sábado, 20 de junho de 2009

Sabedoria do Evangelho, de Carlos Torres Pastorino

TRECHO:
INTRODUÇÃO
Antes de penetrarmos no comentário dos Evangelhos, há necessidade de serem explicados certos termos
técnicos e de fazer-se ligeiro apanhado histórico, para boa compreensão do que se vai ler .
EVANGELHO
A palavra grega Euaggélion significa “BOA NOTICIA” , e já era empregada nesse sentido pelos autores
clássicos, desde Homero. Jesus a utiliza pessoalmente, segundo os testemunhos de Mateus (24: 14
e 26: 13) e de Marcos (1:15; 8:35; 10:29; 13:10; 14:9 e 16:15), Além dessas passagens, a palavra
“Evangelho” aparece mais 68 vezes em o Novo Testamento.
TESTAMENTO
A palavra “Testamento”, em grego diathéke, apresenta dois sentidos: 1.0 o “testamento” em que algu
ém designa seus herdeiros; 2.0 a “aliança” que define os termos de um contrato, a que se obrigam as
partes que se aliam. Neste sentido de “aliança entre Deus e os homens” é empregado, dividindo-se em
duas partes: o VELHO ou ANTIGO TESTAMENTO, escrito antes da vinda de Jesus; e o NOVO,
onde se reúnem os escritos a respeito de Jesus.
Essa distinção foi feita por Jesus: “este cálice é o NOVO TESTAMENTO em meu sangue, que é derramado
por vós” (Lc.22:20) ; c Paulo também opõe o Novo ao Velho: “fez-nos ministros idôneos do
NOVO TESTAMENTO” (2 Cor.3:6) e adiante: “até o dia de hoje, na leitura do VELHO TESTAMENTO,
permanece o mesmo véu” (2 Cor. 3:14).
CÂNONE
A palavra cânone significa “regra “, e designa o exemplar perfeito e completo das Escrituras. O cânone
do Novo Testamento é constituído de 27 obras, assim divididas:
A) Livros históricos:
1. Evangelho segundo Mateus (Mt)
2. Evangelho segundo Marcos (Mr)
3. Evangelho segundo Lucas (Lc)
4. Evangelho segundo João (Jo)
5. Atos dos Apóstolos (At)
B) Epístolas Paulinas (de Paulo de Tarso) :
6. Aos Romanos (Rm)
7. Aos Coríntios 1.1\ (1 Cor)
8. Aos Coríntios 2.1\ (2 Cor)
9. Aos Gálatas (Gal)
10. Aos Efesios (Ef)
11. Aos Filipenses (Fp)
12. Aos Colossenses (Co)
13. Aos Tessalonicenses 1.11 ( 1 Tes)
14. Aos Tessalonicenses 2.a (2 Tes)
15. A Timóteo 1.a ( 1 Tim)
16. A Timóteo 2.a (2 Tiro)
17. A Tito (Tt)
18. A Filemon (Fm)
19. Aos Hebreus (autoria discutida)
C) Epístolas Universais:
20. De Tiago (Ti)
21. De Pedro 1.a (1 Pe)
22. De Pedro 2.a (2 Pe)
23. De João l.ª (1 Jo)
24. De João 2.a (2 Jo)
25. De João 3.a (3 Jo)
26. De Judas (Ju)
D) Livro Profético
27. Apocalipse
MANUSCRITOS
Os primeiros exemplares do Novo Testamento eram copiados em papiros (espécie de papel) , material
frágil e facilmente deteriorável. Mais tarde passaram a ser escritos em pergaminho (pele de carneiro) ,
tornando-se mais resistentes e duradouros.
Os manuscritos eram grafados em letras “capitais” ou “unciais” (ou seja, maiúsculas) . Só a partir do
8.0 século passaram a ser escritos em “cursivo”, ou letras minúsculas.
ROLOS
As cópias eram feitas em folhas coladas umas às outras, formando uma tira enorme, que era enrolada
em “rolos’. ou “volumes”.
CÓDICES
Quando as páginas permaneciam separadas e eram costuradas como os nossos livros atuais, por uma
das margens, tinham o nome de “códices”.
COPISTAS
Os encarregados de copiar os manuscritos chamavam-se “copistas” ou “escribas”. Mas nem sempre
conheciam bem a língua, sendo apenas bons desenhistas das letras. Pior ainda se tinham conhecimento
da língua, porque então se arvoravam a “emendar” o texto, para conformá-lo a seus conhecimentos.
