Vez em quando o funcionário do Correios aparece por aqui com envelopes que não contém contas a pagar - ainda bem! Destes, alguns são livros, encomendados nos sebos on line ou em sítios internacionais. Mas há dias em que o envelope contém livros que chegam até nós como presente para o acervo do Projeto ou para nossa biblioteca particular. Muitas vezes, para os dois. Normalmente o campo destinatário está preenchido com o nome da Ana Paula. Nestes casos, deixo-o fechado em cima da cama e espero pacientemente que ela retorne do trabalho. Gostamos de abrir o envelope juntos. Dividimos a surpresa de descobrir qual história veio morar conosco. Ela, começa a ler o final do livro. Eu, começo por ler os dados de catálogo da publicação.
Ano passado, recebemos um email de uma jornalista pedindo nosso endereço pois queria enviar um livro para possível resenha. Contou maravilhas do livro e – em outras palavras - que nós não nos arrependeríamos da leitura (nunca deixamos um livro para trás)... enfim. Explicamos que não resenhamos todos os livros, que há tantos bons livros que gostaríamos de compartilhar aqui no blog mas não o fazemos principalmente por que não temos tempo para a demanda e que se ela, mesmo sem esta certeza, ainda desejasse nos enviar o presente, ele seria muito bem vindo. Dias depois, o rapaz do correio apareceu com a boa nova.
O livro, APANHANDO A LUA... (Rosane Villela, com ilustrações de Luiz Maia, Paulinas) esperou por nossos olhos durante meses. Ficou ali, pacientemente, ao alcance das mãos, mas só veio de fato encantar meus olhos há algumas semanas. E devo confessar: o livro é muito, MUITO bom. São 11 histórias curtas de palavras de longo alcance. Eu posso ainda agora imaginar a minha Dona Menina igual a do menino do livro, com um xale, debruçada na janela, a encher meu juízo de fantasias. Noutra história, a menina Laura, tem medo da noite que, acordada pelos latidos dos cães da rua, passeia em seu quarto com seus “chinelos tlec-tlec-tlectantes”.
A autora desenvolve uma prosa poética muitas vezes melancólica, como na história da menina cujas bonecas ficam trancadas na prateleira, pois são importadas e delicadas demais para servir de brinquedo. Serviam somente para os olhos da menina. “Mas com sua boneca de plástico não havia queixas. Era uma boneca cheia de nãos. Não era bonita, não tinha cabelo, não era do estrangeiro e, principalmente, não vivia na estante”. Algumas histórias acabam se alinhavando a outras numa costura quase invisível. Nem precisava disso para o livro se mostrar belo, pois a obra já contava com o traço sensível de Luiz Maia. Mas Rosane Villela quis assim. Ficou mais saboroso. Tipo o café espresso com chantilly salpicado de canela em pó que me aquece o paladar enquanto escrevo estas linhas.
Mas é quando a prosa poética da autora encontra com a sua criatividade que o livro ganha nota 10. E são vários estes momentos. Como quando a avó do menino ganha uma bússola de encontrar anjo feita por ele “quando a mãe foi se encontrar com o pai lá no céu”. A avó, que tinha o olhar distante, disse que o menino era um solucionador, ao que ele respondeu: “Sou PER-GUN-TA-DOR, e não SO-LU-ÇO-NA-DOR. Seu olhar é que está com SO-LU-ÇO-NA-DOR. Por isso, você está assim”. Quer mais uma provinha? Então aqui vai: Chove muito na terra do menino enlameando tudo. Ele, a seu modo, pede em oração para que a chuva pare de cair. Depois desabafa: “Acho que pedi com muita força, porque uma lágrima minha caiu. Acho que ela caiu, quando eu dizia: - Pai nosso que estais no céu, clareia ele pra mim. Parece que Deus gostou. Meu sol apareceu lá fora e o mar de lama foi embora”.
Rosane produz uma literatura que escorre pelas páginas e molha os olhos de quem lê com mais atenção. Mergulhei em sua prosa e emergi mais bonito. Apanhamos a sua lua que agora brilha em nossa estante. Uma pena que seu livro chegou até a toca dos Roedores de Livros por meio de uma divulgação particular. Pelo correio. Porque temos um blog que trata a literatura infantil e juvenil com carinho e respeito. Digo uma pena porque deve ter muita coisa boa por aí, que não chega aos leitores por não aparecer nas estantes das livrarias, que não alcança a grande mídia, que passa despercebida por mim, por você, por tantos outros. Mas, ao mesmo tempo, que bom que Apanhando a Lua... pode refletir sua luz por estas plagas. Este espaço é, também, um veículo para novas descobertas. Pequeno, singelo e verdadeiro. Com o intuito de revelar aos nossos leitores as emoções com que alguns livros nos arrebatam. Que siga assim. Hatuna Matata.
P.S. O livro tem uma curiosidade peculiar. Lançado no segundo semestre de 2008, quando muitos livros estampavam na capa a informação que tal obra já estaria de acordo com o NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO, Apanhando a Lua... apresenta o seguinte texto impresso na capa: “Este texto segue o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)”.
quarta-feira, 8 de abril de 2009
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