terça-feira, 2 de setembro de 2008

Jung e a Mediunidade, de Djalma Argollo

TRECHO:
Prefácio
A obra e a vida de um pensador estão intimamente
vinculadas. A vida e a obra de Carl Gustav Jung (1875-1961)
é um manancial inesgotável sobre a alma humana que tem
atraído muitos estudiosos interessados em trilhar as vastas possibilidades
de conhecimento inauguradas por ele, o que permite
que seja revisitado por diferentes abordagens sem perder
seu caráter continente de um saber iniciático. As pesquisas
sobre o inconsciente com pacientes psiquiátricos, foram
as bases experimentais de sua teoria sobre o psiquismo humano.
Ao analisar as visões e delírios dos pacientes Jung estabeleceu
o conceito de arquétipo, revelando os alicerces coletivos
da alma, conceito depois confirmado pelo estudo com
povos primitivos nas várias viagens que realizou. Tinha o
método de fundamentar suas teorias em dados observáveis
dos experimentos realizados e das pesquisas em história, biologia,
filosofia, religiões e mitologias. Este livro se dedica a
abordar a vida Jung a partir de um olhar espírita, discorrendo
sobre os inúmeros fenômenos “ocultos” vividos por ele, e suas
influências sobre sua vida pessoal, sua visão de mundo e sua
produção cultural.
Adentrar na teoria de Jung e percorrer os caminhos indicados
por ele para conhecer a alma humana é uma profunda
jornada ao encontro do sagrado em si mesmo. Além disso, é
inevitável a sensação de ser tomado por grande curiosidade e/
ou admiração sobre a pessoa do autor. Tal fato parece estar
relacionado ao caráter vivencial que impregna toda a sua obra.
Conhecer suas idéias sobre os conteúdos e a dinâmica do
psiquismo é ser convidado a participar conscientemente da
própria individuação. Não é possível mergulhar na obra de
Jung sem ser provocado a rever crenças profundas sobre a
vida, a religião e o mundo em que vivemos, despertando-nos
a atender ao chamado do Self em direção à realização da própria
totalidade. A Psicologia Analítica, revelando os arquétipos
estruturantes da psiquê (persona, sombra, anima ou animus
e self), debruçando-se sobre os sonhos como produções simbólicas
do inconsciente, clareando o entendimento sobre os
complexos, penetrando no entendimento sobre os comportamentos
por suas tipologias, apresentando uma visão criativa
da alma e os conteúdos sagrados do ser, introduziu a noção de
alma na Psicologia, sendo Jung considerado um precursor das
modernas abordagens psicológicas.
Sabe-se que, como pessoa, Jung foi uma figura querida,
amigável, bem-humorada, uma personalidade vigorosa e
marcante, capaz de atrair sempre as atenções onde quer que
chegasse pela sabedoria de sua fala e proximidade de contato
que se permitia. Exemplificou com a própria vida a dignidade
das idéias defendidas. O contato com os fenômenos mediúnicos
deu-se desde cedo e seus questionamentos sobre Deus o
acompanharam desde os primeiros anos de infância. Toda a
sua existência foi permeada por temas transcendentes, orientando-
o sempre para a busca do verdadeiro sentido da vida e
a missão de propor um modelo teórico capaz de penetrar e
desvendar a estrutura da psiquê.
Neste livro Djalma Argollo nos aproxima um pouco
mais de Jung em seus aspectos humanos. Através de uma rica
pesquisa bibliográfica, acrescida da fundamentação da Doutrina
Espírita sobre mediunidade, o autor nos oferece com uma
clareza precisa os dados que permitem ampliar as discussões
sobre a capacidade mediúnica de Carl Gustav Jung e sua visão
sobre espiritualidade, espíritos, vida após a morte e comunicação
com os espíritos. Mostra-nos como ocorreu o seu
contínuo contato com o espiritual e as conseqüências de tais
experiências, tanto na sua vida pessoal quanto no destaque
que deu à religiosidade como uma função natural da Psiquê.
Conhecendo a complexidade de suas experiências e a relação
destas com o seu processo criativo somos conduzidos pelo
autor a compreender melhor o homem real, não o mito, aquele
que fez da própria vida o laboratório para fundamentar o
que escrevia. Jung desceu à “noite escura da alma” e saiu de
lá para descrevê-la para nós, deixando em sua obra um roteiro
profundo sobre como lidar com os conteúdos inconscientes
a serviço da transcendência.
Esta obra vem estimular as discussões em um campo
que vem encontrando cada vez mais adeptos: a aproximação
entre o psíquico e o espiritual, a importância de considerar o
espírito para um melhor entendimento sobre a psiquê, as possibilidades
de contribuições mútuas entre o Espiritismo e a
Psicologia. Utilizando-se de uma análise detalhada dos fenômenos
mediúnicos vivenciados por Jung e fundamentando
suas explicações partir do profundo conhecimento do Espiritismo,
Djalma nos traz uma importante contribuição que deve
interessar a todos aqueles que, como ele, se colocam como
amantes do saber e dispostos a rever suas habituais concepções
em nome de uma compreensão maior sobre a Vida.
Sílzen Furtado*
(*) Graduada em Psicologia ( UFBa - 1995), Pós graduada em Psicologia Analítica, Formada
em Terapia Regressiva Integral, mestranda em Ciências da Família ( UCSal).
Atua como psicóloga clínica desde 1995, e ministra aulas de Psicologia Analítica.

