quinta-feira, 14 de maio de 2009

As vozes dos trabalhadores

A produção sociológica em Portugal é cada vez mais extensa, embora nem sempre os seus resultados cheguem ao conhecimento do grande público, independentemente do interesse geral da investigação. Por isso é de louvar a publicação de um desses estudos em livro, transpondo, dessa forma, os muros da academia.
Vem isto a propósito do mais recente volume da série Trabalho e Sociedade, uma parceria entre o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e a editora Almedina. Da autoria dos sociólogos Hermes Augusto Costa e Pedro Araújo, o livro “As Vozes do Trabalho nas Multinacionais” analisa, como o subtítulo da obra indica, o impacto dos Conselhos de Empresa Europeus (CEE) em Portugal, valorizando a visão dos representantes portugueses nessas instâncias.
O livro reflecte a longa investigação sociológica dos investigadores do CES sobre a experiência portuguesa no âmbito dos CEE’s, instituídos pela Directiva 94/45/CE com o objectivo de oficializar (impor) a criação de mecanismos de informação e consulta transnacionais de trabalhadores, respondendo assim ao peso cada vez maior das multinacionais no tecido laboral e, por via dessa alteração, ao crescente défice de representação dos trabalhadores nas organizações.
O estudo, que incluiu trabalho de campo com entrevistas aos representantes dos trabalhadores portugueses nos CEE e a realização de inquéritos às entidades patronais, apresenta diversos ângulos, nomeadamente a dimensão quantitativa dos CEE’s; a expressão da aplicação da Directiva; a constituição formal e o funcionamento dos CEE’s; a negociação de acordos e a eficácia dos CEE’s no que diz respeito ao cumprimento dos objectivos plasmados na Directiva.
«(…) Constatámos, entre vários outros pontos, que a Alemanha, a França e o Reino Unido são os países da UE-27 com maior número de multinacionais abrangidas pela Directiva e, simultaneamente, aqueles que estabeleceram o maior número de CEE’s; que os sectores de actividade onde existem mais CEE’s constituídos são o metalúrgico (34,3%) e o Químico (23%); que o número de representantes portugueses eleitos e/ou nomeados para ocupar lugares em CEE’s é de 201; que apenas sete multinacionais com sede em Portugal preenchem as condições para o estabelecimento de CEE’s; e que apenas uma dessas, o Grupo Banco Espírito Santo, constituiu um CEE», referem os autores nas considerações finais.
Quanto aos objectivos fundamentais dos CEE’s – a informação e a consulta –, a maioria dos representantes dos trabalhadores portugueses considera que o Comité permite realmente um maior acesso à informação, especialmente sobre a actividade da multinacional e os seus problemas, mas essa informação é muito limitada a nível local. Já no que diz respeito à segunda premissa, o desalento é praticamente geral: ineficácia da consulta e incapacidade de influenciar a decisão. Ou seja, só excepcionalmente as informações são transmitidas e discutidas antes da tomada de decisão, «o espaço para consulta é praticamente residual».
Um problema que, constatam os investigadores, «se vê agravado pelo facto da Directiva não prever quaisquer sanções no caso de as administrações não cumprirem o estipulado nos acordos».
Para os representantes dos trabalhadores portugueses, uma das mais-valias dos CEE’s é tornar visível, através da troca de experiências laborais, as desigualdades nas condições de trabalho e salariais, levando-os a percepcionar os comités como «uma alavanca através da qual as condições de trabalho podem vir a ser niveladas a seu favor».
«Se os CEE’s parecem particularmente eficazes para resolver questões ligadas às condições de trabalho, nomeadamente em termos de saúde, higiene e segurança no trabalho, já as questões salariais se encontram arredadas dos tópicos de questões objecto de informação e consulta», referem os sociólogos, ressaltando que a capacidade de intervenção dos CEE’s decresce quando se trata de questões como reestruturações ou deslocalizações.
Também realçado pelos representantes portugueses é o facto de os CEE’s permitirem o acesso a um patamar de decisão superior, «constituindo os CEE’s espaços privilegiados para a resolução informal de problemas locais».
Ainda no âmbito das possibilidades práticas dos CEE’s encontra-se a solidariedade transnacional, um aspecto importante mas pouco explorado e no qual os portugueses deviam investir mais.
«É igualmente necessário que os CEE’s deixem de funcionar como caixas de ressonância dos (fundados) receios e clivagens locais e nacionais e se assumam efectivamente como instituições incontornáveis na construção do diálogo social transnacional», concluem Hermes Augusto Costa e Pedro Araújo.

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Hermes Augusto Costa e Pedro Araújo
As Vozes do Trabalho nas Multinacionais – o impacto dos Conselhos de Empresa Europeus em Portugal
Almedina/CES, 16€

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