segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Quando o amor veio à terra, de Djalma Argollo

TRECHO:
Prefácio
Jesus é o maior fenômeno da História. Com menos
de três anos de atividade missionária, sua influência foi,
e continua sendo, decisiva no desenvolvimento social da
humanidade. Alguns espíritas parecem desconhecer que
é por causa dele que a humanidade passou por radical
inflexão evolucionária em seu processo histórico.
Historiadores imaginam que a hegemonia de Roma foi
destruída pelas invasões bárbaras, mas se esquecem que,
na sua maioria, os bárbaros já haviam se convertido ao
Cristianismo por causa dos esforços missionários de
hereges, como os novacianos, arianos e outros.
Mais ainda, foi Jesus quem desencadeou o único
movimento de renovação social que tem direito ao título
de revolução em toda a história da humanidade. Todos os
movimentos que os historiadores louvam em seus tratados
foram, até hoje, meras maquiagens sociais que mudaram
apenas aspectos superficiais da sociedade sem atingir o
ponto fundamental – o Homem. Por isso, ainda não se
conseguiu uma sociedade justa em todos os sentidos. Que
o homem deve ser o objeto principal de qualquer
movimento transformador, é uma derivação lógica da
própria definição durkheimiana da sociedade como sendo
a síntese dos indivíduos que a compõem. Ora, observandose
os problemas da sociedade humana contemporânea,
pode-se ver que a síntese denuncia a qualidade dos
componentes. A prova dessa afirmação pode ser
constatada em dois grandes movimentos sociais – a
Revolução Francesa e a Revolução Bolchevista.
A primeira desfraldou as bandeiras de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade. Diziam seus líderes que
começava uma nova ordem político-social na história
humana. Não haveria fome, discriminação social,
privilégio ou despotismo. Todavia, mesmo em pleno
processo revolucionário, todo esse ideário se perdeu na
orgia autofágica das diversas facções que dele faziam
parte.
Com a Revolução Russa de 1818 foi diferente. Ela
conseguiu criar um Estado Socialista, vencendo as reações
contra-revolucionárias, bem como as tentativas
neutralizadoras das nações capitalistas. Dado o primeiro
passo – a conquista do poder pela classe proletária –,
começou a estruturação do processo político-econômico
que terminaria por construir, segundo pensavam os seus
ideólogos, o Estado Comunista. O estágio político básico
– a ditadura do proletariado – foi iniciado e nunca
terminou. Foi liquidado por um defeito congênito da teoria
inspiradora – o Materialismo. Produto artificial na cultura
humana, o Materialismo é uma filosofia desagregadora,
por radicalizar o individualismo e estimular o egoísmo.
Certas pessoas, e até entre as mais céticas, se fazem
apóstolos da fraternidade e do progresso; mas a
fraternidade supõe o desinteresse, a abnegação da personalidade.
Com a verdadeira fraternidade, o orgulho
é uma anomalia. Com que direito impondes um sacrifício
àquele a quem dizeis que quando morre tudo
acabou para ele; que o amanhã talvez não seja mais
que uma velha máquina desconjuntada e jogada fora?
Que motivo tem ele para se impor qualquer privação?
Não é mais natural que, durante os breves instantes
que lhe concedeis, procure viver o melhor possível?
Daí o desejo de possuir muito para melhor gozar. Desse
desejo nasce o ciúme dos que possuem mais que ele
e, desse ciúme, para a cobiça do que eles têm é um
passo. O que o retém? É a lei? Mas a lei não abrange
todos os casos. Direis que é a consciência, o sentimento
do dever? Mas sobre o que baseais o sentimento
do dever? Esse sentimento tem alguma razão de ser
com a crença de que tudo acaba com a vida? Com
essa crença só uma máxima é racional: cada um por
si. As idéias de fraternidade, de consciência, de dever,
de humanidade e mesmo de progresso não passam de
palavras vãs. Oh! Vós, que proclamais semelhantes
doutrinas, não sabeis todo o mal que fazeis à sociedade
nem de quantos crimes assumis a responsabilidade!
Mas eu falei de responsabilidade? Para o cético,
não existe responsabilidade; ele só presta homenagem
à matéria.1
Vê-se, nesses raciocínios, uma análise lógica das
conseqüências do Materialismo Histórico, que os fatos
vieram testificar.
