segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Almeida Garret - Camões

Título: Camões
Autor: Almeida Garret
Gênero: Romance


Do livro...

O protagonista do sempre formoso poema de Almeida Garrett é um Luís de Camões romântico, remodelado na fantasia melancólica dum grande poeta exilado, amoroso, nostálgico.

A ideal tradição romanesca impediu, com as suas névoas irisadas de fulgores poéticos, passante de duzentos e cinqüenta anos, que o amador de Natércia, o trovador guerreiro, fosse aferido no estalão comum dos bardos que imortalizaram, a frio e com um grande sossego de metrificação, o seu amor, a fatalidade do seu destino em centúrias de sonetos. Garrett fez uma apoteose ao gênio, e a si se ungiu ao mesmo tempo príncipe reinante na dinastia dos poetas portugueses, criando aquela incomparável maravilha literária. Ensinou a sua geração sentimental a ver a corporatura agigantada do poeta que a critica facciosa de Verney e do padre José Agostinho apoucara a uma estatura pouco mais que regular.

Camões ressurgiu em pleno meio-dia do romantismo do século XIX, não porque escrevera Os Lusíadas, mas porque padecera duns amores funestíssimos. O século XVIII citava-o apenas nos livros didáticos, e nas academias eruditas, como exemplar clássico em epítetos e figuras da mais esmerada retórica. Tinha caído em mãos esterilizadoras dos gramáticos que desbotam sapientissimamente todas as flores que tocam, apanham as borboletas, pregam-nas para as classificarem mortas, e abrem listas de hipérboles e metáforas para tudo que transcende a legislatura codificada de Horácio e Aristóteles. Luís de Camões, qual o figuram Garrett no poema trágico e Castilho no drama ultra-romântico, e as musas indígenas e forasteiras nas suas contemplações plangentes, é o que se requer que seja o mártir do amor, o soldado ardido, o talento menoscabado pela camarilha dos reis. Os maviosos sentimentalistas afizeram-nos a estas cores prismáticas – às refulgências das auroras e dos luares teatrais. Mal podemos encarar o nosso Camões a uma grande luz natural. Queremo-lo na tristeza crepuscular das tardes calmosas, na mesta solidão dos mares, nas saudades do desterro. no desconforto das primeiras precisões, vivendo da mendicidade do Jau – do escravo, como se alguma hora houvesse em Portugal escravos de procedência asiática – e das economias da preta, arrastando-se sobre muletas do adro de S. Domingos para o catre do hospital. Quem nos mostrar Camões à luz com que a história e a crítica indutiva elucidam as confusas obscuridades dos homens extraordinários – e por isso mais expostos à deturpação lendária – poderá avizinhar-se da verdade; mas, do mesmo passo, se desvia da nossa inveterada opinião, e talvez incorra em delito de ruim português.

(1) Eu me vejo neste perigo e não me poupo às eventualidades da ousadia. Pretender exibir novidades inferidas de fatos comparados e probabilidades em uma biografia tantas vezes feita e refeita, será irrisório atrevimento quando mas puderem contraditar com provas solidamente cimentadas. O que não parecer novo nestes traços será uma justificada emenda aos erros dos biógrafos antigos e recentes em que nomeadamente avultam os senhores visconde de Juromenha e doutor Teófilo Braga que segue muito confiado aquele douto investigador com uma condescendência extraordinária para escritor que tanto averigua.

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