Não havia sinais gráficos para separação de orações, e as próprias palavras eram copiadas de seguida,
sem intervalo, para poupar o pergaminho que era muito caro. Dai os recursos empregados, como:
ABREVIATURAS
ou reunião de várias letras numa SIGLA, por exemplo: pq, para exprimir porque. Algumas abreviaturas
eram perigosas, como: OC, que significa “aquele que”. Mas se houvesse um pequenino sinal no
meio do O, fazendo dele um “theta”, passaria a significar “Deus”, (cfr. I Tim. 3:16).
COLAÇÃO
A colação de códices é a comparação que se faz entre dois ou mais códices, escolhendo-se a melhor
“lição” para cada “passo”.
CUSTOS LINEARUM
A expressão latina “custos linearum” (guarda das linhas) era empregada para designar uma letra que se
escrevia no fim das linhas, para “encher” um espaço que ficasse vazio. Por vezes o “custos” era interpretado
como uma abreviatura. ,e entrava como uma “interpolação”; doutras vezes era realmente uma
abreviatura, e era interpretada como ’custos”, não se copiando.
HAPAX LEGÓMENA
São duas palavras gregas que indicam uma palavra usada por um só autor, isto é, um neologismo criado
pelo autor e desconhecido antes dele, e que vem empregado uma só vez na obra, como por exemplo
a palavra “epiousion” em Mt. 6;)1, que não foi traduzida na Vulgata.
HARMONIZAÇÃO
Tentativa que faziam os copistas para “harmonizar” o texto de um livro com o de outro, acrescentando
ou tirando palavras.
INTERPOLAÇÃO
Quando um leitor anotava, na entrelinha ou na margem, um comentário seu, e o copista, julgando-o um
“esquecimento” do copista “ anterior, introduzia esse comentário como parte do texto.
LIÇÃO
Diz-se da maneira especifica de dizer uma frase, Isto é, da forma exata pela qual está escrita.
PASSO
É o “trecho” citado de um autor, por exemplo: “este passo de Mateus está diferente do de Marcos”.
SALTO
Quando o copista pula uma letra, uma silaba, uma palavra ou até uma linha, por distração ou confusão.
SIGLAS
Abreviações usadas para poupar espaço e tempo.
VARIANTE
Quando existe uma diferença entre dois códices, diz-se que há uma “variante”.
PRINCIPAIS MANUSCRITOS
Os códices gregos unciais (ao todo, pouco mais de cem existem) , são bastante antigos. Os principais
são:
A - (alef) ou Sinaítico, no Museu Britânico (séc. IV)
A - Alexandrino, no Museu Britânico (séc. V)
B - Vaticano, no Museu Vaticano, (Séc. IV)
C - É irem, na Biblioteca Nacional de Paris (séc. V)
D - Beza, na Universidade de Cambridge, (séc. VI)
D2 - Claromontano, na Bibl. Nac. de Paris (séc. VI)
Dos códices gregos cursivos ainda existem 1.825 cópias.
Os principais códices latinos, com o texto da “vetus latina”, isto é, da primitiva tradução anterior a
Jerônimo, são:
a - Vercellensis (séc. IV) na catedral de Vercelli
b - Veronensis (séc. V) na Biblioteca de Verona
c - Colbertinus (séc V) na Bibl. Nac. de Paris
d - Beza (séc. V) na Univ. de Cambridge
e - Palatinus (séc. V) na Bibl. Nac. de Viena
f - Brescianus (séc. VI) na Bibl. de Brescia
h - Claromontanus (séc. IV/V) na Bibl. Vaticana n.o 7.223.
Quanto aos códices da Vulgata, existem mais de 2.500, remontando os mais antigos aos séculos VI e
VU.
OS TEXTOS
Já no século II escrevia Orígenes: “Presentemente é manifeste que grandes foram os desvios sofridos
pelas cópias, quer pelo descuido de certos escribas, quer pela audácia perversa de diversos corretores,
quer pelas adições ou supressões arbitrárias” (Patrologia Grega, Migne, vol. 13, col. 1.293).