O Marxismo, com seu brilhante humanismo,
pretendendo a criação de uma sociedade justa e igualitária,
não teve condições de sobreviver ao embate contra o
egoísmo das coletividades em que triunfou. A perspectiva
materialista do sistema levou Marx à conclusão de que,
não havendo alma que sobrevivesse após a morte, a
consciência humana era apenas um epifenômeno
produzido pelas reações físico-químicas do sistema
nervoso. Ela refletiria, tão somente, o movimento da
1 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2 ed. 1860. Tradução Djalma Motta
Argollo. Salvador-Bahia: Fundação Lar Harmonia, 2007. p.421-2.
matéria no seu entorno. Por sua vez, a ação consciente do
ser humano sobre o meio provocaria modificações, e o
meio modificado voltaria a agir sobre o homem, levandoo
a uma nova transformação, e assim sucessivamente. A
sociedade, sendo regida pela infra-estrutura econômica,
as relações de produção a ela inerentes construiriam a
superestrutura ideológica, a qual, refletida pela consciência
através dos procedimentos sociais, comandaria o
comportamento individual e coletivo. Para resolver o
problema das desigualdades e injustiças da sociedade
atual, seria bastante socializar os meios de produção para
que os indivíduos mudassem por via de conseqüência.
Acontece que a teoria tem um diagnóstico, até certo ponto,
correto do problema, mas a eliminação do Espírito,
enquanto entidade preexistente e sobrevivente ao corpo,
foi um erro fatal. Primeiramente, porque o Espírito,
mesmo que não existisse, teria de ser levado em conta,
dado o critério lógico utilizado pela crítica marxista da
sociedade – a dialética hegeliana. Essa dialética preceitua
que toda tese exige, necessariamente, uma antítese para
ser construída uma síntese, tese de um novo binômio teseantítese
em nível mais elevado. Nessa linha de pensamento,
a matéria requer, como premissa coligada e
antagônica, a negação da matéria, ou seja, o Espírito, para
que a equação do raciocínio se apresente harmônica, com
todos os seus termos claramente posicionados. Ao
considerar o espiritual uma irrealidade, portanto descartável,
os corifeus do Materialismo Histórico serraram o
galho onde estavam sentados. Esqueceram-se da antítese,
mergulhando unilateralmente no interior da tese para
construírem raciocínios e tirarem conclusões. Como
resultado, suas premissas foram edificadas sobre falsos
supostos, o que prejudicou a elaboração sistêmica.
O Espírito é imperativo categórico requerido pela
análise dialética, não apenas por ser uma variável
necessária, mas porque é uma realidade da Natureza. Sem
ele, seria impossível a existência da matéria, por ser a
força que lhe dá consistência e objetividade. Sem qualquer
dúvida, como Marx e Engels concluíram, o Espírito e a
matéria interagem dialeticamente, um modificando o
outro, em regime de aperfeiçoamento constante.
Diferentemente da consciência evanescente do Marxismo,
o Espírito é permanente, preexistindo e sobrevivendo ao
corpo que o alberga temporariamente. Os resultados da
interação com o meio material ficam indelevelmente
impressos nele.
Sem dúvida que, em curto prazo, o apelo humanista
do Marxismo é capaz de motivar alguns idealistas a gestos
nobres de desprendimento e doação, mas, a longo prazo,
mostrou-se incapaz de inspirar o mesmo sentimento às
coletividades. Os regimes comunistas foram corroídos
pelos germes da dissolução inerentes à própria base do
sistema, terminando por implodirem fragorosamente,
tragados pelo vórtice genético auto-aniquilante. Isto é, o
egoísmo findou por vencer a diminuta capa de altruísmo.
Um dado importante para análise é que, quando o
Manifesto Comunista foi lançado em fevereiro de 1848,
com ele, o Materialismo Histórico passava a ser a
ideologia da proposta política da Revolução Proletária
para implantar uma sociedade de absoluta justiça e
igualdade social. É interessante notar que assim começa
o Manifesto: “Um espectro ronda a Europa – o espectro
do comunismo”2. Acontece que, no mês seguinte,
2 MARX,Karl; ENGELS, Friedrick. Manifesto do partido comunista. São Paulo:
Ed. e Liv. Anita, 1989. p.29.
justamente no dia 31 de março, numa casa da pequena
vila de Hydesville, no Condado de Wayne, no Estado de
Nova York, nos EUA, um espectro não apenas rondou,
mas literalmente assombrou o mundo – o espectro de
Carlos Rosma, o infeliz pedlar, ali assassinado por causa
de um punhado de dólares. Ora, enquanto o Manifesto
baseava-se numa ideologia que propugnava o mundo
material como única e absoluta realidade, o Espírito do
caixeiro viajante demonstrava a continuidade do
psiquismo e todas as suas funções, além do fenômeno da
morte numa realidade dimensional que envolve e permeia
o citado mundo, ou seja, o mundo espiritual. Assim, o
Materialismo Histórico foi contestado pelos fatos logo
nos primórdios de sua existência, desmoralizado em seu
niilismo esdrúxulo e socialmente nefasto, como demonstrado
linhas atrás.
Que o egoísmo é o maior obstáculo à elevação moral
da Humanidade, é reconhecido pelos ensinos espirituais:
Qual vício podemos considerar radical?
Já dissemos muitas vezes que é o egoísmo, pois dele
deriva todo o mal. Estudai todos os vícios e vereis
que na sua base está o egoísmo. Podereis combatêlos,
mas não conseguireis extirpá-los enquanto não
atacardes o mal pela raiz, não tiverdes destruído a
causa. Que todos os vossos esforços, portanto, sejam
nesse sentido, pois no egoísmo se encontra a verdadeira
chaga da sociedade. Quem quiser aproximarse,
desde esta vida, da perfeição moral, deve extirpar
do seu coração todo o sentimento de egoísmo, pois
ele é incompatível com a justiça, o amor e a caridade.
Ele neutraliza todas as qualidades.3
3 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2 ed. 1860. Tradução Djalma Motta
Argollo. Salvador-Bahia: Fundação Lar Harmonia, 2007. p. 366. (Questão 913).
No que tange à falência do sistema socialista, podem
ser alegados vários outros fatores na vã tentativa de se
encontrar uma explicação diferente, como, por exemplo,
a pressão econômica sistemática das nações capitalistas,
lideradas pelos Estados Unidos da América do Norte.
É verdade que isso aconteceu. Todavia, se os povos
que viviam a experiência marxista houvessem adquirido
noção efetiva de dedicação ao bem coletivo, crendo
firmemente nos valores que os regiam, teriam suplantado
qualquer obstáculo, mesmo à custa de imensos sacrifícios.
Existe um exemplo formidável a esse respeito, que nos
foi dado pelos cristãos dos primeiros séculos. Mesmo
perseguidos de forma cruel pelo Império Romano,
colocados fora da lei em regime absoluto, sendo-lhes
negada a mínima proteção legal, dever impostergável de
qualquer Estado Civilizado, mantiveram-se fiéis aos
postulados abraçados, embora lhes custassem a tortura
pessoal e dos entes queridos, bem como a morte. Foram
três séculos, que não são três dias, de luta ciclópica, em
que a arma dos oprimidos era a perseverança, o perdão e
a caridade para com os algozes, ou seja, a anti-revolução.
Um outro elemento que tem prejudicado as
tentativas de transformação social por via revolucionária
é o emprego da violência para implantação dos princípios
idealizados. Jesus foi taxativo: “Todos que tomam a
espada, pela espada perecerão” 4.
O problema com a forma da luta revolucionária é
justamente o método empregado para assumir o poder.
Na Revolução Francesa e na Revolução Russa, a sanha
assassina dos revolucionários vitoriosos foi um triste
espetáculo de crueldade. Acontece que só o corpo é morto,
4 Mt 26, 52.mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm
mas o Espírito permanece guardando toda sua condição
emocional, ou seja, odiando e antagonizando seus algozes,
aos quais acompanha ininterruptamente, procurando por
todos os meios e modos a desforra, considerada justa.
Além do mais, a Lei de Causa e Efeito estabelece que
estamos ligados, impreterivelmente, às conseqüências de
nossas ações, boas ou más, num sistema de responsabilidade
impostergável pelo resultado das atitudes e
escolhas tomadas. Por isso, as vítimas de uma revolução
terminam por voltar à vida física através da reencarnação
no círculo familiar ou social dos seus verdugos diretos e
indiretos, os quais lhes restituem automaticamente o poder
tirado, o que é o mesmo que anular os ideais que sustentavam
o movimento, a médio e longo prazos.
A violência desnecessária, cometida quando da
implantação do Socialismo, levou a maioria dos executados
à ação obsessiva sobre seus algozes, bem como a um
permanente trabalho de solapa do sistema, pela inspiração
de planos e decisões que, ao longo do tempo, redundariam
em fracasso, lançando ao descrédito a instituição
socioeconômica.