Introdução
Em meados do século XVIII e inícios do século XIX,
surgiram as experiências com fenômenos do magnetismo biológico
com Franz Anton Mesmer (1734-1815) em Viena, ao
tempo em que os fenômenos mediúnicos chamavam a atenção
das classes doutas com as obras de Emmanuel Swedenborg
(1688-1782), as publicações de Justinus Kerner (1786-1862)1
sobre a médium e sonâmbula Frederika Hauffe (1801-1829),
e outras pesquisas em torno do magnetismo animal e possessões2.
Esses fenômenos, que podem ser rastreados na história
da humanidade, entre todos os povos e classes sociais, venceram
pouco a pouco as barreiras do ceticismo da maioria dos
homens de ciência, saindo de sob o rótulo de superstição pura
e simples para se tornarem objeto de estudo, análise e experimentação.
Pelo mesmo período, as patologias mentais começaram
a ser objeto de estudos acurados, surgindo novas hipóteses

1 Die Seherin von Prevorst (1829).
2 Kerner era altamente reputado. O Rei Ludwig da Bavária, em 1848, e o Rei de
Württenberg, em 1858, lhe deram pensões, enquanto o Rei Frederick William IV, da
Prússia, expressou sua admiração em 1848 concedendo-lhe a medalha de ouro de arte e
ciência. O Rei Ludwig concedeu-lhe o título de primeiro cavaleiro da então instituída
Ordem de Ciência e Arte. Suas obras foram tidas em alta conta pela intelectualidade
alemã do século XIX.

sobre suas causas e métodos terapêuticos. Os fenômenos
magnéticos e mediúnicos, além de suas óbvias conseqüências
nos campos filosófico e religioso, ressaltaram a existência
de comportamentos, idéias e ações fora do campo da consciência
humana. Apesar dos seres humanos viverem, desde todo
o sempre, sob a ação dos conteúdos inconscientes do psiquismo,
somente a partir do momento em que esses conteúdos
foram postos em evidência pelos fenômenos paranormais foi
que se transformaram em objeto de pesquisa e estudos sistemáticos
de filósofos e médicos, possibilitando a criação de
um conjunto de métodos e técnicas para estudo de suas influências
nas patologias de origem psíquica, e a elaboração de ações
terapêuticas com o objetivo de conseguir o retorno à normalidade
admitida pela sociedade.
Não foi sem motivo que os chamados filósofos
metafísicos, como Schopenhauer3 (vontade), Schelling4 (o
absoluto) e Hegel5 (a idéia), idealizaram a natureza como resultado
do desenvolvimento de um princípio do qual não temos
consciência, portanto um princípio inconsciente. Eles,
como seus conterrâneos de uma forma geral, viveram justamente
durante o período de eclosão do magnetismo e do
mediunismo e, de uma maneira ou de outra, foram influenciados
pelo frisson que causaram. Discussões contra e a favor
eram acerbas e apaixonadas, obrigando a uma tomada de posição
ou, no melhor dos casos, à busca de soluções engenhosas
que explicassem a imensa gama fenomenológica que se
apresentava.
No bojo do fervilhar da discussão sobre o sonambulismo,
as curas magnéticas, e as comunicações com os mortos,
foi que Carl Gustav Carus (1789-1869) lançou seus estudos

3 (1788-1860).
4 (1775-1854).
5 (1770-1831).

sobre o inconsciente em Vorlesungen über Psycologie (1831)6
e Psyché (1846)7, cujos conceitos e classificações dos conteúdos
inconscientes da mente formam a base da Psicologia
Profunda, nascida no final do século XIX, hoje em pleno desenvolvimento.
Embora os estudos de Carus sejam anteriores
aos fenômenos de Hydesville, ele viveu os debates suscitados
pelos estudos do seu colega de medicina Justinus Kerner,
e pelas visões de Swedenborg. Carus foi, em filosofia, um
caudatário de Schopenhauer e Schelling. Seguiu-se-lhe
Edward von Hartmann (1842-1906), que estudou e contribuiu
para elucidar algumas questões sobre os mecanismos e
leis que regem os processos inconscientes da mente.
Criador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung foi
bastante influenciado pelos fenômenos do espiritismo, como
ele os denomina em algumas ocasiões, pois não só os conheceu
através da literatura especializada ou pelos relatos de pacientes,
mas os vivenciou em sua casa e em sua própria vida, chegando
mesmo a conduzir reuniões mediúnicas com uma parenta
médium, cujas anotações, devidamente analisadas, fazem parte
de sua tese de graduação em medicina. Em 1902, ele afirmou
que os estudos dos fenômenos mediúnicos com sua prima
Hélène Preiswerk lhe revelaram a existência do inconsciente.
Inclusive, reconheceu que as discussões sobre o inconsciente
começam com o mesmerismo e o mediunismo:
Não podemos relegar a discussão sobre o inconsciente
exclusivamente ao âmbito da psicologia analítica. Podemos
ver seus começos em todo o mundo civilizado logo depois da
Revolução Francesa, iniciando-se com MESMER. É verdade
que naquela época não se falava do inconsciente mas sim do
“magnetismo animal” que, aliás, não passa de uma redescoberta
do primitivo conceito de força e matéria psíquicas do inconsciente,
e isto pela reativação da capacidade de imaginação pri-

