sexta-feira, 5 de outubro de 2007

A Epopéia de Gilgamesh

Introdução
1. A história da Epopéia
A Epopéia de Gilgamesh, o famoso rei de Uruk, na Mesopotâmia, provém de uma era totalmente esquecida até o século passado, quando os arqueólogos começaram a escavar as cidades soterradas do Oriente Médio. Até então, toda a história relativa ao longo período que separa Noé de Abraão estava contida em dois dos livros menos atraentes, por serem de cunho genealógico, do Livro do Gênesis. Destes capítulos, apenas dois nomes são lembrados até hoje no linguajar cotidiano: o do caçador Nimrod e o da torre de Babel. O ciclo de poemas reunidos em torno de Gilgamesh nos leva, contudo, de volta ao meio daquele período.
Estes poemas têm direito a um lugar na literatura mundial, não apenas por precederem às epopéias homéricas em pelo menos mil e quinhentos anos, mas principalmente pela qualidade e originalidade da história que narram. Trata-se de uma mistura de pura aventura, moralidade e tragédia. Por meio da ação estes poemas nos revelam uma preocupação bastante humana com a mortalidade, a busca do conhecimento e a tentativa de escapar ao destino do homem comum. Os deuses não podem ser trágicos, pois não morrem. Se Gilgamesh não é o primeiro herói humano, é o primeiro herói trágico sobre o qual conhecemos alguma coisa. É aquele com quem mais nos identificamos e que melhor representa o homem em busca da vida e do conhecimento, uma busca que não pode conduzi-lo senão à tragédia. Pode talvez causar alguma surpresa o fato de que algo tão antigo quanto uma história do terceiro milênio a.C. tenha ainda algum poder para comover e continuar atraindo leitores no século XX; isto no entanto acontece. A narrativa está incompleta e pode ser que continue assim; ela é, porém, o mais admirável poema épico que nos chegou de todo o
período anterior ao aparecimento da Ilíada de Homero; e é também incomparavelmente mais antigo.
Temos boas razões para crer que a maior parte dos poemas de Gilgamesh já haviam sido escritos nos primeiros séculos do segundo milênio a.C. e que provavelmente já existiam numa forma bastante semelhante muitos séculos antes disso, ao passo que o texto definitivo e a edição mais completa da epopéia vêm do século VII, da biblioteca de Assurbanipal, antiquário e último dos grandes reis do Império Assírio. Assurbanipal foi um grande general, o saqueador do Egito e de Susa; mas foi também o compilador de uma notável biblioteca, composta por documentos relativos à história contemporânea e por hinos, poemas e textos científicos e religiosos muito mais antigos. Ele nos conta que enviou seus servos aos antigos centros de saber de Babilônia, Uruk e Nippur para que pesquisassem seus arquivos e copiassem e traduzissem para o semítico acadiano da época os textos escritos na antiga língua suméria da Mesopotâmia. Entre esses textos, "Copiados segundo o original e cotejados no palácio de Assurbanipal, Rei do Mundo, Rei da Assíria", estava o poema que chamamos a Epopéia de Gilgamesh.
Não muito depois de este trabalho de cotejo ter sido concluído, a epopéia virtualmente perdeu-se e o nome do herói foi esquecido, deturpado ou desfigurado até se tornar praticamente irreconhecível — até ser redescoberto no século passado. Esta descoberta deveu-se, em primeiro lugar, à curiosidade de dois ingleses, e depois ao trabalho de muitos estudiosos em diferentes partes do mundo, que juntaram, copiaram e traduziram as tábuas de argila onde o poema foi escrito. Esta é uma obra ainda em andamento, e a cada ano que se passa mais lacunas são preenchidas; mas o corpo principal da epopéia assíria não tem sido alterado em seus aspectos essenciais desde a monumental publicação do texto, Com transliteração e comentários, por Campbell Thompson, em 1928 e 1930. Mais recentemente, contudo, atingiu-se um novo estágio, e uma nova onda de interesse surgiu em torno do trabalho do Professor Samuel Kramer, da Pensilvânia, cujo cotejo e tradução dos
textos sumérios leva a história da epopéia
de volta ao terceiro milênio antes de Cristo. Já é possível agora combinar e comparar um corpo de escritos bem maior e bem mais antigo do que o que tínhamos até então.

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