quinta-feira, 7 de maio de 2009

Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos - Terceiro Ano – 1860

TRECHO:
O Espiritismo em 1860
Revista Espírita, janeiro de 1860
A Revista Espírita começa seu terceiro ano, e estamos felizes ao dizer que ela o faz sob os a
mais favoráveis auspícios. Aproveitamos com zelo esta ocasião para testemunhar aos nossos
leitores toda a nossa gratidão pelas provas de simpatia que deles recebemos diariamente. Só
isto seria um encorajamento para nós, se não encontrássemos, na própria natureza e
objetivo de nossos trabalhos, uma grande compensação moral pelas fadigas que lhes são
conseqüência. A multiplicidade desses trabalhos, aos quais nos consagramos inteiramente, é
tal que nos é materialmente impossível responder a todas as cartas de felicitações que nos
chegam. Isso nos força, pois, endereçar aos seus autores um agradecimento coletivo, que
rogamos aceitarem. Estas cartas, e as numerosas pessoas que nos honram vindo
conferenciar conosco sobre essas graves questões, nos convencem, cada vez mais, dos
progressos do Espiritismo verdadeiro, e entendemos por isso o Espiritismo cumprido em
todas as suas conseqüências morais. Sem nos iludirmos sobre a importância dos nossos
trabalhos, o pensamento de havermos para ele contribuído, lançando alguns grãos na
balança, é, para nós, uma doce satisfação, porque esses alguns grãos sempre servirão para
fazer refletir.
A prosperidade crescente de nossa coletânea é um indício do carinho com que é acolhida; não
temos, pois, senão que prosseguir nossa obra na mesma linha, uma vez que recebe a
consagração do tempo, sem nos afastarmos da moderação, da prudência e da conveniência
que nos guiaram sempre. Deixando aos nossos contraditores o triste privilégio das injúrias e
das personalidades, não os seguiremos, não mais, no terreno de uma controvérsia sem
objetivo; dizemos sem objetivo porque ela não poderia trazer a eles a convicção, e é perder
seu tempo discutir com pessoas que não conhecem a primeira palavra daquilo que falam. Não
temos senão uma coisa a dizer: Estudai primeiro e nos veremos em seguida; nós temos outra
coisa a fazer senão falar àqueles que não querem ouvir. Que importa, aliás, em definitivo, a
opinião contrária deste ou daquele? Essa opinião é de uma importância tão grande que possa
entravar a marcha natural das coisas? As maiores descobertas encontraram os mais rudes
adversários, o que não lhes fez soçobrarem. Deixamos, pois, à incredulidade murmurar ao
nosso redor, e nada nos fará desviar do caminho que nos está traçado, pela própria
gravidade do assunto que nos ocupa.
Dissemos que as idéias Espíritas progridem. Há algum tempo, com efeito, elas ganharam um
terreno imenso; dir-se-ia que elas estão no ar, e certamente não é ao bombo da imprensa
periódica, pequena ou grande, que elas são devedoras. Se elas progridem para com e contra
tudo, e não obstante a má vontade que se encontram em certas regiões, é porque elas
possuem bastante de vitalidade para se bastarem a si mesmas. Aquele que se dá ao trabalho
de aprofundar esta questão do Espiritismo, nele encontra uma satisfação moral tão grande. A
solução de tantos problemas dos quais em vão pedira a explicação às teorias vulgares; o
futuro se abre diante dele de um modo tão claro, tão preciso, tão LÓGICO, que se diz, com
efeito, que é impossível que as coisas não se passem assim, e que admira não se as tenham
compreendido mais cedo; que um sentimento íntimo lhe dizia dever estar aí; a ciência
Espírita, desenvolvida, não faz outra coisa senão formular, tirar do nevoeiro, as idéias já
existentes no seu foro interior; desde então o futuro tem, para ele, um objetivo claro,
preciso, limpidamente definido; não caminha mais no vago, vê seu caminho; não é mais esse
futuro de felicidade ou de infelicidade que a razão não podia compreender, e que por isso
mesmo ele repelia; é um futuro racional, conseqüência das próprias leis da Natureza,
podendo suportar o exame mais severo; por isso ele é feliz, e como aliviado de um peso
imenso: o da incerteza, porque a incerteza é um tormento. O homem, apesar de si, sonda as
profundezas do futuro, e não pode impedir de vê-lo eterno; compara-o com a brevidade e a
fragilidade da existência terrestre. Se o futuro não lhe oferece nenhuma certeza, ele se
atordoa, se curva sobre o presente, e para torná-lo mais suportável, nada lhe importa; será
em vão que sua consciência lhe fale do bem e do mal, ele se diz: O bem é o que me torna
feliz. Que motivo teria, com efeito, em vero bem alhures? Por que suportar privações? Ele
quer ser feliz, e para ser feliz, quer gozar; gozar daquilo que os outros possuem; quer o ouro,
muito ouro; ele o tem como sua vida, porque o ouro é o veículo de lodosos gozos materiais;
que lhe importa o bem-estar de seu semelhante! O seu antes de tudo; ele quer satisfazer-se
no presente, não sabendo se o poderá mais tarde, num futuro em que não crê; torna-se,
pois, ávido, ciumento, egoísta, e, com todos esses gozos, ele não é feliz, porque o presente
lhe parece muito curto.