Quanto mais se avançava no tempo, mais crescia o número de cópias e de variantes, aumentando sempre
mais o desejo de possuir-se um texto fixo e autorizado. Chegávamos ao 4.0 século. Constantino
estabeleceu que o Bispo de Roma devia ser o primaz da Cristandade. O imperador Teodósio deu mão
forte aos cristãos romanos, declarando o cristianismo “religião do Estado”, e firmando, desse modo a
autoridade do Bispo de Roma. Ocupava o Bispado o então Papa Dâmaso (português de nascimento) ,
devendo anotar-se que, naquela época, todos os Bispos eram denominados “papas”. Desejando atender
ao clamor geral, Dâmaso encarregou Jerônimo de estabelecer o TEXTO DEFINITIVO das Escrituras.
A tarefa era ingente, e Jerônimo tinha capacidade para desempenhá-la, pois conhecia bem o hebraico,
o grego e o latim. Ele devia re-traduzir para o latim todas as Escrituras, já que as versões antigas (vetus
latina) eram variadíssimas.
VULGATA
A tradução latina de Jerônimo é conhecida com o nome de Vulgata, ou seja, edição para o vulgo, e tem
caráter dogmático para os católicos romanos.
LÍNGUA ORIGINAL
A língua original do Novo Testamento é o grego denominado Koiné, ou seja, comum, popular, falado
pelo povo. Não é o grego clássico.
O grego do Novo Testamento apresenta um colorido francamente hebraista, e bem se compreende a
razão: todos os autores eram judeus, com exceção de Lucas, que era grego.
OS EVANGELISTAS
MATEUS (nome grego, Matháios, que significa “dom de Deus”, o mesmo que Teodoro). Seu nome
em hebraico era LEVI.
Diz Papias que “Mateus reuniu os “Logía” de Jesus (ou seja os discursos) , e cada um os traduziu
como pôde do hebraico em que tinham sido escritos”.
Todavia, jamais foi encontrada nenhuma citação de Mateus em hebraico, nem mesmo em aramaico.
Com efeito, em hebraico é que não escreveu ele, já que desde 400 anos antes de Cristo o hebraico não
era mais falado, e sim o aramaico, que é uma mistura de hebraico com siríaco. Parece, pois, que Papias
não tinha informação segura.
Um argumento em favor do hebraico ou aramaico de Mateus original são seus numerosíssimos hebraismos.
Entretanto, qualquer tradutor teria o cuidado de expurgar a obra dos hebraísmos. Se eles
aparecem em abundância, é mais lógico supor-se que o autor era judeu, e escrevia numa língua que ele
não conhecia bem, e por isso deixava escapar muitos barbarismos.
Supõe-se que Mateus haja escrito entre os anos 54 e 62.
Dirige-se claramente aos judeus (basta observar as numerosas citações do Velho Testamento e o esfor-
ço para provar que Jesus era o Messias prometido aos judeus pelos antigos Profetas) . Mateus mostrase
até irritado contra seus antigos correligionários.
MARCOS, ou melhor, JOÃO MARCOS, era sobrinho de Pedro. O nome João era hebraico, mas o
segundo nome Marcos era puramente latino. Não deve admirar-nos esse hibridismo, sabendo-se que os
romanos dominavam a Palestina desde 70 anos antes de Cristo, introduzindo entre o povo não apenas a
língua grega, como os nomes latinos e gregos. (Os romanos impuseram a língua latina às conquistas do
ocidente e a grega às do oriente, daí o fato de falar-se grego na palestina desde 70 anos antes de Cristo,
por coação dos dominadores) .
Marcos escreveu entre 62 e 66, e parece que se dirigia aos romanos, tanto que não vemos nele citações
de profecias; apenas uma vez (e duvidosa) cita o Velho Testamento. Mais: se aparece algo de típico
dos costumes judaicos, Marcos apressa-se a esclarecer, explicando com pormenores o de que se trata,
como estando consciente de que seus leitores, normalmente, não no perceberiam.
LUCAS, abreviatura grega do nome latino Lucianus, não tinha sangue judeu: era grego puro, de nascimento
e de raça. Escreveu em linguagem correta, entre 66 e 70, interpretando o pensamento de Paulo
a quem acompanhava nas viagens apostólicas, talvez para prestar-lhe assistência médica, pois o pró-
prio Paulo o chama “médico querido” (cfr. 2.a Cor. 12:7) .
Todo o plano de sua obra é organizado, demonstrando hábito de estudo e leitura e de pesquisa.
JOÃO, chamado também “o discípulo amado”, e mais tarde “o presbítero”, isto é, o “velho”. Filho de
Zebedeu, e portanto primo irmão de Jesus, acompanhou o Mestre no pequeno grupo iniciático, com
seu irmão Tiago e com Pedro.
