domingo, 12 de outubro de 2008

Trilogia Suja de Havana - Pedro Juan Gutiérrez

Pedro Juan Gutiérrez, ex-jornalista desiludido e ex-uma-série-de-profissões ainda mais desiludido, resolve enveredar pelo campo das letras e contar ao mundo a verdadeira face da Cuba socialista de Fidel Castro, e o resultado é uma profusão de pequenos textos verdadeiramente geniais e consideravelmente chocantes.

E mais chocantes se podem considerar quando sabemos, e é o próprio que afirma, que esses textos não são puramente ficcionais. Todos eles têm uma base, uma sustentação bem real que ou foi directamente vivida por Pedro Juan, ou então por alguém da seu circulo de amigos. E é com base nesta afirmação que esta "Trilogia Suja de Havana" se torna numa verdadeira catarse do autor, uma série de contos nitidamente autobiográficos.

Como o nome indica, esta trilogia é composta por três títulos: "Ancorado em Terra de Ninguém", "Nada que Fazer" e "Sabor a mí", que servem de apoio para algumas dezenas de outros pequenos contos que se interligam entre si, contos esses passados na década de 90, década em que uma grave crise assolou Cuba. Das várias personagens que vão surgindo e desaparecendo, há uma que assume o papel principal na esmagadora maioria dos contos: Pedro Juan, ele próprio.

Assim o universo de Pedro Juan é a velha e bela ilha de Cuba. Uma Cuba mágica para os turistas, mas uma outra Cuba para os seus habitantes.

Sobrevivendo num país praticamente destruído, o escritor vai-nos narrando, de uma forma extremamente cruel e violenta, o dia-a-dia daqueles que vivem em condições paupérrimas e que lutam por um simples naco de pão e por meia dúzia de pesos (moeda cubana) ou então que sonham com dólares norte-americanos. No entanto essa forma violenta de narrar tem a capacidade de nos mostrar a verdadeira Cuba, sobretudo a face de uma sociedade sem escrúpulos, totalmente dominada por um pretenso e oprimido desejo capitalista e por uma febre debochada de sexo, rum e charutos.

É nesta Cuba escondida dos turistas, numa Cuba fétida alheada do resto do mundo, que ele nos descreve a enorme promiscuidade sexual. Mas não são meras descrições de encontros sexuais. Não! Pouco tem de erótico, as mesmas assumem uma dimensão grotesca numa linguagem vernácula e sem quaisquer cuidados estéticos. Segundo Pedro Juan, o sexo é uma troca de fluídos, e nessa troca vale tudo, o limite conta-se pelo número de orgasmos, palavrões e violência física e psicológica. Mas ao mesmo tempo essa troca de fluídos, que por vezes nos parecem transportar para um mero conto pornográfico de baixa qualidade, têm o condão de expressar ainda mais a decrépita qualidade de vida daquelas pessoas que, por nada fazerem (desemprego e prisão) e pelo clima dos trópicos, acabam por se entreterem neste tipo de acções.

Numa escrita despretensiosa - o que não é alheia o facto de ele ter sido jornalista durante tantos anos (ganhava 3 dólares por mês) -, Pedro Juan Gutiérrez demonstra o seu enorme desencanto e descrença pelo falso sistema socialista cubano que advém da Revolução de Fidel Castro. Embora contenha toda uma descrição violenta, ele tem a capacidade de salpicar com grandes doses de humor toda uma narrativa que é uma autêntica flecha apontada ao seio do governo de Fidel.

Sempre duro e implacável, Pedro Juan Gutiérrez é uma voz incómoda que se levanta e um pertinaz cronista da sua amada Cuba, e é também um escritor genial que consegue criar, num mesmo texto, sentimentos tão dispares como: paixão, repulsa, compaixão, nojo, amor, ódio, excitação e boa-disposição.

Um escritor que já me tinham aconselhado e uma muito agradável surpresa.

Altamente aconselhável!

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