Trabalhando o egoísmo dos indivíduos e das
corporações, os exilados da espiritualidade findaram por
conseguir fazer da ditadura do proletariado uma tirania
brutal. A abnegação revolucionária foi substituída pela
opressão estatal. No lugar do despotismo czarista,
entronizou-se o despotismo ideológico do partido único
no poder. Pela centralização de todos os meios de produção
nas mãos do Estado, todos viraram funcionários
públicos, instituindo-se um governo paralelo, corporativista,
mais poderoso do que o Institucional – a ditadura
da burocracia. Os burocratas passaram a se conceder todas
as mordomias e benesses possíveis enquanto o povo era
instado aos maiores e mais difíceis sacrifícios, como
acontecia no regime anterior e acontece nos países do
terceiro mundo, como o Brasil. A falta de exemplos de
altruísmo por parte dos quadros dirigentes privou a
coletividade de uma fonte natural de estímulos ao desprendimento
e à abnegação. O materialismo entronizado como
visão de mundo, e permanentemente difundido pela
propaganda estatal, levou ao apodrecimento das instituições
por incentivar a falta de caráter e a inescrupulosidade
em todos os escalões do governo, gerando a revolta e o
antagonismo na população, a qual terminou por impor a
queda do sistema, o que aconteceu em apenas três anos.
De acordo com o exposto, só existirá uma sociedade
realmente justa quando se conseguir implantar em cada
indivíduo a certeza de que ele é um Espírito imortal. Vejase
bem que dissemos certeza, e não uma mera crença
imposta de cima para baixo, como aconteceu na Europa,
Ásia Menor e Norte da África quando da transformação
do Cristianismo em religião de Estado. As religiões
tradicionais diferem do Espiritismo nessa condição básica.
Enquanto aquelas informam, baseadas no critério da
autoridade, sobre a imortalidade da alma, esse leva à
certeza, por comprovar o fato experimentalmente.
Enquanto as religiões apelam para o credo quiam
absurdum5, a Doutrina Espírita estatui que “Fé inabalável
só é aquela que pode encarar a razão face a face, em todas
as épocas da humanidade” 6.
Conscientizado o homem da sua condição de
Espírito, a etapa seguinte é fazê-lo viver as conseqüências
5 Creio, porque é um absurdo. mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm
6 KARDEC, Allan. L´évangile selon le spiritisme. 3 ed. Paris: Les Editeurs du
Livre des Esprits, 1866. Página de rosto. Tradução Djalma Motta Argollo.(Il n´y
a de foi inébranlable que celle qui peut regarder la raison face à face, a tous lês
ages de l´humanité)
dessa conscientização, pela reforma de hábitos e atitudes,
de acordo com a ética cristã, instando-o para viver o
altruísmo e o amor, destruindo o impulso centralizador
da personalidade – o egoísmo.
Mas será que existe um processo para a eliminação
do câncer infeliz e virulento do egoísmo? Sim, existe.
Encontra-se no Livro dos Espíritos a fórmula
fundamental para eliminação desse fator negativo, causa
real das misérias morais do Homem.
Qual o meio de destruir o egoísmo?
De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de
erradicar é o egoísmo, porque se prende à influência
da matéria da qual o homem, ainda muito próximo
da sua origem, não pôde se livrar e essa influência
concorre para mantê-lo: suas leis, sua organização
social, sua educação. O egoísmo diminuirá com a predominância
da vida moral sobre a vida material e,
sobretudo, com a compreensão que o espiritismo vos
dá do vosso real estado futuro, não desnaturado pelas
ficções alegóricas. O espiritismo bem compreendido,
quando estiver identificado com os costumes e as crenças,
transformará os hábitos, os usos e as relações sociais.
O egoísmo tem por base a importância da personalidade;
ora, o espiritismo bem compreendido, repito,
faz ver as coisas de tão alto que, de certa maneira,
o sentimento da personalidade desaparece diante
da imensidão. Destruindo essa importância ou, pelo
menos, em fazendo vê-la tal como é, combate necessariamente
o egoísmo.
Ofendido pelo egoísmo dos outros, o homem torna-se
egoísta, porque sente necessidade de se colocar na
defensiva. Ao ver que os outros pensam em si próprios
e não nele, é levado a ocupar-se mais de si que dos
outros. Que o princípio da caridade e da fraternidade
esteja na base das instituições sociais, das relações
legais entre os povos e entre os homens, e o homem
pensará menos em si próprio quando vir que os ou-
tros pensam nele. Sofrerá a influência moralizadora
do exemplo e do contato. Em face dessa recrudescência
do egoísmo, é preciso uma verdadeira virtude para
fazer o homem abnegar da sua personalidade em proveito
dos outros que, em geral, não são reconhecidos;
É sobretudo aos que possuem essa virtude que o reino
dos céus está aberto; a eles está reservada a felicidade
dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no
dia do juízo, quem só tiver pensado em si próprio será
apartado, e sofrerá do seu abandono (785). 7
A base das conquistas citadas está nos ensinos de
Jesus, que o Espiritismo, como Consolador Prometido8,
recorda e aprofunda.
