TRECHO:
Prefácio
Contemplando a mente do homem primitivo, quando
nada elaborado ali havia, sem uma consciência madura
de seu próprio ego1, mesmo assim, é possível constatar a
existência de um elemento que o impulsionava, além da
necessidade de sobrevivência. Naquela mente, detentora
de pouquíssimos e rudimentares elementos conscientes,
com um escasso repertório de habilidades intelectivas para
a compreensão de si mesmo, também se encontra uma
marca indelével – seu, até então, inconsciente desejo de
buscar-se, de entender-se e sua própria ânsia de viver. Não
sabe ele que, um dia, essa busca se tornará consciente e
contará com a condução da religião formal. Sua mente,
apta a captar a realidade, inicialmente atenderá aquele impulso
primal construindo tão somente imagens, para depois,
quando possuir novos implementos intelectivos,
elaborá-las no formato de conceitos. Encerrado num corpo,
limitado por condições inerentes à sua evolução, ali se
encontra o espírito no início de mais um ciclo existencial.
Mesmo enclausurado, não está à deriva, pois conta com
estruturas psíquicas (arquétipos) que o conduzirão naturalmente
ao encontro mágico e especial consigo mesmo.
1 Alguns termos de origem psicológica podem ter seu significado melhor
compreendido ao final do livro, no Glossário.
Será longa, laboriosa e proveitosa a jornada,
permeada por incontáveis desafios e imprevisíveis experiências,
as quais, aqueles que lêem estas páginas já entenderam
a importância de tê-las vivido. O espírito fará
sua jornada como um herói que se lança ao objetivo sem
que tenha a consciência plena de tudo que enfrentará. Do
início da jornada, desde que adquiriu a consciência humana,
até os dias de hoje, por conta de inúmeras e
incontáveis experiências, reforçou sua estrutura psíquica,
tornando-a apta a novos desafios. Sua organização
mental já o permite escolher, renunciar, ousar e compreender
melhor os desígnios divinos. Já não se encontra
mais na infância, muito embora ainda se perceba em atitudes
imaturas e inconseqüentes.
Nessa jornada, que é vivida dia após dia, ainda se
descobrirá projetado no que acreditava ser Deus, para, só
depois que amadurecer no sacrifício do trabalho humano,
perceber-se como sendo a própria natureza divina se
realizando.
As experiências religiosas ligadas ao sagrado se
tornam, ao longo da jornada, forjadoras de importantes
paradigmas para a compreensão de sua natureza como
espírito e também para o entendimento do que supõe ser
Deus. Serão aquelas experiências que lhe fornecerão os
dispositivos psíquicos capazes de lhe fazer assumir quem
é o espírito em si mesmo. Nesse sentido, as crenças religiosas
e seus cultos, nos quais vivenciou a fé e o contato
com o sagrado, deram-lhe as bases para a construção de
uma psiquê saudável. Enquanto no corpo, vive experiências
de contato com as forças divinas consideradas instintivas;
fora dele, realiza sua dimensão espiritual transcendente.
Em ambas apreende os princípios das leis de
Deus, fundamentais para novos cometimentos.
No percurso, apega-se a valores que acredita superiores,
negocia favores considerados divinos, cria sistemas
internos de proteção que, em sua maioria, ao invés
de libertá-lo, aprisiona-o. Consolida uma fé que terá de
rever mais tarde. Enrijece sua mente com dogmas oriundos
de crenças pueris, tendo depois que flexibilizá-la para
prosseguir em seu processo de iluminação pessoal.
O ser humano de hoje, mesmo depois de milênios
de evolução, ainda se assemelha ao primitivo, pois cambaleia
na direção de Deus, tateando no escuro de suas
próprias fantasias religiosas. Ainda reza para Deus e ajoelha-
se diante da matéria. Não entende que a divindade
não se opõe à matéria, pois a grande dialética é ele mesmo
e Deus, Deus e Espírito, aparentes opostos que necessitam
de conciliação na psiquê consciente.
O ser humano é o mesmo espírito que vem, há milênios,
buscando se encontrar. Seu olhar ainda não é completo.
Seu instrumento para isso, o ego, ainda não está
totalmente maduro. Muitos fatores interferem em sua percepção.
Ele ainda não aprendeu que não precisa ver tudo,
mas apenas o essencial. Deve entender que, para conhecer
as coisas, é preciso dar a volta sobre si mesmo, olhando
para seu próprio mundo interior. Não percebe, em sua
momentânea cegueira, que Deus se escondeu em seu inconsciente.
Acumula muita coisa no seu egoísmo e orgulho
em excesso. Chegará um tempo em que estará pronto
para encontrar e perceber a divindade.
Um dia, quando liberto de seus próprios medos e
preconceitos, tecidos pela ignorância em relação ao divino
e a si mesmo, alcançará a liberdade de pensar uma
Religião Pessoal. O caminho será longo, mas extremamente
valioso para si mesmo. Quando então iniciar seu
processo de vivência da Religião Pessoal, sofrerá reveses
por conta das próprias armadilhas que criou, medroso de
se perder nos labirintos complexos de sua psiquê religiosa.
E os reveses acontecerão por conta, principalmente,
do desejo infantil de salvar-se de algo que idealizou como
sendo uma tragédia. Inconscientemente acredita que um
grande perigo o ameaça e que o levará a ser banido eternamente.
Teme o que ele próprio construiu. Sua mente
ainda está estruturada na dialética bem x mal. Teme o
abandono divino, qual criança apegada à mãe, temendo
perder-se dela.
Uma vez iniciada a jornada, não haverá retorno. O
caminho é inexorável, ao encontro de si mesmo e da máxima
possibilidade de comunhão com Deus. Descobrirá
que a atitude religiosa é o íntimo e mais profundo encontro
com os limites da essência humana, percebendo que o
sentimento religioso lhe permitirá superar as fronteiras
do humano, tocando o divino.
Convido o leitor a fazer a jornada da religião formal
à Religião Pessoal, sem receio de se perder de si
mesmo. Ao contrário, ao encontro de sua verdadeira essência
– a espiritual. Não preconizo uma nova religião,
nem seita moderna, nem culto diferente, mas simples conexão,
no sentido de íntima ligação, do humano com o
divino, sem as regras inconscientemente estabelecidas
desde a infância da humanidade.
Este livro apresenta algumas reflexões para a construção
de uma Religião Pessoal. O seu título não sugere a
constituição de uma religião egoísta nem tampouco o desrespeito
às existentes. É apenas uma proposta pessoal para
a internalização daquilo que o sagrado tem a revelar. A
Religião Pessoal é aquela adotada por cada pessoa, na
vivência do arquétipo do sagrado, visando sua conexão mais
profunda com o princípio Criador da existência humana.
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