6 Curso de Psicologia.
7 Psiquê.

mitiva, existente em potencial. Enquanto o magnetismo animal
se difundia pouco a pouco em todo mundo ocidental como epidemia
de “fazer a mesa girar”, o que equivale à revivescência de
uma crença fetichista – animação de um objeto inanimado –
ROBERT MAYER elevava o primitivo conceito dinâmico ao
conceito científico da energética! Como descreve o próprio
ROBERT MAYER, também a ele o conceito primitivo se havia
imposto compulsoriamente a partir do inconsciente, como uma
inspiração. No entretempo, o hábito de fazer a mesa girar acabou
libertando-se de seus primórdios e alcançava o nível do espiritismo
da moderna crença nos espíritos, um renascimento das
religiões xamanistas de nossos antepassados. Este desenvolvimento
de conteúdos reativados do inconsciente, que ainda persiste,
levou nos últimos decênios a uma prodigiosa expansão de
níveis subseqüentes de desenvolvimento, isto é, a sistemas
gnósticos ecléticos, à teosofia e antroposofia e, ao mesmo tempo,
aos primórdios da psicologia analítica que tem sua origem
na psicopatologia francesa, especialmente da escola dos
hipnotistas, e procura averiguar cientificamente os fenômenos
do inconsciente: os mesmos fenômenos que se tomam acessíveis
à índole ingênua de seitas teosófico gnósticas sob a forma
de mistérios (Jung, 1993, par. 21).
O iniciador da Psicologia Profunda, Sigmund Freud
(1856-1939), teimou em se manter afastado dos fenômenos
do ocultismo, durante quase toda sua existência, sob o duvidoso
argumento de que isto poderia prejudicar o desenvolvimento
da Psicanálise, todavia, em 1921 escreveu um ensaio
sobre a telepatia, que não publicou por pressão de Ernest Jones,
mas que veio a ser impresso após sua morte. Ainda nesse ano,
Hereward Carrington pediu a Freud para escreverem, juntos,
uma publicação sobre Parapsicologia. O convite foi recusado,
todavia o psicanalista comentou, em carta ao pesquisador
paranormal: Se fosse viver novamente minha vida, eu me dedicaria
à pesquisa psíquica, em vez de à psicanálise (Byron,
1998, p. 66).
Jung, ao contrário, sempre se manteve fiel à verdade
científica de que nenhum fenômeno envolvendo a mente huJung
e a mediunidade 17
mana pode ser desprezado por um investigador digno desse
nome, pelo simples motivo de fazer parte do objeto de estudo
da ciência psicológica que se procura construir, desde a fundação
do primeiro laboratório de psicologia em 1879 por
Wilhelm Max Wundt (1832-1920). Com a mente mais aberta
e arrojada do que Freud, Jung não se furtou a revelar suas
experiências pessoais, e tentar explicar o mecanismo dos fenômenos
com uma teoria que denominou de sincronicidade,
a qual está longe de dar uma explicação satisfatória, mesmo a
um grupo restrito de fenômenos paranormais, mas foge ao
simplismo inadequado das explicações correntes nos campos
da Psicologia.
Durante muito tempo os estudos de Jung, de um modo
geral, e sobre os fenômenos mediúnicos em particular, ficaram
restritos a um círculo de profissionais da psiquiatria e da psicologia,
e de pessoas cultas, por causa da erudição e linguagem
em que foram elaborados. Mas o tempo, esse deus paciente e
inexorável, terminou por conferir-lhes o merecido galardão, por
motivos diversos, inclusive os que serão expostos a seguir.
Em 1953, o cientista americano John Rock apresentou
ao mundo suas experiências sobre um eficaz método de concepção
que ficou conhecido como pílula anticoncepcional,
abrindo uma polêmica que agitou durante um longo período a
sociedade Ocidental e, de certa forma, ainda não terminou.
Gradualmente o revolucionário método se impôs, pela eficácia
em evitar a gravidez e por liberar o prazer sexual de quaisquer
preocupações ou medos. A pílula anticoncepcional foi
um dos mais importantes fatores da revolução social
desencadeada a partir dos anos 1960. Método simples e prático,
libertou a mulher do medo constante de uma gravidez
indesejada, reprimida pelos tabus e preconceitos ancestrais
de uma sociedade machista, estruturada pelos rígidos cânones
hebraico-cristãos. Graças a esse e outros métodos anticoncepcionais
seguros, a mulher atual pode competir livremente
com o homem, em todos os setores da atividade social,
ombreando com ele, tanto no trabalho quanto no prazer, conquistando
o espaço que lhe foi surrupiado em passado longínquo,
na divisão social de atividades, denominada por Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) de a grande
derrota do sexo feminino.
Em 1898, Freud, escreveu:
Tudo que bloqueia a satisfação é danoso. Mas, como se
sabe, não possuímos no momento nenhum método de impedir
a concepção que preencha cada requisito legítimo – isto é, que
seja seguro e cômodo, que não diminua a sensação do prazer
durante o coito e não fira as sensibilidades da mulher. Tal fato
coloca para os médicos uma tarefa prática para cuja solução
eles podiam dobrar suas energias com resultados compensadores.
Quem preencher essa lacuna em nossa técnica terá preservado
o prazer da vida e mantido a saúde de inúmeras pessoas;
embora, é verdade, tenha pavimentado a estrada para uma
drástica mudança em nossas condições sociais (Freud, 1976,
Vol. III, p. 304)8.
A clarividência do Pai da Psicanálise foi extraordinária,
e a sociedade atual confirma o seu prognóstico.
Desde 1960 a humanidade passa por transformações
profundas, criando um abismo entre a geração atual, a futura,
e as gerações passadas, em todos os sentidos. Junto com a
liberação sexual, o avanço tecnológico proporcionou a diminuição
da intensidade da aplicação do homem ao trabalho
cotidiano, libertando a mente da concentração obrigatória no
ato laborioso. Igualmente, as conquistas da classe operária
trouxeram – dentre outras coisas – um aumento do lazer, pela
diminuição das horas de trabalho: férias de trinta dias, descanso
remunerado, direito a licenças de vários tipos, etc. Isto
implicou em mais tempo para o ser humano ficar só, consigo