O rabi Galileu nunca assumiu uma postura de
Filósofo das massas; muito pelo contrário. Os ensinamentos
que ministrou sempre foram dirigidos, de forma
particular, para cada um dos seus ouvintes, e continuam a
ter um caráter individual. Seu postulado sociológico é a
teoria do fermento: “O Reino dos Céus é semelhante ao
fermento que uma mulher tomou e pôs em três medidas
de farinha, até que tudo ficasse fermentado” 9.
O significado é óbvio; a transformação social deve
acontecer de dentro para fora. Será necessário que os
indivíduos se transformem individualmente, em primeiro
lugar, antes de exigirem a modificação dos outros. A partir
daí, ajam como fermento, levedando a massa lentamente,
mas com segurança. O Mestre sabia que uma sociedade é
sempre a síntese dos elementos que a compõem. Através
do exemplo particular, cada um que realize sua reforma
7 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2 ed. 1860. Tradução Djalma Motta
Argollo. Salvador-Bahia: Fundação Lar Harmonia, 2007. p.367 (Questão 917).
8 Negar esse caráter da Doutrina Espírita, sob o argumento de que é muita
pretensão, é de um simplismo tão grande que não merece maior atenção.
9 Mt 13, 33.
íntima atua positivamente, modificando outros seres
humanos. É uma aplicação da Lei de Imitação definida
por Gabriel Tarde, considerado o Pai do Psicologismo
Social, no século XIX. Essa Lei explica como se dá o
processo de socialização dos seres humanos, cujo aprendizado
se faz por imitação dos atos sociais em vigor na
sociedade, como a fala, a cultura, os usos e costumes etc..
Note-se que, na citação de Fénelon, seu Espírito diz a
mesma coisa quando fala na importância do exemplo para
aprimoramento das relações sociais, pela difusão de
normas éticas de conduta.
Na medida em que se expande a vivência dos
princípios éticos do Evangelho do Cristo pela vivência
individual, a imitação faz com que as atitudes morais
elevadas se propaguem pelos indivíduos, promovendo a
mudança das unidades sociais numa progressão constante
através dos séculos, culminando por transformar completamente
a sociedade. Por isso, o Mestre insta com seus
seguidores, de todas as épocas, para que exemplifiquem
Seus ensinamentos:
Vós sois o sal da terra: porém se o sal se tornar insulso,
com o que será salgado? Para nada mais serve, a não
ser para se jogar fora e ser pisoteado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo, não pode uma cidade situada
sobre um monte ser escondida. Nem se acende uma
lamparina e se a põe sob uma vasilha, mas no candelabro,
e brilha para todos que estão na casa. Assim,
deixai brilhar vossa luz ante os homens, para que possam
enxergar vossas realizações nobres e louvem vosso
Pai, que está nos céus.10
Allan Kardec, inspirado pelos Espíritos Codificadores,
endossou tal proposta de forma decisiva: “A
10 Mt 5, 13-16.
humanidade progride pelos indivíduos que se aperfeiçoam
e se esclarecem pouco a pouco. Então, quando eles se
tornam a maioria, lideram e arrastam os outros” 11.
Essa revolução, sem qualquer dúvida, é a única com
capacidade para promover a reformulação social absoluta,
realizando as utopias sonhadas por grandes pensadores,
desde Platão até Karl Marx, sem retrocessos destrutivos.
Mas, à Lei de Imitação, será necessário ajuntar o
princípio natural da reencarnação, explicada e aprofundada
pela Doutrina Espírita. Os indivíduos que lutam pela
própria transformação moral não o conseguem numa só
existência, de um modo geral, e ao retornarem, depois da
desencarnação, à vida física, terão sempre maior facilidade
em aderir ao processo, progredindo gradualmente no seu
objetivo. Além disso, sua influência sobre os outros homens
se propaga no tempo através das vidas sucessivas,
aumentando o poder de atuação da citada Lei. O número
crescente de Espíritos em processo de renovação já se faz
sentir no momento presente, quando surgem e se expandem,
como nunca, os movimentos em prol da modificação
positiva do comportamento humano, tanto individual
como coletivo. Está nascendo uma consciência de valores
comportamentais éticos em todos os níveis da atividade
social. Movimentos pela valorização da vida, pelo desaparecimento
dos métodos cruéis da tortura, pelo respeito à
liberdade de pensamento, pela preservação da Natureza,
pela paz entre as nações, pela melhoria das condições de
existência dos pobres, pelo apoio aos deficientes físicos,
pela abolição da fome etc.. Esses são indicadores positivos
de que as proposições de Jesus estão agindo como um
11 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 2 ed. 1860. Tradução Djalma Motta
Argollo. Salvador-Bahia: Fundação Lar Harmonia, 2007. p.324 (Comentário à
Questão 789).
levedo na estrutura social, construindo lenta, mas seguramente,
o Reino de Deus na face da Terra.
