Diário dos roedores – dia 27.09.2008 – por Edna Freitass
Desde que entrei para os Roedores de Livros percebo que as crianças têm muito a nos ensinar. O dia 27 de setembro foi mais um dia de aprendizagem. Amanheceu chovendo muito forte no distrito federal. Depois de mais de 100 dias de seca, a água não pingava: jorrava do escuro céu molhando o Guará, a Ceilândia e Sobradinho. Cidades distantes entre si, mas que abrigam a base dos Roedores de Livros. Era muita chuva. Ana Paula ligou e conversamos acerca do temporal que caia e especulamos se o projeto aconteceria ou não naquela manhã tempestuosa. Irmos até Ceilândia naquele aguaceiro era um risco até de um possível acidente de carro. Mas adúvida maior era outra: será que as crianças sairiam de casa para ir ao projeto?
Após muita conversa, chegamos a conclusão de que seria quase certo de que elas não iriam até lá. Assim, cancelei a encomenda que havíamos feito para o lanche. Mas, combinei com a Ana Paula que ela e o Tino não precisavam ir. Eu e Ilse iríamos até Ceilândia, aproveitando a possível ausência das crianças para organizar o acervo da nossa biblioteca. Com a falta de pessoal, algumas burocracias necessárias ficaram de lado e aquela seria uma oportunidade de fazer um levantamento dos empréstimos, ver quais livros não haviam sido devolvidos, conferir os títulos, etc. Quarenta minutos depois, ao chegarmos ao centro comunitário, o pátio estava vazio de gente e cheio de água. Naquele momento, a chuva só pingava como uma torneira mal-fechada. Normalmente quando chego, sempre encontro algumas crianças brincando no parquinho. E ele também estava vazio. Pensei, é claro, que todas as crianças decidiram ficar em casa. Naquele clima era, de fato, tentador ficar na cama, sob o cobertor. Ilse e eu descemos do carro, pegamos todo o material para fazermos a catalogação dos livros. Nos dirigimos para a porta principal da creche. O segurança se antecipou e abriu a porta para nós.
De repente... Surpresa!!! Não acreditei no que via. Ali na sala de recepção havia 12 crianças, sentadas num sofá. Empilhadas feito pingüins espantando o frio. E como fazia frio. O assento era pequeno para tantas crianças, seus casacos e guarda-chuvas. Nos olharam com um ar de felicidade. Imediatamente pensei na ação que deveria tomar. O lanche já estava cancelado. Ana Paula não havia aparecido para fazer a mediação. O que fazer? O jeito foi improvisar: pedi desculpas e expliquei que, por alguns motivos importantes, o projeto não aconteceria naquela manhã como de costume. Apenas faríamos a devolução dos livros e o empréstimo dos novos. Em poucos minutos, já sem a chuva, as crianças voltaram para suas casas.
Ilse e eu ficamos com o nosso coração apertado. Eu me senti tão abalada que sequer fotografei as crianças, a chuva... a situação. Pouco depois, assim que iniciamos as atividades de catalogação, outra surpresa: Ana Paula chegou. O Tino havia ficado em casa, mas ela, assim que a chuva diminuiu de intensidade, resolveu enfrentar a distância e o asfalto escorregadio. Ficamos nós três e os livros. Sem as crianças. Organizamos a quase-bagunça, planejamos algumas ações para breve mas, principalmente, saímos de lá com mais uma lição na bagagem. Lição que, mais uma vez, aprendemos com as crianças do projeto: enquanto hesitávamos entre ir ou não ao projeto, principalmente na dúvida sobre a presença das crianças naquela manhã chuvosa, 12 crianças foram para lá com a CERTEZA de que estaríamos esperando por elas. Elas enfrentaram a preguiça de uma manhã fria e tempestuosa para nos encontrar e ouvir histórias. Isto sim é que é uma ótima história para contar!
P.S. Ah... e não adianta São Pedro insistir. Depois da lição aprendida, pode vir chuva, granizo ou neve, que estaremos a postos!!!
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