Engraçado esse lance de ser escritor. É bem diferente de ser artista de tv. A pessoa pode até conhecer a alma do autor através dos seus textos, mas sua imagem passa livre pelos corredores. Digo isso porque vi o professor Bartolomeu Campos de Queirós circular quase invisível pela sala onde ficava a livraria Martins Fontes – na minha opinião, o único equívoco daquele seminário – brincando com as palavras. Cercado do anonimato, o professor dizia ao lado das pessoas no stand: - Ler faz mal pra vista! Após a frase, olhares atônitos de professoras não entendiam o que aquele senhor pretendia ali, enfadonho, num universo de livros. Eu sorria com a brincadeira. E aguardava, desde a quarta feira o momento de ouvir as palavras doces e sérias de quem aprendi a amar à distância, em silêncio, em respeito. As palavras do professor Bartolomeu Campos de Queirós, escritas em seus livros, em emails, ou proferidas em público têm a força de um beijo paterno. Não de beijo de mãe. Mãe normalmente beija a toda hora. O beijo do pai traz a força da surpresa, do amor escondido sob a capa da seriedade. Na manhã daquela sexta, 24 de agosto, último dia de seminário, pegamos uma carona com Renata Nakano e perguntei a ela se era sua primeira vez. Era. Ouvir o professor Bartolomeu pela primeira vez requer um preparo especial. A alma, virgem daquelas palavras, pode sofrer de tamanha paixão. Por volta das 10 da manhã o encanto se fez. Luiz Raul Machado – a quem aprendi a gostar “assim”, de longe, de graça – presidia a mesa, que contava ainda com a presença da contagiante e igualmente genial Marina Colassanti. Perdoem tantos adjetivos, mas é impossível resgatar este momento na minha memória sem me mostrar apaixonado. Luiz Raul fez as honras e apresentou os dois num texto emocionado. Era visível o magnetismo naquele salão. Depois de acarinhar Bartolomeu e ao falar de Marina Colassanti, afirmar estarmos diante de um Andersen de saias, da Rainha dos contos de fadas da Língua Portuguesa, o presidente da mesa encerou dizendo: Este encontro será UM PORRE DE POESIA. E foi!!!
Bartolmeu Campos de Queirós contou da sua infância em Papagaio, interior de Minas. “Nascer é ganhar o abandono, perder o paraíso, viver por conta própria. Em troca, a vida nos oferece a capacidade de fantasiar. A fantasia atropela o passado e vislumbra o futuro que não tenho”. Aí contou uma historinha que levarei comigo embalada na saudade que guardo do meu pai: “Quando era menino sentia muita sede à noite. E lá em casa, era meu pai quem acordava para matar minha sede. Mas ele não trazia água. Ia até ao lado da cama, levantava carinhosamente minha cabeça com uma mão e com a outra fazia um gesto que imitava o copo indo em direção à minha boca. Com a voz, fazia GUT, GUT, GUT. E eu bebia a mentira dele que matava a minha sede. Meu pai sabia LER que eu não queria água: queria ELE!!!”. Quanto a sua mãe, Bartolomeu conta que “lia na vasilha de arroz doce o carinho dela”. Falando do inexplicável deixou no ar a pergunta: - Quem colocou o desejo do açúcar no coração da formiga? Confessou: - Sou movido pelo afeto. Disse mais: - Reler comprova a minha desatenção e me rejuvenesce. Sobre o ato de escrever sussurrou: - Quando eu escrevo faço carinho em mim. Mas o melhor de mim não serve pra todo mundo. A gente só fantasia o que não tem. Eu só escrevo a minha falta!
Aí o assunto enveredou pela escola: Bartolomeu afirmou: “A Escola é servil. A Arte não é. Por isso é tão difícil levar a Literatura para a escola, visto que esta quer ter o poder de medir tudo, quer transformar tudo num instrumento pedagógico. Agora quero ver a escola conseguir medir QUAL CRIANÇA É MAIS FELIZ NO RECREIO”.Ao final, aplaudido de pé por minutos, Bartolomeu Campos de Queirós foi surpreendido por um parabéns a você público, puxado por Luiz Raul. Querido Poeta, que a vida lhe seja generosa em fantasias. Ainda estamos plenos daquele porre poético! Hatuna Matata.
terça-feira, 4 de setembro de 2007
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