Profundamente vinculada aos ensinos de Jesus, a
Doutrina Espírita não pode ser dissociada deles, sob pena
de perder sua finalidade – o aprimoramento moral e
espiritual do ser humano. É por isso que todas as tentativas
de estabelecer um Espiritismo inteiramente científico, isto
é, podado de sua feição religiosa, tende ao mais absoluto
fracasso. O assunto já foi abordado em outra obra.
Aqui se põe a discussão do problema do Espiritismo
laico.
Segundo os defensores desta idéia, o Espiritismo deveria
cortar os laços com qualquer tipo de religiosidade,
principalmente a cristã, para, sobrepairando as diferenças
e radicalismos religiosos, universalizar-se, cumprindo
o objetivo de fazer progredir a humanidade.
Argumentam que a cristianização da Doutrina Espírita
põe barreiras à sua aceitação por parte da maioria
não-cristã da Humanidade, o que é possível pelos seus
princípios fundamentais que, de resto, já são aceitos
por grande parcela dos povos, desde a mais remota
antiguidade, independentemente do nível de civilização
que possuam. Allan Kardec concorda com esta
parte, escrevendo que o mérito da Doutrina está em
provar o que os outros sempre afirmaram, apoiados
apenas no critério da autoridade ou da tradição.12
Analisando o problema, escreve o Codificador:
Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base
as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus,
a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras,
sendo, porém, independente de qualquer culto
em particular. Seu objetivo é provar àqueles que ne-
12 ARGOLLO, Djalma Motta. O novo testamento: um enfoque espírita. 2 ed. São
Paulo: Mnêmio Túlio, 1994. p.45-9.
gam ou duvidam, que a alma existe, que ela sobrevive
ao corpo e que sofre, após a morte, as conseqüências
do bem ou do mal que praticar durante a vida corpórea:
o objetivo de todas as religiões. Quanto à crença nos
espíritos, também se encontra em todas as religiões,
assim como em todos os povos, porquanto, em toda
parte em que há homens, há almas ou espíritos. Suas
manifestações pertencem a todas as épocas, e, em todas
as religiões, sem exceção, há narrativas a este respeito.
Católicos - gregos ou romanos -, protestantes,
judeus ou muçulmanos podem crer nas manifestações
dos Espíritos e ser, por conseguinte, Espíritas. A prova
está em que o Espiritismo tem adeptos em todas as
seitas. Como moral é essencialmente cristão, porque
a doutrina que ensina nada mais é que o desenvolvimento
e a prática daquela do Cristo, a mais pura dentre
todas, cuja superioridade ninguém contesta, prova
evidente de que é a expressão da lei de Deus. Ora,
a moral está ao alcance de todos. O Espiritismo, independente
de qualquer forma de culto, não aconselhando
nenhum e não se preocupando com dogmas
particulares, não constitui uma religião especial, pois
não possui nem sacerdotes, nem templos. Aos que lhe
perguntam se fazem bem em seguir tal ou tal prática,
apenas responde: Se sua consciência aprova o que
você faz, faça-o. Numa palavra, o Espiritismo nada
impõe a ninguém. Não se destina aos que têm fé, e a
quem esta fé é suficiente, mas à numerosa classe dos
inseguros e dos incrédulos. Não os afasta da Igreja,
porquanto já estão dela moralmente afastados, de
modo total ou parcial, mas os leva a fazer três quartos
do caminho para nela entrarem; cabe à Igreja fazer
o resto.13
O pensamento de Kardec é pleno de lógica e
coerência argumentativa; contudo, a psicologia humana,
13 KARDEC, Allan. O espiritismo em sua mais simples expressão. In: __. Iniciação
espírita. Tradução Joaquim da Silva Sampaio Lobo e Cairbar Schutel. 12 ed.
Sobradinho-DF: Edicel, 1990. p.27-8.
egocentrista, raciocina geralmente de acordo com padrões
maniqueístas, em que as proposições são mutuamente
excludentes.
O Espiritismo como ponto axiologicamente neutro,
em que as religiões pudessem se encontrar acima de
quaisquer sentimentos antagônicos, não vingou. A oposição
hostil da Igreja Católica e das Igrejas Reformadas
pôs seus crentes que aceitavam o pensamento Espírita
diante de um impasse – ou abjuravam o conhecimento e
os ensinos que os fatos demonstravam verdadeiros, retornando
à crença nos dogmas vetustos, senis e irracionais,
ou seriam implacavelmente excomungados como heréticos.