8 Destaque meu.

mesmo. O resultado foi uma epidemia de problemas psicológicos,
caracterizados como crises existenciais, gerando uma
corrida em busca de soluções. A psicologia desdobrou-se em
inúmeras linhas, oficiais umas e oficiosas outras, que culminaram
numa febril atividade editorial, com a produção de livros,
revistas e artigos voltados para o objetivo de auxiliar o
ser humano em suas angústias e frustrações dolorosas.
Mas os anos sessenta do século XX, por outro lado,
testemunharam o surgimento e descoberta de novas e antigas
propostas, tanto no campo da psicologia quanto do pensamento
religioso. A conclamação de Freud e sua Psicanálise
para que o sexo deixasse de ser um tabu, passando a ser tratado
de forma normal, natural e aberta na convivência social,
conseguiu expressivo avanço social, banindo a repressão
vitoriana absurda de uma vez por todas. Todavia, os problemas
psicológicos não encontraram a mesma solução, e permaneceram
tão graves e difíceis quanto em 18939. Foi então
que a Psicologia Analítica ganhou popularidade, saindo do
domínio dos círculos especializados.
Não é este trabalho oportuno para tratar das diferenças
entre Psicanálise e Psicologia Analítica, a não ser em largos
traços, o que acontecerá no seu decurso, e quando necessário.
É de se notar que a ampliação do interesse pela teoria psicológica
de Jung aconteceu com a discussão que se levantou em
torno do seu livro Resposta a Jó, que recorda – de um certo
modo – a corajosa posição de Nietzsche (1844-1900) quando
proclamou a morte de Deus.
Respondendo ao sofrido judeu, vítima inocente de uma
aposta esdrúxula entre Deus e o Diabo, Jung desmascara o
Ihawhé veterotestamentário, expondo suas fraquezas e inconsistências,
projeções psicológicas do ser humano no campo

9 Ano do lançamento da “Comunicação Preliminar”, de autoria de Freud e Breuer, que
pode ser colocada como marco inicial do movimento psicanalítico.