Com a certeza do futuro, tudo muda de aspecto para ele; o presente não é senão efêmero,
ele o vê escoar sem pesar; está menos ávido dos gozos terrestres, porque estes não lhe dão
senão uma sensação passageira, fugidia, que deixa o vazio no seu coração; aspira a uma
felicidade mais durável e, conseqüentemente, mais real; e onde poderá encontrá-la, se isso
não estiver no futuro? O Espiritismo, mostrando-lhe, provando-lhe esse futuro, livra-o do
suplício da incerteza, eis porque ele se torna feliz; ora, aquilo que traz felicidade, encontra
sempre partidários.
Os adversários do Espiritismo atribuem sua rápida propagação a uma febre supersticiosa que
se apodera da Humanidade, ao amor ao maravilhoso; mas é necessário, antes de tudo, ser
lógico; aceitaremos seu raciocínio, se se pode chamar a isso de raciocínio, quando claramente
explicarem porque essa febre atinge precisamente as classes esclarecidas da sociedade,
antes que as classes ignorantes. Quanto a nós, dizemos que é porque o Espiritismo apela ao
raciocínio e não a uma crença cega, que as classes esclarecidas examinam, refletem e
compreendem; ora, as idéias supersticiosas não suportam o exame.
De resto, todos vós que combateis o Espiritismo, o compreendeis? Vós o estudastes,
escrustaste-o em seus detalhes, pesando maduramente todas as suas conseqüências? Não,
mil vezes não. Falais de uma coisa que não conheceis; todas as vossas críticas, não falo das
tolas, deselegantes e grosseiras diatribes, desprovidas de todo raciocínio e que não têm
nenhum valor, falo daquelas que têm pelo menos a aparência do sério; todas as vossas
críticas, digo eu, acusam a mais completa ignorância da coisa.
Para criticar é necessário opor um raciocínio a um raciocínio, uma prova a uma prova; isso é
possível sem conhecimento profundo do assunto do qual se trata? Que pensaríeis daquele
que pretendesse criticar um quadro sem possuir, ao menos em teoria, as regras do desenho
e da pintura; discutir o mérito de uma ópera sem saber a música? Sabeis qual é a
conseqüência de uma crítica ignorante? É ser ridículo e acusar uma falta de julgamento.
Quanto mais a posição crítica é elevada, mais estiver em evidência, tanto mais seu interesse
lhe manda circunspecção, para não se expor a receber desmentidos, sempre fáceis a dar a
quem fale daquilo que não conheça. É por isso que os ataques contra o Espiritismo têm tão
pouca importância, e favorecem seu desenvolvimento em lugar de detê-lo. Esses ataques são
da propaganda; provocam o exame, e o exame não pode senão nos ser favorável, porque
nos dirigimos à razão. Não há um dos artigos publicados contra esta doutrina que houvesse
não trazido um aumento de assinantes e que não tenha feito vender obras. O do senhor
Oscar Comettant (ver o Siècle do dia 23 de outubro último e nossa resposta na Revista do
mês de dezembro de 1859) fez vender em alguns dias, ao senhor Ledoyen, mais de
cinqüenta exemplares da famosa sonata de Mozart (que se vende a 2 francos, preço líquido,
segundo a importante e espiritual nota do senhor Comettant). Os artigo do Univers de 13 de
abril e 28 de maio de 1859 (ver nossa resposta nos nu meros da Revista de maio e de julho
de 1859) fizeram esgotar prontamente o que restava da primeira edição de O Livro dos
Espíritos, e assim de outros. Mas voltemos às coisas menos materiais. Enquanto não
opuserem ao Espiritismo senão argumentos dessa natureza, ele nada terá a temer.