Paralelamente a isso, deslancharam perseguição
sistemática contra os espíritas, que atingiu paroxismos
de intolerância e perversidade. Kardec assim descreve
esses lamentáveis episódios inquisitoriais:
Em certas localidades, não foram indicados (os espíritas)
à censura de seus concidadãos, até serem perseguidos
e injuriados nas ruas? Não se ordenou aos fiéis
fazê-los fugir como enfestados, não se dissuadiram os
empregados de entrar para o seu serviço? Não se solicitou
às mulheres separarem-se de seus maridos e aos
maridos de suas esposas, por causa do Espiritismo?
Não se fizeram despachar empregados, retirar a operários
o seu pão de cada dia e a necessitados o pão da
caridade por serem espíritas? Até cegos não foram
expulsos de certos hospitais, porque tinham recusado
abjurar suas crenças? 14
E, finalmente, conclui o sábio lionês:
Em resumo, a Igreja, repelindo sistematicamente os
espíritas que voltavam a ela, forçou-os a se refugia-
14 KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. 12 ed. Sobradinho-DF: Edicel, 1990.
rem na meditação. Pela violência de seus ataques, alargou
a discussão e a levou para um novo terreno. O
Espiritismo não era mais que simples doutrina filosófica;
foi a própria Igreja que o desenvolveu, apresentando-
o como um temível inimigo. Foi ela, enfim,
quem o proclamou como nova religião. Era uma demonstração
de inépcia, mas a paixão não raciocina.15
Atingido o status de religião, que o Codificador
procurara evitar, a situação se tornou altamente complicada.
Acabou-se a neutralidade axiológica. Desde então,
todo aquele que se torna espírita abandona sua religião
tradicional numa típica atitude de conversão.
Se o problema é tão grave entre pessoas da mesma
tradição cristã, imagine-se com as de tradições absolutamente
diversas, ou até antagônicas, como a dos islamitas.
Nesse caso particular, a situação tem um agravante – a afirmação
supramencionada de ser, como o é, a moral espírita
absolutamente cristã, que Kardec afirma ser superior a todas
as outras, é ponto fatal de rejeição ao Espiritismo.
Pretender-se retornar ao status quo ante pela simples
exclusão do Evangelho segundo o Espiritismo, de forma
arbitrária, do elenco da Codificação é de uma ingenuidade
gritante. Seria preciso fazer uma recodificação, eliminando
dela toda e qualquer afirmativa de cristianidade, o que,
além de absurdo, é totalmente impossível.
A Doutrina Espírita surgiu como o Consolador
prometido pelo Cristo, como afirmamos linhas atrás. Sua
moral é a estabelecida nos Evangelhos, como escreveu
Kardec, e ratificou a publicação do Evangelho segundo o
Espiritismo.
No Brasil, onde o Espiritismo encontrou sua pátria
real e se desenvolveu de forma extraordinária, ele é total-
15 KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. 12ed. Sobradinho – DF: Edicel, 1990, p. 100.
mente evangélico, e com essa característica está retornando
ao berço de origem, a França, e se expandindo pelo mundo,
propagado pelos nossos médiuns e expositores. Assim, o
Espiritismo laico não passa de um sonho impossível, em
completa discordância com a realidade histórica.
A essas ilações, pode-se acrescentar que os princípios
nos quais se estriba o Espiritismo são, por si mesmos,
universais, porque são Leis da Natureza. Todos os seres
vivos, pelo menos, possuem um campo organizador da
forma, o qual preexiste e sobrevive à morte do organismo.
Esse campo, enquanto desligado do corpo, permanece com
todos os seus atributos mentais e emocionais ativos, numa
dimensão própria que envolve e penetra a nossa.
Por guardar suas funções de racionalidade e sentimentos,
continua a interagir com os demais campos, tanto
no sentido horizontal do hábitat onde vive quanto no
vertical, com os que ainda se encontram vinculados à
matéria, influenciando-os e sendo por eles influenciados.
Graças à faculdade mediúnica, podem provocar
fenômenos diversos, através dos quais atestam sua
existência e continuidade. Ora, o Espírito – como
denominamos geralmente o campo organizador da forma
– é, portanto, um fato independente de crença, posição
social, condição econômica, ética ou cultural. Assim,
budistas, maometanos, protestantes, católicos, ateus,
xintoístas e outros podem promover os meios e modos de
intercambiarem com os seres espirituais, criando seus
próprios sistemas filosóficos em torno do que conseguirem,
o que não é proibido nem pode sê-lo, a não ser pelos
dogmas e preconceitos alienantes que cultivam. Não é a
feição cristã da Doutrina Espírita que os impede. São eles
que se impedem de ter acesso ao manancial de ensinos e
consolações que o intercâmbio mediúnico enseja.