da crença. Esse livro foi publicado em 1954, quando se desenvolviam
os processos de mudanças socioculturais que atingiram
o ápice na década seguinte. Eis o que a esse respeito
diz um dos biógrafos do psiquiatra suíço:
Jung se tornou desde então o guru do mundo ocidental,
um oráculo universal que se situa ao lado de Gandhi e de Albert
Schweitzer. Mais do que qualquer um, ele foi provavelmente
o responsável pelo intenso interesse pelo “ocultismo” – em
matéria de paranormal e de religiões orientais – que se desenvolve
pouco tempo depois de seu decesso em 1961 (Wilson,
1985, p. 10).
No ano de 1905, Carl Gustav Jung pronunciou uma
conferência na cidade de Basiléia, à qual deu o título de: Sobre
Fenômenos Espíritas. Ele a iniciou com a definição de
Espiritismo:
O espiritismo (de spiritus = espírito) é uma teoria (seus
defensores chamam-na “científica”) e também uma crença religiosa
que, como toda crença religiosa, forma o cerne espiritual
de um movimento religioso, de uma seita que acredita na
intervenção real e palpável de um mundo espiritual em nosso
mundo e, conseqüentemente, faz da comunicação com os espíritos
uma prática religiosa. A dupla natureza do espiritismo
lhe dá uma vantagem sobre os outros movimentos religiosos:
ele acredita não só em certos artigos de fé, não suscetíveis de
provas, mas baseia sua fé num complexo de fenômenos que
são em última análise físicos e dizem respeito à ciência, mas
que seriam de tal natureza que não podem ser explicados a não
ser pela atuação dos espíritos. Esta peculiar natureza – por um
lado seita religiosa, por outro lado hipótese científica – faz
com que o espiritismo atinja as esferas mais diversas e aparentemente
mais distantes da vida (Jung, 1998, par. 697).
Continuando, resumiu a história do Espiritismo: desde
o episódio de Hydesville (31 de março de 1848), sublinhando
como a época favoreceu a propagação dos fenômenos espíritas, e como eles influenciaram filósofos como Immanuel Kant
(1724-1804) e Arthur Schopenhauer (1788-1860). Abordou
as experiências feitas por eminentes estudiosos alemães, como
Justinus Kerner, Friedrich Zöllner (1834-1882) e O Barão A.
von Schrenk-Notzing (1862-1929), dentre outros. Tratou de
Franz Anton Mesmer, do magnetismo, e da antigüidade das
mesas falantes. Em seguida, ressaltou a presciência e as profecias.
Quanto à clarividência citou uma carta de Kant a
Charlotte von Knobloch, onde é relatada a visão à distância
que Emmanuel Swedenborg teve do incêndio de Estocolmo,
em setembro de 1756. Discorreu, também sobre as visões de
Paulo de Tarso (±10-64) e as vozes de Joana D’Arc (1412-
1431). Finalmente, abordou as experiências de Sir William
Crookes (1832-1919) com o médium Daniel Dunglas Home
(1833-1886) entre 1870 e 1873. Ao referir-se às mesas girantes
citou, inclusive, a opinião de Allan Kardec, em seu conhecido
Livro dos Médiuns (Jung, 1998, par. 730), sobre as comunicações
recebidas por meio delas. Procurou explicar à sua platéia
o fenômeno das mesas girantes, repetindo apenas a superada
hipótese de que os tremores inconscientes das mãos dos
participantes, seriam a causa da escolha das letras do alfabeto
e/ou revelação de números pensados por alguém.
Desde essa época, portanto, Jung defendeu a realidade
dos fenômenos paranormais, chegando, em algumas oportunidades,
a colocar a imortalidade da alma como uma probabilidade,
desafiando o preconceito inconseqüente de muitos
quadros científicos da época. No auge de sua carreira, elaborou
uma teoria para explicar determinada ordem de fenômenos
paranormais: a teoria da sincronicidade, a qual se restringe
a alguns fenômenos, aceitando que existem fatos
acausais, isto é, que fogem à tradicional visão causalista dos
naturais.
Jung deve ser equiparado ao seu contemporâneo Albert
Einstein (1879-1955), pois seu sistema psicológico – à semelhança
da Teoria da Relatividade –, possibilita notáveis des
dobramentos e descobertas por parte dos estudiosos da psiquê,
na atualidade.
Dado o crescente interesse pelas idéias originais e revolucionárias
nos campos filosóficos e psicológicos, desse
gênio contemporâneo, estudarei suas relações culturais, profissionais
e existenciais com as faculdades paranormais, ao
longo das páginas que se seguem.
Intelectual arrojado e honesto, Jung não se esquivou de
procurar explicações para essa capacidade humana de perceber
eventos que se situam além dos sentidos normais, e até
de, conforme muitos acreditam, realizar o intercâmbio entre a
dimensão dos vivos e dos mortos. É verdade que fez concessões
aos preconceitos acadêmicos a esse respeito, mas teve a
coragem de aceitar a paranormalidade como uma faculdade
psíquica real, e não um embuste, ou meramente uma síndrome
patológica como quiseram impingir Jean Martin Charcot
(1825-1893), Theodore Flournoy (1854-1920), Pierre Janet
(1859-1947), Alfred Binet (1857-1911) e outros representantes
ilustres da miopia científica dos séculos XIX e XX, nesse
caso particular.
Terei oportunidade de analisar seus avanços, retrocessos
e/ou oscilações no que se refere à imortalidade da alma e
sua comunicação conosco, mas não podemos esquecer que
sua psicologia tem como objetivo fazer o Espírito humano
desenvolver-se, no processo de individuação, desfazendo-se
dos clichês coletivos impostos pela convivência social.
Pelo simples fato de não haver enterrado a cabeça na
areia, como fizeram muitos estudiosos da psiquê humana, Jung
se faz credor de admiração e respeito. Escrevi este livro para
ressaltar a intimidade de Jung com os fenômenos mediúnicos
e parapsicológicos, tanto no que se refere à sua atividade
médica, quanto à sua vida particular e de seus familiares.
Como estudioso das idéias e teorias de Jung, vi-me
motivado a expor de maneira sucinta, o que na vasta bibliografia
do criador da Psicologia Complexa10 trata dos fenômenos citados, principalmente as narrativas de episódios ocorridos
em sua vida – que ele narrou com muita coragem e isenção
–, como também as hipóteses que apresentou, e os raciocínios
que teceu, a respeito do espírito e das crenças em torno
dele.
É claro que minha admiração por Jung não me tira a
imparcialidade na análise de seu pensamento e teorias. Posso,
devo e faço críticas que considero válidas e pertinentes.
Mas, não posso calar que encontro na Psicologia Analítica11
uma poderosa ferramenta de auxilio ao ser humano em seu
processo de crescimento espiritual – ou de individuação, no
muito bem estruturado vocabulário junguiano.
Mergulhemos, pois, juntos, caro leitor, nessa fascinante
aventura que é explorar os fatos paranormais da vida de
Carl Gustav Jung e suas conclusões a respeito deles, no que
concerne à Psicologia Profunda.

10 Psicologia Complexa e Psicologia Analítica são termos aplicados por Jung ao seu sistema
psicológico.
11 Pode-se designar a psicologia inaugurada por ele (Freud) como uma psicologia analítica.
Bleuler sugeriu o nome de “psicologia profunda”, a fim de indicar que a psicologia
freudiana trata das regiões profundas, ou do interior da psique que também se
designa pelo nome de inconsciente. O próprio Freud chamava o método de sua investigação
de psicanálise. É este o nome pelo qual sua posição psicológica é geralmente
conhecida (Jung, 1981, Apêndice, p. 235).

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