José Saramago, aquando do anúncio deste novo título afirmou ser este um livro capaz de provocar um escândalo dos diabos e que teria o condão de provocar mais celeuma que o "Evangelho Segundo J.C." e mais, que se o livro não provocasse um abanão na opinião pública, significaria que os portugueses estariam a dormir. O que ele decerto se esqueceu é que grande parte dos portugueses não têm qualquer hábito de leitura nem querem saber nada de política, logo e por muito que ele escreva, há muita gente que nem sabe quem é José Saramago (claro que exagero...).
Muito honestamente, penso que a pedrada lançada não tem o poder de fazer qualquer mossa. E afirmo isso porque e após ter efectuado uma análise à obra no seu conjunto, acho que as críticas irónicas lançadas pelo escritor aos podres do nosso sistemas política e social não me surpreenderam em nada, ou seja, quem estiver minimamente atento à nossa realidade da nossa sociedade em todas as suas vertentes, não precisa que venha nenhum Saramago, qual iluminado apontar o dedo, e quem se estiver a borrifar por essa realidade, também não se estará ralando por perceber aonde o escritor quer chegar com as metáforas que vai criando.
A obra em si está longe de ser o melhor de Saramago. Claro que o estilo está lá, inclusive penso até que este é dos mais irónicos e mordaz trabalhos do escritor, mas e na minha opinião, ele comete um pecado que me surpreendeu. Ele simplesmente utiliza a mesma fórmula que utilizou em "Ensaio sobre a Cegueira", aliás, existem tantos pontos em comum que este quase que acaba por ser um género de continuação do anterior, pelo que e quem quiser ler este livro, é quase obrigatório ler o outro.
Quanto à história, Saramago situa-nos numa cidade qualquer (diz ele, mas as semelhanças com Lisboa são mais que muitas) em dia de eleições autárquicas. O meio político é composto apenas por três partidos: o da Direita, que está no poder, o do Centro e o da Esquerda (são em tudo semelhantes ao PSD, PS e PCP), e logo aí é notório que algo de anómalo se passa, pois apenas às 16:00 em ponto as pessoas começam a afluir às urnas. No final do dia, sabe-se o resultado e, para grande espanto do país, 75% dos votos são em branco. Assim e como prevê a constituição, as eleições são repetidas 8 dias depois. Desta vez, debalde, 83% dos votos anunciam brancura total, isto é, apenas uma repetição e confirmação dos resultados anteriores.
A partir daí assistimos ao desconcerto do governo e do próprio presidente da Republica que chega a culpar o povo pelo estado calamitoso em que se encontra o país e que, coitados dos políticos, que sempre foram tão fiéis e que jamais mereceram isto... Mas o governo, através do Primeiro Ministro, anuncia uma investigação profunda às causas ou aos causadores desta anormalidade e posteriormente, como tudo sai furado, acabam por debandar, em alegre caravana, a cidade. Aí verifica-se uma manifestação de satisfação do povo ao ver o governo fugir e é engraçado a forma como Saramago brinca com o acontecimento. Curioso também quando e durante a investigação, todos aqueles que são questionado sem votaram em branco, afirmarem negativamente. Faz lembrar as pouquíssimas pessoas que admitem ter votado PSD nas últimas eleições...
Adiante.
Mas e sem querer entrar mais profundamente na história, posso dizer que temos um Ministro da Defesa altamente radical, mesmo a roçar o fascismo (Paulo Portas escarrago); um Ministro do Interior que faz o que o Primeiro Ministro não quer; um Presidente da República que gosta de atirar uns bitaites mas que anda a reboque do Primeiro Ministro; um estado de sítio que suspende os direitos dos cidadãos mas como também ninguém tem o saudável direito de exigir o regular cumprimento dos direitos que a constituição lhes outorga, nem reparam que foram suspensos; numa cidade que se transforma numa prisão onde ninguém pode sair.
Depois e numa reunião de Ministros, alguém se lembra de comparar esta epidemia à epidemia ocorrida 4 anos antes e é aqui que a colagem com o "Ensaio sobre a Cegueira" acontece. O voto em branco pode ser uma manifestação de lucidez, um contraponto com a cegueira que grassa por todo o lado? Saramago revela assim a sua mensagem: "Atenção, tudo está mal, a nossa democracia está viciada, o voto em branco é uma arma democrática que possuímos para impedir os políticos de continuarem a brincar connosco...". Terá esta mensagem efeitos práticos?
