Normalmente a gente só presta atenção às formigas quando elas entram pela casa e descobrem o depósito de açúcar destampado. Fora desta situação tão comum, as formigas levam uma vida de muito trabalho, disciplina e nenhuma atenção do bicho homem. Às vezes, acontece algo diferente, inusitado e, mais uma vez, somos convidados a olhar com mais atenção para estes pequenos seres. Vejam o que aconteceu comigo nesta semana: encontrei formigas na livraria.
Não, não foram aquelas da conhecida fábula. Elas estavam em outro livro. Pequenino, ali, empilhado na prateleira, procurando um leitor como quem caça um doce, Formigas (Elaine Pasquali Cavion, ilustrações de André Neves, Paulus) me tomou o olhar. Não resisti e trouxe para a nossa biblioteca. Como não sou egoísta, convido-os a fazer o mesmo.
É o primeiro livro de Elaine Pasquali Cavion. Seria de bom tom dizer que a ilustração de André Neves salvou um texto de iniciante. Mas não é isso o que acontece. Na publicação, os dois conversam como bons e velhos amigos. Elaine demonstra intimidade com as palavras. Brinca com elas. O texto é ÓTIMO. Assim como as ilustrações – irreconhecíveis para quem está acostumado com os últimos trabalhos de André. O artista ousou sair do seu estilo e o fez com a competência que o transformou num dos maiores nomes da ilustração para livros infantis.
A história é sobre uma formiga que sai dos padrões e as consequencias dos seus atos. Durante um passeio numa tarde quente de verão, algo lhe chama a atenção. O jovem inseto não hesita em sair da fila de operárias. Descobre um livro aberto próximo ao seu caminho e vai ao seu encontro. Lá, percebeu a palavra folha: “Era tão verde essa palavra, tão cheirosa, tão suculenta... tão... folhosa que depressa colocou a palavra nas costas e voltou para junto da sua fileira”.
Logo há uma grande confusão entre os pequenos animais. Enfim, com a anuência da formiga-líder, todas vão ao livro, descobrir as palavras que são devidamente escolhidas e carregadas para o formigueiro. Mas, o que fazer com as palavras? Servirão para alguma coisa? No inverno, durante a visita da cigarra, é certo que haverá novidades por lá. Uma história surpreendente. Divertida. Criativa.
O texto apresenta-se recortado ora em parágrafos inteiros, ora em frases curtas. Às vezes, uma frase escorrega pela página que, noutro momento está preenchida apenas por uma palavra. Muitas vezes texto e ilustração contam juntos a história. Esse recorte criativo dá mais agilidade à leitura. Há uma passagem que acho muito divertida: a joaninha encontra com a fila de formigas e, por ser educadíssima, diz “Boa Tarde” para cada uma das 794 formigas. Fiquei me imaginando na entrada de um shopping dizendo “Bom Dia” para todo mundo que fosse passando. Surreal. Mas, pensando bem, deveria ser assim.
Formigas é um grande livro num formato pequeno e não muito usual: 16cm x 11,5 cm. Combina perfeitamente com o universo a que se destina (o das formigas, dos leitores mirins e dos leitores adultos atentos às miudezas da vida). Agora, o que não combina com a bela prosa poética de Elaine e com o trabalho artístico de André, é o acabamento final. O livro, produto que transporta a PALAVRARTE, poderia custar um pouco mais para brindar o leitor com uma capa dura e papel mais espesso. Daria mais “respeito” ao conteúdo. Por exemplo, André Neves, em vários momentos usa de papel reciclado para compor a sua ilustração, textura que se perde na mão do leitor com o papel escolhido pela editora. Por favor, não entendam que o livro é ruim. Longe disso. Mas poderia ser melhor.
Na livraria, custa incríveis R$ 12,00 (DOZE REAIS). Vejo por aí muitos livros que não contém a metade do talento de Formigas por muito mais dinheiros. Valeria à pena a editora aprender com os insetos de Elaine a carregar a palavra com mais atenção. Tenho certeza que este investimento não acarretaria um aumento significativo no preço final. Talvez o valor final, por livro, chegasse a uns R$ 20,00 (VINTE REAIS). Eu pagaria muito mais pelas formigas de Elaine Cavion e André Neves. Seja bem vinda, menina. Suas formigas deixaram nossa estante mais poética. Hatuna Matata.
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