Repetimos que a fonte principal do progresso das idéias Espíritas está na satisfação que ela
proporciona a todos aqueles que as aprofundam, e que nelas vêm outra coisa senão um fútil
passatempo; ora, como se quer ser feliz antes de tudo, não é de admirar que se prenda a
uma idéia que torne feliz. Dissemos em alguma parte que, no caso do Espiritismo, o período
de curiosidade passou, e que o do raciocínio e o da filosofia lhe sucederam. A curiosidade não
tem senão um tempo: uma vez satisfeita, se lhe muda o objeto para passara um outro; e não
ocorre o mesmo com aquele que se dirige ao pensamento sério e ao julgamento. O
Espiritismo tem sobretudo progredido depois que foi melhor compreendido em sua essência
íntima, depois que se viu a sua importância, porque ele toca a corda mais sensível do
homem: a da sua felicidade, mesmo neste mundo; aí está a causa de sua propagação, o
segredo da força que o fará triunfar. Vós todos que o atacais, quereis, pois, um meio certo de
combatê-lo com sucesso? Vou vo-lo indicar. Substituí-o por uma coisa melhor; encontrai uma
solução MAIS LÓGICA para todas as questões que ele resolve; dai ao homem uma OUTRA
CERTEZA que o torne mais feliz, e compreendei bem a importância dessa palavra certeza,
porque o homem não aceita como certo o que não lhe pareça lógico; não vos contenteis em
não dizer que isso não é, o que é muito fácil; provai, não por u ma negação, mas por fatos,
que isso não é, jamais foi e NÃO PODE SER; provai, enfim, que as conseqüências do
Espiritismo não são as de tornar os homens melhores pela prática da mais pura moral
evangélica, moral que se louva muito, mas que se pratica tão pouco. Quando tiverdes feito
isso, serei o primeiro a me inclinar diante de vós. Até lá, permiti-me considerar vossas
doutrinas, que são a negação de todo futuro, como a fonte do egoísmo, verme roedor da
sociedade, e, por conseqüência, como um verdadeiro flagelo. Sim, o Espiritismo é forte, mais
forte que vós, porque se apoia sobre as próprias bases da religião: Deus, a alma, as penas e
as recompensas futuras baseadas no bem e no mal que se fez, vós vos apoiais sobre a
incredulidade; ele convida os homens à felicidade, à esperança, à verdadeira fraternidade;
vós, vós lhes ofereceis o NADA por perspectiva e o EGOÍSMO por consolação; ele explica
tudo, vós não explicais nada; ele prova pelos fatos, e vós não provais nada; como quereis
que se oscile entre as duas doutrinas?
Em resumo, constatamos, e cada um o vê e o sente como nós, que o Espiritismo deu um
passo imenso durante o ano que acaba de se escoar, e esse passo é a garantia daquilo que
não pode deixar de fazer durante o ano que começa; não somente o número de seus
partidários está consideravelmente acrescido, mas operou uma mudança notável na opinião
geral, mesmo entre os indiferentes; diz-se que no fundo de tudo isso poderia bem haver
alguma coisa; que não é necessário apressar-se em julgar; aqueles que, a esse título,
alteavam as espáduas, começam a temer o ridículo por si mesmos, ligando seu nome a um
julgamento precipitado, que pode receber um desmentido; preferem pois calarem-se e
esperarem. Sem dúvida, haverá por muito tempo ainda, pessoas que, nada tendo a perder na
opinião da posteridade, procurarão denegri-lo, uns por caráter ou por estado, outros por
cálculo; mas se familiarizam com a idéia de irem a Charenton desde que se veja em tão boa
companhia , e esse mau prazer torna-se, como tantos outros, um lugar comum, o qual não
abala mais de modo nenhum, porque no fundo desses ataques vê-se um vazio absoluto de
raciocínio. A arma do ridículo, essa arma que se diz tão terrível, se enfraquece,
evidentemente, e cai das mãos daqueles mesmos que a sustentavam; perdeu, pois, ela seu
poder? Não, mas com a condição de não dar mais seus golpes em falso. O ridículo não
prejudica senão aquele que é ridículo em si e de sério não tenha senão a aparência, porque
ele fustiga o hipócrita e arranca sua máscara; mas aquele que é verdadeiramente sério não
pode dele receber senão golpes passageiros e sai sempre triunfante da luta. Vede se uma
única das grandes idéias que foram achincalhadas em sua origem pela turba ignorante e
ciumenta caiu para não mais se levantar! Ora, o Espiritismo é uma das maiores idéias,
porque ele toca a questão mais vital, a da felicidade do homem, e não se joga impunemente
com semelhante questão; ele é forte, porque tem suas raízes nas próprias leis da Natureza, e
responde aos seus inimigos fazendo desde seu início a volta ao mundo. Ainda há alguns anos
e seus detratores, impossibilitados de combatê-los pelo raciocínio, encontrar-se-ão de tal
modo transbordados pela opinião, de tal modo isolados, que será forçoso para eles ou se
calarem, ou abrirem os olhos para a luz.

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