Partindo de uma denúncia, entram na acção as personagens do "Ensaio sobre a Cegueira" e é o próprio governo que tenta fazer da mulher do médico o bode expiatório desta epidemia, o líder dos brancosos, a chefe desse grupo de terroristas que põem em causa o sistema democrático. Essa tentativa de criar um bode expiatório, parece-me uma indirecta ao facto de quem está no poder (independentemente do partido), procurar culpabilizar sempre os antecedentes de tudo o que corre mal.
O final é em beleza. Assiste-se à tentativa de assassinar os opositores e é claramente uma abordagem às variadas tentativas de acabar com os adversários políticos... (não quero entrar em mais pormenores.) Perdoem-me se contei demais!
Em suma e embora sejam possíveis várias ilações, penso que Saramago não descobriu a pólvora. Se o objectivo dele era alertar consciências face ao estado deplorável do nosso sistema democrático, penso que não vai muito longe. Há muito que as pessoas se divorciaram da política e dos políticos, há muito que esses são vistos como oportunistas, mentirosos e charlatães, há muito que os mesmos "baixam as calças" nas campanhas eleitorais para depois nos tratarem com desprezo e também, porque em o "Ensaio sobre a Cegueira" Saramago é mais corrosivo na forma como critica a sociedade em geral.
Depois de ter acabado o livro, fiquei com uma sensação de desconforto e porque senti-me um pouco desprezado pelo próprio Saramago e afirmo-o porque ele cai no erro de agir de acordo com o que critica, ou seja, ele joga connosco e depois larga-nos desemparados... note-se que ele cria alguns cenários muito interessantes e que depois não explora, pura e simplesmente deixa-os cair sem se preocupar em explicá-los, se quiserem, ele tece uma teia sendo depois incapaz de se disvencilhar dela. Fica assim no ar algumas questões que ele cria e que depois não responde.
Gostei muito do final e da forma como dois cegos perguntam um ao outro se ouviu alguma coisa (não é nada comigo, estou aqui para ver a bola, percebem?). Esta é a minha análise, como disse anteriormente, este livro tem a faculdade de se poder tirar várias ilações e aceito, acredito e é natural que muitos as tenham e que discordem comigo, no entanto, estava à espera de mais e melhor e, depois de tantas entrevistas, não escondo que fiquei decepcionado.
Muito honestamente, penso que a pedrada lançada não tem o poder de fazer qualquer mossa. E afirmo isso porque e após ter efectuado uma análise à obra no seu conjunto, acho que as críticas irónicas lançadas pelo escritor aos podres do nosso sistemas política e social não me surpreenderam em nada, ou seja, quem estiver minimamente atento à nossa realidade da nossa sociedade em todas as suas vertentes, não precisa que venha nenhum Saramago, qual iluminado apontar o dedo, e quem se estiver a borrifar por essa realidade, também não se estará ralando por perceber aonde o escritor quer chegar com as metáforas que vai criando.
A obra em si está longe de ser o melhor de Saramago. Claro que o estilo está lá, inclusive penso até que este é dos mais irónicos e mordaz trabalhos do escritor, mas e na minha opinião, ele comete um pecado que me surpreendeu. Ele simplesmente utiliza a mesma fórmula que utilizou em "Ensaio sobre a Cegueira", aliás, existem tantos pontos em comum que este quase que acaba por ser um género de continuação do anterior, pelo que e quem quiser ler este livro, é quase obrigatório ler o outro.
Quanto à história, Saramago situa-nos numa cidade qualquer (diz ele, mas as semelhanças com Lisboa são mais que muitas) em dia de eleições autárquicas. O meio político é composto apenas por três partidos: o da Direita, que está no poder, o do Centro e o da Esquerda (são em tudo semelhantes ao PSD, PS e PCP), e logo aí é notório que algo de anómalo se passa, pois apenas às 16:00 em ponto as pessoas começam a afluir às urnas. No final do dia, sabe-se o resultado e, para grande espanto do país, 75% dos votos são em branco. Assim e como prevê a constituição, as eleições são repetidas 8 dias depois. Desta vez, debalde, 83% dos votos anunciam brancura total, isto é, apenas uma repetição e confirmação dos resultados anteriores.
A partir daí assistimos ao desconcerto do governo e do próprio presidente da Republica que chega a culpar o povo pelo estado calamitoso em que se encontra o país e que, coitados dos políticos, que sempre foram tão fiéis e que jamais mereceram isto... Mas o governo, através do Primeiro Ministro, anuncia uma investigação profunda às causas ou aos causadores desta anormalidade e posteriormente, como tudo sai furado, acabam por debandar, em alegre caravana, a cidade. Aí verifica-se uma manifestação de satisfação do povo ao ver o governo fugir e é engraçado a forma como Saramago brinca com o acontecimento. Curioso também quando e durante a investigação, todos aqueles que são questionado sem votaram em branco, afirmarem negativamente. Faz lembrar as pouquíssimas pessoas que admitem ter votado PSD nas últimas eleições...
Adiante.
Mas e sem querer entrar mais profundamente na história, posso dizer que temos um Ministro da Defesa altamente radical, mesmo a roçar o fascismo (Paulo Portas escarrago); um Ministro do Interior que faz o que o Primeiro Ministro não quer; um Presidente da República que gosta de atirar uns bitaites mas que anda a reboque do Primeiro Ministro; um estado de sítio que suspende os direitos dos cidadãos mas como também ninguém tem o saudável direito de exigir o regular cumprimento dos direitos que a constituição lhes outorga, nem reparam que foram suspensos; numa cidade que se transforma numa prisão onde ninguém pode sair.
Depois e numa reunião de Ministros, alguém se lembra de comparar esta epidemia à epidemia ocorrida 4 anos antes e é aqui que a colagem com o "Ensaio sobre a Cegueira" acontece. O voto em branco pode ser uma manifestação de lucidez, um contraponto com a cegueira que grassa por todo o lado? Saramago revela assim a sua mensagem: "Atenção, tudo está mal, a nossa democracia está viciada, o voto em branco é uma arma democrática que possuímos para impedir os políticos de continuarem a brincar connosco...". Terá esta mensagem efeitos práticos?
Partindo de uma denúncia, entram na acção as personagens do "Ensaio sobre a Cegueira" e é o próprio governo que tenta fazer da mulher do médico o bode expiatório desta epidemia, o líder dos brancosos, a chefe desse grupo de terroristas que põem em causa o sistema democrático. Essa tentativa de criar um bode expiatório, parece-me uma indirecta ao facto de quem está no poder (independentemente do partido), procurar culpabilizar sempre os antecedentes de tudo o que corre mal.
O final é em beleza. Assiste-se à tentativa de assassinar os opositores e é claramente uma abordagem às variadas tentativas de acabar com os adversários políticos... (não quero entrar em mais pormenores.) Perdoem-me se contei demais!
Em suma e embora sejam possíveis várias ilações, penso que Saramago não descobriu a pólvora. Se o objectivo dele era alertar consciências face ao estado deplorável do nosso sistema democrático, penso que não vai muito longe. Há muito que as pessoas se divorciaram da política e dos políticos, há muito que esses são vistos como oportunistas, mentirosos e charlatães, há muito que os mesmos "baixam as calças" nas campanhas eleitorais para depois nos tratarem com desprezo e também, porque em o "Ensaio sobre a Cegueira" Saramago é mais corrosivo na forma como critica a sociedade em geral.
Depois de ter acabado o livro, fiquei com uma sensação de desconforto e porque senti-me um pouco desprezado pelo próprio Saramago e afirmo-o porque ele cai no erro de agir de acordo com o que critica, ou seja, ele joga connosco e depois larga-nos desemparados... note-se que ele cria alguns cenários muito interessantes e que depois não explora, pura e simplesmente deixa-os cair sem se preocupar em explicá-los, se quiserem, ele tece uma teia sendo depois incapaz de se disvencilhar dela. Fica assim no ar algumas questões que ele cria e que depois não responde.
Gostei muito do final e da forma como dois cegos perguntam um ao outro se ouviu alguma coisa (não é nada comigo, estou aqui para ver a bola, percebem?). Esta é a minha análise, como disse anteriormente, este livro tem a faculdade de se poder tirar várias ilações e aceito, acredito e é natural que muitos as tenham e que discordem comigo, no entanto, estava à espera de mais e melhor e, depois de tantas entrevistas, não escondo que fiquei decepcionado.
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