terça-feira, 4 de setembro de 2007

Fúria das Vinhas (A) - Francisco Moita Flores

Em 2004 Francisco Moita Flores escreveu para a RTP uma série televisiva denominada “A Ferreirinha” onde retratava a vida de Antónia Adelaide Ferreira (1811-1896), conhecida por Ferreirinha e responsável pela dinamização da produção do vinho do Porto catapultando-o definitivamente para o seio dos grandes vinhos internacionais.

Dessa série, da qual guardo grandes e gratas recordações tal a sua beleza, ficou a imagem de uma mulher de garra com uma visão estratégica enorme e um sentido de justiça e humanidade tão raro, uma verdadeira benemérita para o povo.

Neste livro “A Fúria das Vinhas”, Moita Flores propõe dois desafios: duas histórias distintas mas com vários denominadores comuns espelhados nas terras do Douro novecentista que lhes servem de cenário.

Segundo Moita Flores, este romance recupera factos e histórias que ele não incluiu na série “A Ferreirinha”, e isso é perfeitamente perceptível, para quem assistiu à série, nas descrições das paisagens e até nos diálogos. Porém Moita Flores consegue igualmente transmitir a imensa força e alma que tinha a D. Antónia e o que ela representava para as gentes do Douro, o quanto ela amava aquelas terras que estavam sempre acima de qualquer interesse pessoal, assim como e isso no livro é bem explorado, a imensa praga que foi a filoxera e o quanto trabalho deu a exterminá-la.

Por outro lado e interligada com a história da Ferreirinha e da guerra à filoxera, Moita Flores cria um cenário de vários assassinatos de jovens virgens, abrindo assim espaço para não só descorrer sobre as mentalidades ultra-religiosas, conservadoras e supersticiosas de um Portugal rural temente a Deus, como também abre igualmente espaço para narrar o início dos processos, ou se quisermos, da entrada em Portugal dos processos de investigação científica e criminal que, na altura, estavam em voga na Europa e que tanta tinta e palavras fazia correr.

Numa época onde os assassinatos descritos eram atribuidos a ataques de lobos ou a actos do demónio, o autor, cria uma simpática personagem que faz lembrar Sherlock Holmes (criada na época pos Conan Doyle) e que vai assim introduzir ou ser o percursos de métodos de investigação científicos assente na dedução, na observação e análise, algo que foi uma autêntica pedrada no charco, para além dos imensos obstáculos que teve de derrubar para ser levado a sério.

Isso é muito interessante e associado ao combate à filoxera tendo como base a alma de D. Antónia, transforma este livro numa pérola da nossa literatura e num hino de louvor à memória de D. Antónia Adelaide Ferreira que falecendo em 1896 manteve-se viva na memória das gentes e terras do Douro e naqueles que amam o empreendadorismo.

“O segredo da nossa casa foi termos posto a qualidade dos nossos vinhos acima de outro interesse, e o melhor vinho só pode sair de boas vinhas, e só são boas se forem cuidadas, trabalhadas com paixão. É por isso que quem trabalha para nós tem de ser bem tratado, respeitado e acarinhado.”

Há 130 anos D. Antónia tinha este discurso.

Há 130 anos tinha uma imagem da importância da qualidade e das pessoas enquanto bens mais valiosos de uma indústria.

130 anos depois a maioria das pessoas e, mais grave, dos empresários, nem sabe o que é qualidade e da sua imensa importância estratégica.

Um livro irrepreensível que aconselho a todos.

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