Os Evangelhos, bem como o Novo Testamento, são
livros fundamentais para a Doutrina Espírita, que os
esclarece e aprofunda da mesma forma como Jesus o fez
com o Mosaismo.
O Movimento Espírita necessita se preocupar sempre,
mais e mais, com o seu papel de veiculador dos
princípios evangélicos. Não se pode esquecer que o Espiritismo
está no mundo para influenciar decisivamente no
progresso da Humanidade, justamente por ser uma revivescência
do Cristianismo.
De que forma o espiritismo pode contribuir para o
progresso?
Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da
sociedade, ele faz compreender em que se encontra o
verdadeiro interesse dos homens. A vida futura não
estando mais sob o véu da dúvida, o homem compreenderá
melhor que pode assegurar o seu futuro pelo
presente. Destruindo os preconceitos de seitas, castas
e cor, ele ensinará a grande solidariedade que deve
unir os homens como irmãos 16
E para conseguir esse desiderato, apresenta-nos um
padrão, que deve ser seguido de maneira absoluta: “Qual
o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para
lhe servir de guia e modelo? Vede Jesus17”. Ao que o
Mestre de Lyon, com sua intuição privilegiada, acrescenta:
Jesus é para o homem o tipo de perfeição moral a que
pode aspirar a Humanidade na Terra. Deus no-lo oferece
como o mais perfeito modelo, e a doutrina que
ele ensinou é a mais pura expressão de Sua lei, por-
16 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 2 ed. 1860. Tradução Djalma Motta
Argollo. Salvador-Bahia: Fundação Lar Harmonia, 2007. p.328. (Questão 799).
17 Ibid., p.273 (Questão 625).
que ele estava animado do Espírito divino e foi o ser
mais puro que já apareceu na Terra.18
Este livro tem como finalidade chamar atenção para
o estudo e a meditação sobre Jesus e seus ensinamentos.
Não é uma Vida de Jesus, no sentido tradicional do termo;
são histórias em torno da pessoa do Mestre, enquanto
viveu entre nós.
O Encontro com Jesus nasceu sob a inspiração do
Espírito Mnêmio Túlio, responsável pelo conteúdo das
histórias, mas absolutamente inocente dos erros históricos
ou de outro gênero nelas existentes, que devem ser
debitados à incompetência do co-autor encarnado. Isso
porque elas aconteceram por via da mediunidade de
inspiração, a qual, segundo Allan Kardec, não permite
que seja feita uma separação objetiva entre o pensamento
da entidade comunicante e o do médium. Nesse caso, por
que o médium não assume definitivamente a completa
autoria do livro? Pelo simples fato de perceber, quando o
fenômeno inspirativo se dava, que a idéia nascia fora da
sua mente e, nessas condições, ao assumir sua total autoria,
seria uma apropriação indébita, incompatível com o culto
à honestidade que o Espiritismo ensina.
Um esclarecimento. Alguns leitores questionaram
o fato de ser apresentado o nascimento de Jesus como o
faz a tradição, ou seja, que Maria era virgem quando da
concepção. O problema é que este livro não se propõe a
ser uma obra crítica dos Evangelhos e da vida de Jesus
conforme apresentada pela ortodoxia, mas uma releitura
de episódios constantes dos Evangelhos, emoldurada em
18 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 2ed. 1860. Tradução Djalma Motta
Argollo. Salvador-Bahia: Fundação Lar Harmonia, 2007, p. 273 (Comentário
à Questão 625).
narrativas para ilustrar o núcleo original. Assim, o
nascimento virginal, mesmo que seja um mito, enseja uma
série de questões emocionais, transformando-se num rico
manancial de circunstâncias que a imaginação pode, e
deve, explorar em todas as dimensões da arte. Aliás, isso
tem acontecido, e os museus e as bibliotecas do mundo
inteiro guardam o resultado das projeções do inconsciente
de inúmeros artistas e escritores que foram arrebatados
pela força e dinamismo do arquétipo do nascimento
virginal. Preferi deixar falar a grandiosidade do arquétipo,
incomensurável e transcendente, constelando toda a
numinosidade do mito da natividade e, confesso, senti a
alma invadida por sensações indescritíveis que, em muitas
oportunidades, continuam a repercutir no meu psiquismo,
gerando estados alterados de consciência bastante
prazerosos. Para os que quiserem, porém, saber o que
penso realmente sobre o assunto, aconselho ler o livro O
Novo Testamento: um enfoque espírita.

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