessório.



Classificação: 5

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