Clemente de Alexandria diz ter João escrito o “Evangelho Pneumático”. Sabemos que “pneuma” significa
“Espírito”. Então, é o Evangelho espiritual. Em que sentido? Escrito por um Espírito? “Pneumografado
”? Tal como hoje dizemos “psicografado”?
João escreveu entre 70 e 100, tendo desencarnado em 104.
Seu estilo é altaneiro, condoreiro e seu Evangelho está. repleto de simbolismos iniciáticos, tendo dado
origem a uma teologia.
Linguisticamente, Lucas é o mais correto e Marcos o mais vulgar testando Mateus e João escritos
numa linguagem intermediária.
OS SINÓPTICOS
Mateus, Marcos e Lucas seguem, de tal forma, o mesmo plano e desenvolvimento, que podem ser
abarcados num só olhar (ópticos) de conjunto (sin) . Verifica-se com facilidade que Mateus foi o primeiro
a publicar o seu, tendo Marcos resumido a seguir. Muitos outros seguiram o exemplo desses
dois, tendo aparecido talvez uma centena de resenhas dos atos do Mestre. Foi quando Lucas resolveu,
conforme declara, “organizar” uma narração escoimada de falhas.
A INSPIRAÇÃO
Aceitamos que a Bíblia, e de modo particular o Novo Testamento, tenham sido inspirados, direta e
sensivelmente, por espíritos, se bem que nem todos com a mesma elevação.
Pedro, com toda a sua autoridade de Chefe do Colégio Apostólico, afirma categoricamente, referindose
aos escritores do Velho Testamento: “homens que falaram da parte de Deus, e que foram movidos
por algum espírito santo” (2 Pe. 1 :21) . E ainda: “o Espírito de Cristo, que estava neles, testificou”
(1 Pe. 1: 11) .
E no discurso de Estêvão, narrado em Atos 7:53, o proto-mártir afirma: .’vós que recebestes a Lei por
ministério de anjos”, isto é, por intermédio de espíritos.
Tudo isso é normal e comum até nossos dias. Mas, desconhecendo a técnica, cientificamente estudada
e experimentada por sábios e pesquisadores espiritualistas, a partir de Allan Kardec, os comentadores
se perdem em divagações cerebrinas. Ao invés de admitir a psicografia (direta, mecânica ou semimec
ânica) e a psicofonia (total ou parcial), a audiência evidência, ficam a conjeturar “como” pode terse
dado o fato, chegando a afirmar que “as pedras da Lei foram realmente escritas pelo dedo de Deus”
(Dr. Tregelles, Introdução ao N.T.).
Mais modernamente, Joseph Angus (Hist. Doutr. e Interpr. da Bíblia), escreve: “notam-se, nas diversas
partes da Bíblia, no conteúdo e no tom, diferenças evidentes; têm sido feitas distinções entre “inspira-
ção de direção” e “inspiração de sugestão” (?) ; entre a iluminação e o ditado; entre “influência dinâ-
mica” e “influência mecânica”. Vê-se que já se está aproximando da realidade, mas o desconhecimento
dos estudos modernos o faz ainda titubear.
Ainda a respeito da inspiração, perguntam os teólogos se a inspiração da Bíblia deve ser considerada
VERBAL (isto é, que todas as suas PALAVRAS tenham sido inspiradas diretamente por Deus - naturalmente
no original hebraico ou grego) , ou se será apenas IDEOLÓGICA. Faz-se então a aplicação:
em Tobias, 11:9, é dito “então o cão que os vinha seguindo pelo caminho, correu adiante, e como que
trazendo a notícia, mostrava seu contentamento abanando a cauda”. Pergunta-se: é de fé que “o cão
abane a cauda quando está alegre”? E respondem: “não, mas é de fé Que. naquele momento, um cão
abanou a cauda...
Não era assim que pensava Jesus, quando dizia que “o espírito vivifica, a carne para nada aproveita”
(30. 6:63) ; nem Paulo, quando afirmava: “não somos ministros da letra (escravos da letra) , mas do
espírito, pois a letra mata, mas o espírito vivifica” (2 Cor. 3:6). E aos Romanos: “de sorte que sirvamos
na novidade do espírito, e não na velhice da letra” (Rum. 7:6.). E mais ainda: quando, em o Novo
Testamento se cita o Velho, a citação é sempre feita ad sensum (isto é, pelo sentido) , e não ad lítteram
(literalmente) , e quase sempre pela tradução dos Setenta, e não pelo original hebraico, embora
fossem judeus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário