quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Gabriela, Cravo e Canela

Na televisão, a minha atenção só fica realmente presa por três grandes amores, nomeadamente o desporto (sobretudo futebol), as telenovelas brasileiras e as séries. Daí que fosse inevitável que, um dia, as minhas escolhas literárias recaíssem sobre Jorge Amado - o autor brasileiro que tem mais obras adaptadas para televisão. O facto da novela Gabriela, Cravo e Canela ter marcado uma era na história da televisão nacional e ter ouvido críticas extremamente positivas levaram a que este fosse o primeiro livro a ler do autor. No final, uma certeza: não ficarei por aqui.
Assim que comecei a leitura, temi não gostar da escrita de Jorge Amado. É tipicamente brasileira - a escrita é igual à oralidade -, e, confesso, não sou grande apreciadora do idioma. Porém, assim que as páginas se foram seguindo, apaixonei-me. Esta particularidade da escrita confere-lhe um realismo tal que parece que estamos frente a frente com as personagens, dentro da acção. Há um misto de realismo, vivacidade e alegria que nos cativam.
A acção da obra passa-se em Ilhéus, uma pequena cidade do interior da Bahia, que tem vindo a prosperar graças à produção de cacau. Apesar do "progresso estar a chegar" (expressão que anda na boca de todos), os costumes continuam a ser ditados à lei da bala. Ainda assim, ao longo da obra, nota-se uma tentativa de ruptura com estas ideias por parte de algumas personagens. Esta dualidade suscita interrogações ao leitor, interessando-o, mas sem nunca o deixar assumir totalmente um dos lados.
Gabriela, Cravo e Canela é uma verdadeira caricatura da sociedade brasileira, onde deputados, fazendeiros, "jagunços", prostitutas e meninas de bem se misturam gerando uma profusão de estórias. No plano central, está o amor inesperado que nasce entre Gabriela, cuja saga por uma vida melhor é retratada, e Nacib, um árabe dono de um dos mais requisitados bares da região. Jorge Amado construiu personagens fortes, diferentes, e ao mesmo tempo iguais, do habitual e por cada uma nos convida a uma viagem imediata do presente ao passado e vice-versa, através da leitura de alguns parágrafos.
O encanto desta obra de Jorge Amado deve-se, igualmente, ao retrato de novas realidades. É verdade que as mentalidades são ainda fechadas, que há uma predominância masculina, mas Gabriela e Malvina, sobretudo, tentam marcar a diferença, lutando pelo que querem, nem sempre da forma mais consensual/convencional. Para mim, este livro é uma nova forma, bastante mais liberal, diga-se, de encarar e viver o amor. Fiquei rendida e com a certeza de que Jorge Amado não pode ser esquecido nas nossas bibliotecas. Adorei!

9/10

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